Tem alcunha que ficou mal na história: o “Bloco Central”. Só houve um, com este nome, liderado por Mário Soares e Mota Pinto. PS e o PSD juntos! Numa situação política e financeiramente muito difícil, com taxas de inflação perto dos 30%, iniciou funções em Junho de 1983, terminou em Novembro de 1985. Era Presidente da República o General Ramalho Eanes. Durante o mandato deste governo foi assinado o tratado de adesão de Portugal à União Europeia (então Comunidade Económica Europeia, CEE) e que foi recuperado o equilíbrio das contas públicas, graças a uma das mais severas disciplinas de austeridade que Portugal conheceu. O fim do Bloco foi ditado e acelerado por Cavaco Silva que, tendo vencido as eleições do PSD, quis tomar conta do seu partido e redesenhar nova estratégia. Em particular, preparar as eleições presidenciais de 1986, que viriam a ter como principais protagonistas Mário Soares, Freitas do Amaral, Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintasilgo. As novas eleições legislativas, de Outubro de 1985, dão a vitória ao PSD, com 29% dos votos, formando-se assim um dos mais famosos governos minoritários, que durou até Julho de 1987, tendo depois o PSD de Cavaco Silva obtido a maioria absoluta. A esquerda detestou o Bloco, pois confirmava a exclusão dos comunistas do governo. A direita odiou o Bloco: mostrava os seus limites e a necessidade do PS. O PS abominou o Bloco: assim, tinha de partilhar os despojos. O PSD excomungou o Bloco: era um instrumento de submissão ao PS e um travão às suas ambições hegemónicas.
O governo do Bloco Central teve excelente e péssima actuação. Com notáveis resultados nas finanças, na economia, nos negócios estrangeiros e na Europa. Também teve má “prestação” em vários sectores, com relevo para a divisão de empregos entre os dois partidos. A partilha era prática generalizada. Foi um dos momentos em que mais se afirmou a ideia de que uma vitória eleitoral confere direitos de propriedade de instituições, de autorizações e de licenciamentos. No conjunto do seu mandato, este Bloco foi mais útil do que prejudicial ao país.
O problema é que a tradição marialva dos partidos e os seus apetites não têm limites: cada um prefere sempre tudo só para si. É verdade que a partilha entre dois é péssima, mas é certo que a alternativa é a do monopólio de um só partido. O que não é uma maneira particularmente brilhante e honesta de lutar contra o favoritismo e a corrupção. A luta contra estas depende muito mais das instituições, da liberdade de imprensa independente e da Justiça do que dos partidos.
Parece indiscutível que a maioria de um só partido ou de uma coligação pré-eleitoral é a solução ideal. Tem coesão e solidez doutrinária. Pode ganhar tempo e eficácia na execução das suas políticas. Escapa a “arranjos” de ocasião e à chantagem. O eleitorado vê mais claro em quem vota, a quem pede responsabilidades e quem merece recompensa ou castigo. O problema, todavia, é que esses tempos parecem estar cada vez mais distantes. Para um só partido, chegar, nos tempos que correm, aos mais de 40% ou até 50%, é feito quase impossível. E a sorte dos governos minoritários tem sido medíocre para o país, provavelmente também para o partido.
Em tempos de instabilidade, de incerteza e de alta probabilidade de crise e conflito, recomenda-se a criação de governos maioritários. Com apoio parlamentar seguro. Com base eleitoral indiscutível. Hoje, vivemos um dos momentos de maior risco que conhecemos no nosso país e na Europa. A política fragmentou-se. A guerra instalou-se na Europa e no Próximo-Oriente. A guerra comercial desenvolve-se. Milhões de imigrantes vagueiam pelo mundo. As alianças internacionais estão quase todas desfeitas ou em substituição. Os Estados Unidos, a China e a Rússia são muito bem capazes de conduzir o mundo à beira da guerra ou de enorme crise económica e social. A conjuntura internacional é a mais ameaçadora que se possa imaginar.
Do ponto de vista nacional, os sinais de optimismo são quase inexistentes. Pelo contrário, os riscos são enormes. Portugal não tem dimensão para influenciar o mundo, nem sequer os seus aliados, mas tem o dever de proteger o melhor que pode os seus cidadãos. As autoridades nacionais têm a obrigação de tudo fazer para cuidar do seu povo. Ora, muitas das tarefas necessárias a alcançar esses fins exigem força política, estabilidade e apoio alargado dos políticos, da sociedade e do eleitorado. A indispensável reformulação da política de defesa nacional e de organização das Forças Armadas não se faz com governos minoritários. O estudo e a preparação de reformas constitucionais ou de organização do Estado, incluindo a descentralização e a Justiça, só podem ser realizados com a participação alargada da sociedade. A profunda reorganização do Serviço Nacional de Saúde requer vasto apoio. A definição e a prática de novas políticas de população e migrações só podem ser levadas a cabo com um enorme envolvimento das forças políticas e sociais. Se desejamos que o que precede seja feito em democracia e no respeito pelas liberdades e pelos direitos humanos, só governos maioritários, com alargado apoio, poderão dar conta do recado.
Ora, um dos maiores inimigos dos governos maioritários (cada vez mais raros e difíceis com um só partido) são as impossibilidades criadas pelos próprios partidos para se aliarem, se coligarem ou se entenderem antes ou depois das eleições. Faltam poucas semanas para irmos a votos. Seria agora a boa altura de exigir dos partidos que digam ao que vêm. Só governam sozinhos? Estão dispostos a coligações ou alianças? Aceitam fazer governos de associação entre dois ou mais partidos? Aceitam governar sem apoio parlamentar? Estão disponíveis para coligações e alianças quer sejam o mais votado ou não? Com quem encaram faze governo, caso queiram fazer uma maioria? Aliança de esquerda? Bloco Central? Aliança de direita?
A tradição é os partidos nada dizerem, porque assim, pensam, admitiriam a hipótese de perder. Mais ainda, alguns insistem em dizer que nunca governarão com A ou com B, ou com quem quer que seja. Bom, vitorioso e sectário é dizer previamente que só governa sozinho, que não governa com outros, que nunca governarão em submissão a outros, com mais ou menos votos. Noutras palavras, o que é bom é queimar hipóteses, negar associações e recusar sacrifícios. Mesmo que seja para bem dos portugueses e da liberdade.
.
Público, 12.4.2025