quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O Governo menor

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ESTAVA NOS LIVROS. E nas estrelas, não necessariamente nas de bom agoiro. O governo será minoritário. O PS, seu único responsável, sempre sonhou com este dispositivo. É verdade que prefere ser maioritário, mas, desta maneira, pode oscilar e tentar demonstrar que é a “charneira” do sistema.

Os socialistas sempre encararam com enorme dificuldade a hipótese de um governo de coligação (ou de apoio parlamentar) com o PCP. Há quase quarenta anos que esta exclusão vigora com força de lei. Com duas consequências. A primeira: é uma espécie de seguro de vida da direita. A segunda: ajuda a reforçar o papel central do PS. Esta foi uma das razões que levaram o PS a forjar uma Constituição e uma tradição favoráveis aos governos minoritários.

Têm igualmente dificuldade em encarar uma aliança com o Bloco de Esquerda. Para as presidenciais, talvez, mas isso é sem consequências. Para o governo, nem pensar. Na verdade, com as suas “causas” culturais, jovens e fracturantes, o Bloco exerce uma enorme atracção junto dos socialistas. A ponto de provocar estragos consideráveis nas suas bases militantes e no seu eleitorado. No governo, o Bloco destruiria o PS em pouco tempo.

Mas as suas relações com os partidos à direita tiveram também influência. A análise tradicional, no PS, diz que a “maioria sociológica do país é de esquerda”. Esta lei, apesar de ter sido negada várias vezes, ainda é fonte de inspiração para o partido. Sendo assim, importava garantir que os socialistas, sozinhos, sem o PCC, não tivessem a necessidade de estabelecer coligações com o PSD ou o PP. Historicamente, já houve essas alianças. Feitas, ironicamente, por alguém que é actualmente defensor do governo minoritário: Mário Soares. Mas este excepcional político sempre entendeu que, se for ele o protagonista, pode perfeitamente realizar alianças e acordos com quem entender. Fez um governo macabro com o CDS, em 1978. Fez o Bloco Central com o PSD, em 1983. Recebeu alegremente os votos do PCP em 1986. E contou com serenidade os votos do PSD em 1991. Autorizar outros a fazer o mesmo, em condições sociais e económicas ainda mais difíceis, não está no seu feitio.

As entrevistas que Sócrates concedeu aos partidos, a semana passada, foram um ponto alto de hipocrisia. Sócrates pediu o que não queria, convidou todos para o governo. Os partidos não perceberam a armadilha e responderam negativamente. Quando todos deveriam ter dito que estavam prontos. Em condições a negociar, pois claro. Mas não. Elevaram a sua covardia ao estatuto de dignidade. Vão agora ouvir, meses a fio, o Primeiro-ministro recordar-lhes que foram convidados e recusaram. Este jogo da cabra cega foi considerado um golpe de génio de estratégia política. A esperteza rafeira é a última palavra da inteligência política.

Como se vão passar os próximos meses? O governo minoritário vai dedicar-se a uma das actividades preferidas dos políticos do nosso país: negociar à esquerda e à direita. Com o PSD, vai provavelmente rever os mecanismos de avaliação dos professores. Com o PP, vai privatizar uma ou duas empresas do sector público e aumentar as pensões. Com o BE, prepara-se para nacionalizar um sector económico ou uma empresa, assim como aprovar diplomas extravagantes sobre casamentos, adopção e sexualidade. Com o PCP, propõe-se reforçar os mecanismos estatais do Serviço Nacional de Saúde e aumentar os impostos sobre os lucros das empresas e as mais-valias. Depois, com o PSD e o PP, interessar-se-á de novo na reforma da legislação laboral. Mas, com o BE e o PCP, olhará para as leis da eutanásia e do suicídio assistido. De permeio, voltará a ocupar-se das grandes obras e dos grandes empreendimentos, já não com os partidos de oposição, mas com os construtores e os banqueiros do regime. Não há, evidentemente, qualquer sentido nisto. Mas as perspectivas são exactamente estas.

A Constituição e as leis eleitorais estão de tal modo feitas que este é o resultado inevitável. Quando a grande maioria dos países da Europa se rege por mecanismos legais ou por tradições que forçam ao entendimento parlamentar, a uma relativa estabilidade de governo e a uma acção responsável no sentido de assegurar maiorias de governo e de legislatura, em Portugal é exactamente o contrário. Os juristas de Coimbra e de Lisboa, finos engenheiros de minas e armadilhas e reputados florentinos da instabilidade, aprimoraram esforços para conseguir governos de minoria e para evitar o esforço conjugado de vários partidos. Joga-se com a abstenção no Parlamento, como se esta fosse um voto positivo. Procuram-se os mecanismos perversos da “moção de censura construtiva”, uma maléfica e perversa invenção, a fim de perpetuar os governos minoritários.

Sabe-se o que nos espera. Um ou dois anos particularmente difíceis, com desemprego crescente, mais endividamento e cada vez maior défice da balança comercial e de pagamentos. Um défice público a atingir níveis inéditos nos tempos recentes. Dificuldades na obtenção de investimento privado, nacional ou estrangeiro. O crédito externo será muito mais difícil e caro, pois os governos minoritários, tão apreciados pelos políticos indígenas, não constituem bom cartão-de-visita para os nossos credores. O clima será desfavorável à reforma da Administração Pública, apesar dos novos aumentos que se anunciarão em breve. Serão grandes os obstáculos à alteração do fanatismo dogmático nas escolas e nos serviços de saúde. E a Justiça, cujo melhoramento exige um sério e consistente esforço nacional, continuará a vegetar. A aprovação do Tratado de Lisboa, iminente, dará uns dias de euforia, insuficientes todavia para esbater a crise europeia.

Tudo isto recomendaria a formação de um governo de programa e coligação ou aliança. A evidência impunha ao Presidente da República o dever político e moral de fazer quanto podia para obter esse governo. A necessidade de estabilidade e de maioria parlamentar é tal que os partidos, alguns partidos, deveriam mostrar-se receptivos a negociações imediatas e a concessões suficientes para a criação de um governo maioritário. Mas parece que nada disso tem qualquer espécie de importância ou eficácia. Fazer um sacrifício político, abdicar temporariamente de ideias ou de nomeações dos amigos, em nome do interesse público, não faz parte da nossa “cultura” política. Renunciar, em nome das necessidades do país, ao bairrismo tribal e marialva do seu partido, é considerado crime maior. Esperar pelo desastre dos outros, e do país, para poder recolher louros, é considerado fino raciocínio estratégico. Trabalhar pela derrota dos seus próprios correligionários, a fim de estar “a jeito” para as eleições que se seguem, é estimado como se talento político fosse.

O preço a pagar por um governo minoritário, instável e de coligações “pontuais” à esquerda e à direita, é enorme. O governo menor terá efeitos na instabilidade social, na impossibilidade de realizar reformas, no investimento e no saneamento das finanças públicas. O pequeno governo pagará muito mais caro pelas suas dívidas externas. Esse governo deverá recorrer à demagogia ainda com mais frequência e apetite. Os ministros terão à sua disposição recursos ilimitados “até às próximas eleições”, até à oportunidade de conseguir uma maioria absoluta. Essa é a miragem que faz correr Sócrates e os seus amigos.
Mas as oposições não se eximem de culpas e responsabilidades. Conscientes das dificuldades nacionais, certos de que o governo minoritário não aguentará e seguros de que, desta vez, não haverá um período de ouro como em 1985/87, têm a certeza de que este governo minoritário não transformará as suas insuficiências em vantagens para obter a maioria. Pelo contrário: estão seguros de que chegará a vez deles, depois do desastre.

Os partidos políticos, como nunca desde 1974, estão a milhas da gravidade dos problemas nacionais. Eventualmente, nem sequer os percebem. Não partilham com os cidadãos as suas inquietações, se as têm. Preferem esta estratégia de terra queimada e de campos devastados, na esperança de que os cemitérios sejam férteis. Dispostos a exigir todos os sacrifícios da população, são incapazes de fazer os seus, de renunciar ao seu orgulho ou de moderar o seu apetite predador. Anunciam-se maus tempos para este pobre país.

«Público» de 24 de Outubro de 2009

domingo, 25 de outubro de 2009

A crise acabou!

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“O SOL E O REI não se olham de frente”! Esta frase é atribuída a Luís XIV, o Rei Sol. Não sei se é verdade ou não. Mas a frase encerra conteúdos inesperados. Não se olha, porquê? Queima? Mata? Cega? Deve então fazer-se o quê? Curvar a cabeça? Olhar para o chão? Fechar os olhos? Enterrar a cabeça na areia? Obedecer? Verdade é que os sentimentos que esta frase provoca não são necessariamente os melhores. Medo em vez de curiosidade. Subserviência em vez de respeito.

Qualquer destas consequências tem efeitos medonhos. Não se pode satisfazer a curiosidade. Não é possível resistir, olhar de frente ou reagir. Nem ficar dignamente de cabeça levantada.

No entanto, certo é que houve quem olhasse de frente para o Rei, para todos os reis. Ou presidentes. Para bem de nós e da liberdade. Como também houve quem olhasse directamente para o Sol. Com óculos ou filtros, não sei. Mas conheço os resultados. Fabulosas fotografias e, sobretudo, pintado por Turner, um quadro inesquecível, todo amarelo de fogo, quase sem forma arredondada! Ele olhou de frente para o Sol e fez uma obra-prima.

Além de levantar a cabeça, manter a coluna vertical e preservar a sua dignidade, há mais no olhar. Para conhecer, para perceber, é preciso olhar. Eis por que tantos, os que não olham para o Rei nem para o Sol, também o não fizeram com a crise. Por isso é também necessário olhar de frente para esta.

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SE RECORDARMOS os acontecimentos financeiros e políticos do último trimestre de 2008, lembramo-nos seguramente da grande agitação que correu mundo. É minha convicção, já era nessa altura, que estivemos a poucos metros do abismo. Do colapso total do sistema financeiro e bancário internacional. Ter-se-ia seguido uma crise de inimagináveis efeitos, tanto económicos como sociais e políticos. Não sei o que faltou, para que o desastre não tivesse ocorrido. Nem sei exactamente o que foi feito e teve como consequência evitar o descalabro. Diz-se que foi a reacção dos governos, sobretudo do americano e do inglês. Há quem sugira que a eleição e a tomada de posse de Obama foram um bálsamo. Outros apontam para a resistência das economias que, apesar da volatilidade financeira, seguram as sociedades. Tenho para mim que o essencial foi a população não ter perdido inteiramente a confiança. Apesar dos poucos sinais tranquilizadores dos governos e mau grado os muitos indícios aterradores dos banqueiros e outros negociantes, as populações, sobretudo a americana, não se deixaram arrastar pela desconfiança. Foi quanto bastou.

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O QUE REALMENTE caracterizou esta crise de 2008 foi a ameaça de perda de confiança. O princípio da perda de confiança, numa larga escala e com enorme rapidez. Esse foi o facto novo. Que pensar então dos outros traços mais evidentes naquele processo aparentemente dramático? Ganância e cupidez? Sempre houve, sempre haverá. Bolhas bolsistas? Registaram-se várias e maiores nos últimos trinta anos, como, por exemplo, a das tecnologias e das comunicações. Fraudes cometidas por banqueiros, corretores e gestores? Nunca faltaram e, desde os anos oitenta, contam-se vários episódios de colossais dimensões (“Enron” e “Loans and Savings”, por exemplo). O envolvimento, em actividades arriscadas e ilícitas, de grandes instituições privadas e públicas, de honestas fundações e de reputados banqueiros? Sempre esteve presente. A robusta intervenção do Estado? Só depois da crise. A dimensão internacional? Também não é novo. O carácter artificial e fictício de grande parte das operações financeiras especulativas? É antigo e, desde há trinta anos, frequente, a ponto de ser parte integrante do capitalismo. Sendo assim, porquê esta crise? Pela simples razão de que todas as causas acima referidas, em simultâneo, de grande dimensão e a alta velocidade, ameaçaram o fundamento do sistema: a confiança. O que é curioso é que a confiança voltou, mas aquelas causas não desapareceram. É por isso que o capitalismo é forte e imoral.

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LENTAMENTE, a confiança voltou. Foi muito gradual. Ainda hoje são visíveis as precauções e a hesitação no andar. Mas a confiança regressou. Não necessariamente a confiança no futuro, no próximo emprego, no melhoramento da vida e nos novos rendimentos. Nem sequer a esperança de que tudo volte a ser como antes, ou quase. Não. Para já, é apenas a confiança nos sistemas (que precisam de reparação, sabemos). Isto é, a percepção de que já nos afastámos do precipício. A confiança em alguns valores ou instituições. A certeza de que podemos gradualmente retomar as nossas rotinas: em casa, no emprego, no recreio, na criação, no negócio e na rua.

Se a confiança é a medida da crise, a crise acabou. Voltou a confiança, foi-se a crise. É verdade na América, o que quer dizer que é no resto do mundo. Também em Portugal. Evidentemente, ainda vai haver sequelas. Ainda vamos ver mortos e feridos, falências e desemprego. Mas isso já não é crise. São os resultados da crise. Com a nossa dimensão e com a pobreza que é a nossa, teremos mais desses efeitos do que a maior parte dos países europeus. Mais e por um tempo mais longo. Mas, a partir de agora, já só de nós nos podemos queixar. Ou sabemos organizar, poupar, trabalhar e recuperar, ou teremos consequências da crise por muitos anos.

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É UMA DAS MAIS odiosas frases políticas! É moral e politicamente correcta. Um cliché de encenação. Um detestável lugar-comum. Reza assim: “Uma crise é sempre uma oportunidade”! Os seus autores, ou antes, os seus repetidores têm, em geral, certezas. Da fortuna, do emprego, do cargo político ou do nome e da família. Para eles, talvez seja uma oportunidade. De fazer o que adiaram. De se verem livres de quem não ousavam. De desculpar as suas deficiências com a crise dos outros. De se afirmarem nos seus cargos. De venderem esperança e confiança que eles próprios não criaram.

Para as vítimas da crise, as oportunidades são poucas. Sem capital ou emprego, sem capacidades ou meios, sem idade ou força, com dívidas e pessoas a cargo, não lhes será fácil encontrar essa oportunidade. Há quem consiga. São verdadeiros heróis. Mas não são a maioria. As crises, como esta que passou, deixam pessoas exangues e famílias cansadas. Por onde passa a crise, ficam terras queimadas, árvores desmembradas e pessoas desenraizadas. Como aquelas por onde passam os quatro Cavaleiros...

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NAS ORIGENS do termo “crise”, está o sentido de mudança ou transição. O que exige alteração de rotinas e certezas. Adaptação e flexibilidade. Meios e confiança. Segurança e energia. Não há mudança sem aflição. Perdem-se raízes, não se encontram os caminhos. Mesmo quando é para melhor, a mudança é sempre exigente. Por isso a palavra acabou por tomar este novo significado que está próximo do desaparecimento dos equilíbrios, da incapacidade de continuar e do medo de avançar. Crise é sempre perda. Perda de bens, de sentimentos, de pessoas, de bem-estar e de certezas. Com a crise vivemos em permanência. É quando ela se avoluma que toma a dimensão do espectro. E deste só conhecemos um rosto: o da morte!

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ESTA CRISE, a de 2008, acabou. Os seus efeitos vão durar. Mas voltaremos às nossas crises. A da educação, pela mediocridade. A da justiça, pelo atraso e pela falta de confiança nos magistrados. A das famílias, pela perda da natalidade e pelo abandono dos idosos. A da segurança, pelo aumento da criminalidade. A da administração, pelo centralismo exagerado. A da moral pública, pela impunidade da corrupção. A da política, pela abstenção crescente, pela crispação dos partidos e pela demagogia. A das cidades, pela desertificação dos centros históricos. A do ambiente, pela desatenção às árvores, aos jardins e aos parques. A dos recursos, pela negligência com que se trata da floresta e do mar.

Mas só quem percebeu que a crise acabou é que está preparado para enfrentar as suas consequências.
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Revista EGOÍSTA Set 09

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Luz - Socalcos, vinha e muros

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No Douro, perto da Régua, no princípio do Verão, com as folhas verdes da vinha em pleno crescimento. São socalcos antigos, feitos em “pedra seca”. (1979).

domingo, 18 de outubro de 2009

O País de duas caras


EM 2009, TUDO PARECE correr mal. A crise económica e financeira é tremenda. A crise social cresce. A esperança e as expectativas estão no mais baixo. Emprego, consumo, bem-estar e projectos para o futuro: nada é seguro. Os pais receiam pelo futuro dos filhos. Os adultos fazem às contas antecipadas às reformas. Com três eleições seguidas, a situação não se apresenta favorável. Maldição? Pouca sorte? Quase apetece recorrer a causas irracionais! Ou será imperícia e auto-suficiência? Ou um pouco de tudo?

Em 2005, tudo parecia auspicioso. A deserção de Guterres, a fuga de Durão Barroso e o episódio Santana Lopes tinham deixado uma sensação desagradável, que se terá talvez traduzido numa votação excepcional no Partido Socialista e em José Sócrates. Uma maioria inédita foi a recompensa inesperada e ainda imerecida que o novo Primeiro-ministro recebeu de um eleitorado cuja principal vontade era a de castigar outros. Tudo lhe corria de feição. As estrelas brilhavam...

Aurora

NESSA ALTURA, a situação económica nacional e internacional não era das mais famosas, mas nada de preocupante. Era possível fazer um esforço, em especial para tratar das finanças públicas em estado precário. Com uma maioria absoluta, havia tempo. Há já três ou quatro anos que o país ameaçava estagnar ou, pelo menos, crescer menos que os parceiros europeus. Com tenacidade, seria possível. A primeira aparência de autoridade e firmeza encantou muitos eleitores. As sondagens deram, durante muito tempo, o benefício da dúvida e a expectativa. Até algum contentamento. Foi possível organizar um esforço colossal de contenção financeira. Não faltou alguma imaginação e, por vezes, um tom simples e directo. Escolas abertas mais tempo. Substituição compulsiva dos professores faltosos. Medicamentos mais baratos. Juízes a trabalhar mais. Professores avaliados. Resultados da Matemática a subir para médias nunca vistas. Mais subsídios sociais. Grandes obras. Decisões rápidas e simples. Inaugurações sucessivas. Uma correria de visitas ao país. Umas dezenas de actos de simplificação da burocracia conseguidos com êxito. Estreitamento de relações com países do petróleo, Líbia, Angola e Venezuela. Apoios faraónicos a certos grupos económicos, nomeadamente aqueles que se encostam ao Estado e que dele recebem a ajuda necessária aos grandes projectos. Novas leis para as universidades. As “Novas Oportunidades” criaram a possibilidade, para dezenas de milhares de trabalhadores e empregados, de acederem, com orgulho, a uma certificação escolar perdida ou adiada. Arranjou-se muito dinheiro europeu para a ciência e a tecnologia. Computadores aos molhos para as crianças e as escolas. Tudo parecia fácil. Mesmo certos trabalhos difíceis foram conseguidos no meio desta hiperactividade. As reformas do sistema de segurança social, em particular, deram espaço e tempo para respirar. Não foram bem explicadas, nem se soube logo qual seria o resultado a três ou quatro décadas de distância, mas conteve-se a ameaça da falência ou da bancarrota do Estado providência. A reforma do Código laboral, excessiva para uns, insuficiente para outros, fez-se num ponto de equilíbrio que oferecia ao menos um compasso de espera. Era firme a intenção de atacar até o mais difícil, a reforma do Estado, o que implicaria uma redução considerável do número de funcionários. A presidência portuguesa da União Europeia, preparada ao milímetro, correu bem. A encenação esteve perfeita. O Primeiro-ministro parecia ungido: líder europeu! Chegou a aprovar-se um Tratado de Lisboa, com que a capital ficaria gravada na Europa por muitas décadas. Merkel e Sarkozy gostaram de Sócrates e ajudaram. Consta que Brown e Zapatero também. Tudo corria bem ao Primeiro-ministro. Tinha sorte, mas parecia merecê-la. Resistiu à calúnia e às acusações pessoais. A estabilidade governamental, produto raro, foi razoável e superior a muitos outros governos. Vários ministros cumpriram o seu tempo, com relevo para Maria de Lurdes Rodrigues, Mário Lino, Mariano Gago, Alberto Costa, Silva Pereira, Vieira da Silva, Jaime Silva, Augusto Santos Silva, Nunes Correia e Manuel Pinho. É talvez um dos governos mais estáveis da democracia. Durante dois ou três anos, a cordialidade nas relações entre o Governo e o Presidente da República, permitiu uma cooperação eficaz. Uma oposição desastrada, desgastada pela dissensão interna, garantia tranquilidade ao governo. Os debates parlamentares, que Sócrates alargou como nunca antes, permitem repetidamente ao Primeiro-ministro mostrar o superior conhecimento dos dossiers, a sua agressividade vencedora e o seu sentido da oportunidade. O controlo financeiro, bem ou mal, pela despesa ou pela receita, produziu os seus frutos e, em meados de 2008, o défice atingia um dos seus pontos mais baixos de sempre. A inflação contida ajudava. O euro também. Aguentaram-se alguns grandes investimentos estrangeiros virados para a exportação e obtiveram-se promessas de novos sobretudo virados para o turismo. Barragens, estradas e parques eólicos vieram à cabeça das obras públicas, sem falar nos formidáveis e polémicos projectos do aeroporto e do comboio de alta velocidade. Tudo parecia simples e fácil: bastava decidir! Para muitos eleitores, foi ar fresco. Desmultiplicado em informação e propaganda, assessorado por agências profissionais e profissionais agenciados, o governo e o seu Primeiro-ministro mostravam-se seguros de si. Quando chegou a crise, no Outono de 2008, a famosa “folga” de que Sócrates se gabava, permitiu acudir rapidamente aos bancos e às empresas. Os patrões, alguns patrões, jubilaram. Há uma maneira benigna de fazer o balanço desta legislatura e deste mandato de governo.

Crepúsculo

MAS HÁ OUTRA maneira. Mais actual. A crise internacional é terrível. As consequências, em Portugal, devastadoras. Nunca se saberá exactamente o que, nos efeitos sentidos no país, é a parte inevitável da crise externa e o que é da responsabilidade da sociedade e do governo. O certo é que a situação atingiu, na Primavera de 2009, níveis de dificuldade inimagináveis. O défice público prepara-se para alcançar máximos que julgávamos esquecidos. O endividamento externo do país, do Estado, das empresas e dos particulares, nunca foi tão grande e será, em 2009, maior do que o produto de um ano. O serviço da dívida salta para mais de dezoito mil milhões. Alguns dos principais investimentos estrangeiros, orientados para a exportação, estão em causa ou em crise. O turismo externo abrandou bruscamente. Os despedimentos crescem todos os dias. O subsídio de desemprego custa milhões de euros a mais, enquanto os sem trabalho não descontam para a Segurança, nem pagam IRS. A crise nas escolas atingiu o nervo e o tutano. Fizeram-se gigantescas manifestações de trabalhadores. Crises de corrupção evidente abalaram o Estado. Golpes de banqueiros e de bancários fizeram estremecer o sistema financeiro e a República. Não há crédito, nem investimento. A Bolsa não cessa de cair. Crescem as filas de esfomeados nas instituições de solidariedade, na Sopa dos Pobres e nos Bancos Alimentares. É preciso acudir a todos os lados, aos sapatos que eram o orgulho do Ministro, à cerâmica que era a vaidade da Nação e aos automóveis que eram o sinal da modernidade. Desenha-se um cerco dos grandes interesses, grupos e associações, ao Estado. Precisam dele e reciprocamente. Mas fica a sensação de que o governo está condicionado pelo dinheiro e pelos predadores. A Justiça parece não ter emenda. A criminalidade aumenta. A agricultura não melhora. A praga dos patrões que fecham as portas à noitinha, pela calada, volta a fazer das suas. O número de empresas que despedem por falta de encomendas aumenta diariamente. Descobrem-se empresas, pujantes há seis meses, mas que, com um só cliente, soçobram repentinamente. Verifica-se que o famoso Magalhães está cheio de erros e que, bem lá no fundo, não ajudará muito à literacia e ao êxito na escola. As impressionantes melhorias de notas escolares, sobretudo na Matemática, foram obtidas graças a verdadeiros truques de prestidigitação. Os créditos à habitação são renegociados, muitas casas entregues e os bancos procedem a leilões, ao mesmo tempo que tornam o crédito mais difícil. A banca está frágil. O governo é obrigado a intervir, o que nem sempre faz com clareza. Os recursos da “folga” desapareceram. O défice público saltou. No Parlamento, os dois maiores partidos não se entendem para acertar um plano nacional: nenhum quer verdadeiramente fazê-lo. A questão do estatuto dos Açores abriu brechas irreparáveis entre o governo e o Presidente da República. Para todos os efeitos, a boa cooperação ficou apenas aparente. A reforma do Estado, que exige meios, autoridade e tranquilidade, foi adiada. A partir de um momento, o governo sente que a realidade o ultrapassou: depois de ter acreditado na sua própria propaganda, remete agora para o exterior as causas de todos os males. Gastou de mais quando tinha pouco, gasta ainda mais quando já não tem. Para evitar a tragédia, despeja-se dinheiro nos dramas. O esforço de três anos de contenção salda-se em pouco mais que nada. A crise europeia é séria. O Tratado de Lisboa, orgulho nacional, entra num limbo incerto. O governo fica crispado. Os debates parlamentares transformam-se em berraria. Inventam-se “campanhas negras” contra o Primeiro-ministro, naquele que é um dos momentos mais desesperados de qualquer governo dos últimos tempos. Acusado na sua integridade pessoal e profissional, Sócrates defendeu-se mal e não esclareceu suficientemente. O congresso do seu partido foi uma espécie de Te Deum sem visão, nem alegria ou futuro: mais parecia um Requiem. Entrou sozinho e saiu solitário.

Quase

OS DOIS BALANÇOS que precedem parecem contraditórios. Um feito pelo governo, outro pela oposição. Tal não é o caso. Os dois balanços são verdadeiros. O que o primeiro reflecte conduziu ao que o segundo traduz. Mais uma vez, descobrimos a fragilidade deste pobre país que, de vez em quando, se fascina consigo próprio e acredita nos seus sonhos. Trabalha pouco, mal e é desorganizado, mas está sempre pronto a usufruir, com deleite, do que ainda não ganhou. E tem uma fé ilimitada na sua excelência. Tem este país enormes ímpetos, mas parece estar sempre a morrer na praia. Fez quase uma revolução industrial. É quase alfabeto. Tem quase uma democracia. Está quase integrado na Europa. Depois de ter feito uma das mais absurdas guerras do século XX, fez uma descolonização que apelidou de “exemplar” e uma revolução que designou como a “primeira da nova era”. Viu depois que a descolonização foi um desastre e que a revolução fora obsoleta, mais própria dos alfarrábios. Com a guerra, a revolução, a contra-revolução, a nacionalização da economia e a respectiva reprivatização, Portugal perdera talvez vinte ou trinta anos. E perdeu gente, recursos, energias, poupança e confiança. Tudo isso custa muito a recuperar. A Constituição, “a mais avançada do mundo”, teve de ser revista seis ou sete vezes e ainda hoje é uma vinheta fidedigna do subdesenvolvimento político e cultural. Mais tarde, com o paternalismo devido, foi o país qualificado de “aluno exemplar” da Europa. Além de aplicado, crescia e melhorava à vista de todos. Não durou muito. A partir do princípio do século XXI, ficou o mais atrasado, o mais lento e talvez o mais endividado. Crescemos menos do que a Espanha desde 1998 e menos do que a União Europeia desde 2001. Temos, na saúde, talvez o sector da vida colectiva que melhores indicadores revela, dos cuidados às mortalidades. Mas a educação, paixão proclamada pelos políticos provincianos, cresceu tanto em números, quanto piorou em qualidade e seriedade. E a justiça continua de rastos.

Neste ambiente de crise e crispação, é difícil prever os resultados das próximas eleições. E impossível imaginar o que delas virá de bom. Podem agravar a situação, com instabilidade e falta de condições para governar, como podem tudo deixar na mesma. Raramente como agora se sente a miopia ou a curta vista dos dirigentes políticos. Pela primeira vez, desde há algumas décadas, tem-se a impressão de que os dirigentes políticos não sabem o que nos espera, não têm um rumo, perderam a noção dos objectivos e da estratégia. Aflitos com a crise, multiplicam-se em ideias e sugestões, realistas ou não, mas sempre para o curto prazo. Sabe-se ao que vêm, mas não se sabe o que querem. Como consolidar e corrigir o Serviço Nacional de Saúde, um dos poucos sectores que consegue mostrar indicadores razoáveis, mas que dá sinais de fragilidade? Como orientar finalmente um movimento ou processo de reforma da justiça, que parece invulnerável a qualquer esforço e condenada à mediocridade? Como reconverter a educação, obcecada até hoje com o alargamento e a expansão do sistema, mas mergulhada na mais desesperante ineficácia e ausência de qualidade? Como inverter o declínio aparentemente irreversível do património construído e dos centros históricos das cidades? Como criar um novo ambiente de vida nas periferias urbanas, alfobres dos mais graves problemas da sociedade? Como desenhar uma nova política económica, industrial, agrícola e de serviços que encoraje a produção, que diversifique os clientes e que procure uma solidez inexistente? Como recriar uma política de investimentos menos interessada na obra vistosa e mais preocupada com o estímulo às empresas, à produtividade e às necessidades reais da população? Como e quando se vai poder pagar esta enorme dívida nacional que já hipotecou a próxima geração?

Se as eleições ajudassem a responder a isto, teríamos um ano fausto.
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Março 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Luz - Siderurgia, altos-fornos

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A Siderurgia Nacional, no Seixal, foi um orgulho de vários regimes. A velha instalação está arruinada e abandonada. A empresa reciclou-se e dedica-se hoje a outras produções, sempre no domínio do ferro para construção. Esta imagem é uma pequena parte do que resta da fábrica inicial. O colossal contentor, à direita, amachucado como se fosse de cartão, é feito de ferro com vários centímetros de espessura. Posto à prova de altíssimas pressões e de vácuo, ficou neste estado! (2005).

domingo, 11 de outubro de 2009

Desastre iminente

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A LEGISLATURA QUE AGORA COMEÇA está condenada. Quando serão as próximas eleições? Daqui a oito meses? Dois anos? Uma aliança entre o PS e o PP teria futuro? Paulo Portas podia ir com José Sócrates ou com Ferreira Leite? E por que não o detestado Bloco Central? Se o Bloco de Esquerda fosse para o governo com o PS, que faria o PCP, sozinho na oposição de esquerda? E o contrário? E se fosse toda a esquerda para o governo? Quem ficar no governo perde as eleições seguintes? Em que sentido serão afectadas, pelos resultados das legislativas, as eleições presidenciais de 2011? Um governo de minoria aumenta os poderes do Presidente da República? E uma coligação? Nas próximas presidenciais, volta Cavaco Silva? Há uma oportunidade para Manuel Alegre? Ou será António Guterres ou Jaime Gama? Nas ruas e nos cafés, nas escolas e nas fábricas, nas repartições e nos jantares de amigos, são estes os temas de conversa. Para além da habitual corrupção. E das escutas telefónicas de recente criação. Políticos e jornalistas, em grande maioria, deliciam-se com estas congeminações triviais.

O colossal endividamento do país e do Estado não interessa a ninguém. Muito menos os modos de o resolver. O desemprego crescente, durante pelo menos um a dois anos, oferece oportunidades a todos para chorarem algumas lágrimas, mas não suscita qualquer esforço de inteligência na procura de soluções eficazes. O miserável estado em que se encontra a Justiça merece, aqui e ali, umas notas de rodapé, mas, como o tema “não dá votos”, ninguém perde muito tempo. O clima de desastre ecológico em que está a educação e que se manterá durante algum tempo não é motivo bastante para que os partidos façam claramente as suas escolhas políticas. A formidável pressão financeira sobre a Segurança Social, que vai exigir novas e muito dolorosas medidas, é apenas fonte de demagogia dos pequenos partidos e de silêncio dos grandes. A terrível erosão que afecta a capacidade produtiva nacional apenas provoca declarações piedosas. O agravamento da balança comercial é só uma, embora inconsequente, bandeira da oposição. A partidarização da Administração Pública já é aceite como um mal menor. Tem-se a impressão de que o essencial desta eleição é o TGV e a oposição entre os que o querem já e os que pretendem adiá-lo. Os partidos mais concretos em propostas, mas também mais irrealistas, são os que não têm qualquer hipótese de formar governo, a não ser como contrapeso.

A campanha já estava, há muito, amarga e ríspida. Agora, definitivamente, azedou. Os dirigentes partidários, sobretudo os do PS e do PSD, estão coléricos. Não se falam. Agridem-se e insultam-se com frequência. Têm mais interesse em demonstrar aos seus eleitorados que estão zangados com os adversários e que não existe qualquer hipótese de entendimento do que em procurar pontes ou bases de cooperação, caso sejam necessárias. Nenhum partido mostrou estar disposto ao que vier a ser necessário para garantir um governo durável. Muito pelo contrário, fizeram questão de honra em mostrar que tal era impossível. Os últimos acontecimentos vieram agravar o clima. Tudo parece ter sido feito para, com malícia, envolver o Presidente da República nos debates eleitorais e na refrega partidária. A infame questão das escutas telefónicas e todos os seus desenvolvimentos, de que, como é hábito, nunca se saberá nada de verdadeiro, apenas revela a amplitude dos conflitos, a utilização de métodos condenáveis e o envolvimento de poderosos interesses.

Como a experiência de maioria absoluta parece ter acabado mal, o recurso a coligações ou a governos minoritários é agora inevitável. Os partidos, na sua quase totalidade, fecham portas às soluções que garantam uma qualquer estabilidade. Os pequenos partidos denunciam as maiorias absolutas e fazem o elogio das minorias. Esperam crescer graças ao mal de todos e à sua capacidade de chantagem. Os grandes partidos acreditam na virtualidade dos governos minoritários. Gostariam de repetir a experiência de Cavaco Silva e do PSD de 1987. Ou a de Guterres e do PS de 1995. Estes factos exibem a sua irresponsabilidade. Os problemas sociais, financeiros, económicos e políticos são incomparavelmente mais graves do que há vinte ou quinze anos. Os partidos não são os mesmos, tal como não são as relações de força. Na década de oitenta, em particular, a recordação de uma reforma constitucional e a perspectiva de uma nova revisão criavam uma plataforma possível de entendimento, mesmo sem governo maioritário. Hoje, dois anos de instabilidade e de legitimidade reduzida tornarão tudo mais dramático. Um governo a prazo só pode deteriorar ainda mais a situação. A demagogia de um governo minoritário, à espera de eleição antecipada, atingirá cumes inéditos. Impõe-se a aprovação, no Parlamento e de forma positiva, de um programa de governo e de um orçamento. O que não é condição suficiente para enfrentar a crise. Mas, sem isso, não se resolve com certeza.

Momentos houve, no passado, em que não havia dúvidas quanto ao papel que um partido poderia desempenhar. Quando assim foi, a vitória eleitoral era a de uma causa, de uma necessidade e de uma política determinada. Foi assim com a democracia, com a Europa, com as revisões constitucionais ou com a liberalização da economia. O PS e o PSD desempenharam, sucessivamente, esse papel. Sabia-se ao que vinham e por que vinham. Mesmo o abominado Bloco Central de 1983, imperceptivelmente inscrito na campanha, teve um papel relevante e foi aceite porque considerado como uma necessidade. Hoje, não tenhamos dúvidas. Os partidos querem ganhar porque querem ganhar. Ponto final. O teor da campanha foi a prova dessa volúpia transformada em programa. Com exclusão dos amigos e dos favores, não se percebe por que se deve votar neste ou naquele partido. Quem tem emprego, subsídio e adjudicação vota em quem está. Quem não tem, vota no outro.

Esta eleição marca um momento importante, e doloroso, da vida política nacional. Nunca terá sido tão grande a necessidade de estabilidade governamental, de firmeza programática e de constância de propósitos. Ora, a ameaça de fragmentação é real e os partidos estão mesmo apostados em tirar proveito dessa eventualidade. Não se trata, quase não é necessário repetir, de forjar uma união nacional, inútil fantasma que ainda aflige uns tantos cidadãos. Impõe-se, isso sim, uma aliança, uma coligação ou um acordo com solidez de programa e garantia de duração. Outros o fizeram, neste ou naquele país, sem que daí tenha vindo mal ao mundo. Em geral, foi mesmo o contrário que aconteceu: os países cuidaram melhor de si. Se, dentro de dias ou de poucas semanas, tomar posse um governo minoritário, sem base de apoio parlamentar, estaremos a assistir ao princípio de um desastre. Se o governo, nessas condições, passar no Parlamento sem um voto positivo e maioritário de aprovação do programa e, mais tarde, do orçamento, os portugueses podem preparar-se para viver um período negro de demagogia e instabilidade. Qualquer governo de coligação ou com apoio parlamentar positivo, de esquerda, de centro ou de direita, é melhor solução do que qualquer governo minoritário. Se o país já tem enormes dificuldades em resolver a crise presente, em situação de instabilidade será praticamente impossível. O actual clima social e político torna Portugal ingovernável sem maioria parlamentar e sem firmeza política, embora democrática. Na Justiça, na Educação, na Saúde, na imprensa, na comunicação social, nas polícias e na própria Administração Pública o ambiente é de agitação, de luta de interesses e de rebeldia. As empresas privadas bem geridas e algumas autarquias escapam a este estado de coisas. Mas até essas, em caso de instabilidade, poderão ser ameaçadas pela crise geral. Os “casos” do dia nos jornais e na televisão, as denúncias repetidas, as mentiras descaradas, as calúnias e as fugas de informação permanentes ajudam à criação de uma atmosfera insuportável. Sem maioria e sem estabilidade política, é bem possível que surjam dificuldades muito sérias na segurança interna e na actividade das instituições.

Entre nós, o entendimento do que é o “regular funcionamento das instituições democráticas”, de que o Presidente da República é o garante, é cínico e malicioso. Os juristas e os dirigentes partidários acreditam que tal “regular funcionamento” só está em causa perante iminente tragédia. Se os governos caem, o “regular funcionamento” é, para os ortodoxos, a possibilidade de fazer mais eleições. Não lhes ocorre que o funcionamento regular das instituições resida justamente no estabelecimento de condições necessárias para que os governos não caiam. De igual modo, convencionou-se que “ter em conta os resultados eleitorais” impõe ao Presidente da República a obrigação de, para nomear o Governo, convidar o chefe do partido mais votado e apenas esse, sem mais qualificação. Ora, em período de excepcional crise nacional, conferir posse a governos instáveis e minoritários, sem aprovação parlamentar positiva, pode ser um contributo seguro para assegurar o funcionamento irregular das instituições democráticas. Do Presidente da República e dos partidos, exige-se agora um inédito esforço de zelo democrático e de compreensão do que é o interesse público. Não há bairrismo partidário nem concepção tacanha dos poderes e das funções do Presidente da República que valham um desastre. Este é iminente. Mas não inevitável.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Luz - Salzburgo, fortaleza

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Pode ser um sem abrigo. Ou um homem a curar uma bebedeira. Ou simplesmente alguém a descansar. Parece uma miniatura, ao pé da enorme fortaleza de Salzburgo, na Áustria. (1999).

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Luz - Rio Torto

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O rio Torto é um dos afluentes (na margem esquerda) do Douro. O vale é muito procurado pelas boas condições climáticas para a produção de vinho. Esta vista mostra vários tipos de socalcos e de patamares, de várias épocas. À direita, um dos conjuntos de socalcos mais famosos da região, o da quinta da Corte. (1998).