Ninguém sabe ao certo quantos estrangeiros vivem em Portugal. Nem a que título. Nascido no estrangeiro ou aqui? De nacionalidade estrangeira ou naturalizado? Imigrante temporário ou definitivo? Com ou sem familiares? Legal ou ilegal? Turista, empresário, assalariado, reformado ou desportista? Com ou sem idosos, crianças e parturientes para os serviços de saúde? À procura de oportunidade para ir para outro país europeu? À espera de autorização? Tratador de estufas ou comerciante de endereços falsos? Africanos, europeus, latino-americanos, árabes ou asiáticos? Do INE à PORDATA, passando por vários organismos oficiais (ACM, SEF, etc.), pelos jornais, pelas universidades e por entidades privadas, não se conseguem números aproximados. Entre 400.000 e 850.000 tudo é possível. O que revela pelo menos um facto essencial: ninguém realmente se interessa e as autoridades preferem esta situação pois lhes poupa esforços, clareza no propósito político e escolhas difíceis. Mesmo as indispensáveis previsões para os impostos, assim como os grandes serviços de saúde, educação e segurança social são impossíveis!
Com valores anuais de emigração de portugueses para o estrangeiro oscilando entre os 30.000 e os 70.000, o nosso país voltou a uma era parecida com a dos anos 1960: são dois períodos muito parecidos neste denominador comum, o do falhanço da economia e da sociedade para alimentar e empregar a sua população. Mas com diferenças interessantes. Primeiro, na altura, não havia imigração, agora há, com valores por vezes parecidos (20.000 a 50.000 por ano). Segundo, então, saiam portugueses analfabetos, sem formação profissional, pobres e dispostos a tudo. Hoje, saem portugueses educados, com formação profissional e experiência, muitas vezes com diplomas superiores e universitários. Portugal fica a perder e muito! Terceiro, a emigração, naqueles anos, contribuiu para a rarefacção da mão-de-obra, o pleno emprego e o aumento generalizado dos salários. Hoje, a imigração é um incentivo ao decréscimo de salários e à precaridade do emprego.
Não tenhamos dúvidas: a emigração continua a ser um problema sério do país e a imigração está a transformar-se numa das mais graves questões da sociedade. Tal como noutros países europeus, a imigração e as suas consequências mudaram as sociedades e têm influência na política muito acima do que se esperava. A discussão está de tal modo envenenada que poucos são os que dizem claramente o que pretendem e o que propõem.
Há grandes mal-entendidos e enormes preconceitos relativamente aos imigrantes. Do lado positivo, rejuvenescem e diversificam a população, aumentam a democraticidade e o pluralismo da sociedade, dão rendimentos ao país e sustentabilidade à segurança social, fazem o que os portugueses já não querem fazer, ajudam à exportação através de muito trabalho com salários baixos, permitem uma grande flexibilidade no recurso à força de trabalho por parte das empresas, diminuem a rigidez do mercado de emprego, alargam os horizontes cultuais e religiosos do país e diminuem a carga nacionalista da educação e da cultura nacionais.
Do lado negativo, não são menores as consequências da chegada de imigrantes que desvirtuam a identidade nacional, alteram as características culturais do povo, não respeitam as regras e leis do país que os acolhe, promovem a ilegalidade, vivem na marginalidade, alimentam redes de tráfico e de criminalidade, comportam-se como verdadeiros racistas, exigem que os seus usos e costumes se sobreponham às leis em vigor, contribuem para o desemprego de nacionais, fazem concorrência desleal aos trabalhadores nacionais e forçam a manutenção de salários baixos.
Em tudo o que precede, há verdade e mentira, há facto e preconceito. Mas há de tudo. E é por isso que a questão da imigração é tão difícil. Num mundo simples, há duas políticas essenciais. De um lado, a porta aberta, a aceitação de todos os imigrantes que queiram vir para o país, o fácil acolhimento dos que vêm, a ajuda automática aos que querem residir aqui, eventualmente trabalhar, fazer família, educar, recorrer aos serviços públicos… Os defensores desta atitude proclamam que ninguém deve ser obrigado a legalizar-se à chegada, que não se deve exigir autorização de residência nem contrato de trabalho. Que se devem aceitar, sem condições, os que venham à procura de trabalho. Que não se devem impor regras e costumes contrários às suas crenças e se devem respeitar os seus costumes. Que se deve permitir a imigração de núcleos familiares completos e não apenas dos trabalhadores. Que se deve garantir a todos os imigrantes, legalizados ou não, acesso gratuito e universal aos cuidados de saúde e à educação dos menores.
Do outro lado, ninguém propõe, que se saiba, a porta fechada, isto é, a total proibição de imigração, mas defendem-se várias orientações ou políticas, como sejam a restrição de candidatos à imigração em conformidade com as necessidades do mercado e da economia e a obrigatoriedade de chegar ao país já com um contrato de trabalho. Defende-se que ninguém tenha vistos e autorizações permanentes sem contratos e residência e sem ter previamente uma história de contratos temporários. Que se devem institucionalizar formas de integração como sejam a prática da língua nacional e o conhecimento de fundamentos da história do país. Que se devem taxativamente proibir todas as práticas culturais dos imigrantes que manifestamente promovam a violência contra as mulheres e as crianças.
Quaisquer que sejam os argumentos e as justificações, das necessidades de mão-de-obra à humanidade e da competitividade à fraternidade, uma coisa é certa: as políticas e as práticas seguidas por Portugal, actualmente, são incentivos à clandestinidade, ao tráfico de mão-de-obra, ao abuso dos trabalhadores e a novas formas de racismo. As tensões que se anunciam, exploradas já por grupos políticos activistas, são resultado da falta de certeza e de clareza nas políticas públicas. Por exemplo, as ideias anunciadas pela comunicação social relativas à abertura de legalizações aceleradas de mais de uma ou duas centenas de milhares de imigrantes até ao fim do ano são perigosas e nefastas.
O que fará a qualidade da sociedade portuguesa não é o número de imigrantes que o país receberá. Mas sim o conforto, o respeito e a dignidade com que souber acolher os que cá viverem. E a fraternidade com que saibamos receber alguns por reconhecer o desespero e o sofrimento nos seus países de origem.
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Público, 25.2.2023