Os tempos continuam estranhos!
Quase ninguém sabe ou prevê o que pode acontecer. Os mais ousados atribuem aos
protagonistas ideias sofisticadas e planos maquiavélicos com que nem os próprios,
geralmente simplórios, sonhariam sequer.
As coisas simples vão-se impondo
às complexas. Depois de variações insólitas, Cavaco Silva deu posse a Passos
Coelho e coligação. Após vicissitudes esperadas, o governo foi reprovado na
Assembleia. Esta, depois, mau grado um debate áspero e histriónico, retomou o
seu torpor.
Após uma ronda geral de
entidades, instituições e outras forças vivas, o Presidente da República, que
se esforça por que pensem que ainda é indispensável, dará posse, espera-se, ao
governo mal amanhado de António Costa. O arremedo de governo está escorado em
três acordos feitos em post it, assinados à sorrelfa, entre duas cadeiras e numa
sala devoluta de andar desocupado.
Entretanto, também à socapa e
quase na clandestinidade, o governo assina o contrato final de venda da TAP, no
que é logo acusado pela esquerda de, pelo menos, crime e inconstitucionalidade.
Não teremos, espera-se, governo
de gestão, solução onírica de amantes de chá de tília e de pessoas que querem
dar nas vistas pela excentricidade das suas opiniões. Quando se pensava que as
coisas se preparavam para seguir o seu rumo, eis que o Presidente vai de visita
à Madeira, com o que espera mostrar que tudo é normal. Mas revela que quem
deveria saber mais, está, na verdade, temeroso e hesitante.
Melhor ainda, um
Primeiro-ministro demitido propõe, destemperadamente, que se faça uma revisão
constitucional de emergência, a fim de convocar novas eleições de urgência, a
ver se desta vez tem uma maioria absoluta. O PSD não tem meios, votos, razão,
tempo nem jeito para pôr em prática este disparate, mas não deixou de dar nas
vistas.
Talvez assim se chegue ao governo
eventual, dito de Costa ou dos Socialistas, que se vai preparando nos
corredores. Já começaram os boatos sobre figuras de proa. As ideias e as
políticas deste eventual governo são coisa mais misteriosa. Os acordos
assinados pelos signatários revelam as imposições do PCP e as exigências do
Bloco a fim de consolarem as clientelas. São cortados os cortes e devolvidas as
taxas. São pagos os aumentos e aumentados os subsídios. É distribuído o que
estava retido e gasto o que estava poupado. Com que recursos, não se está a
ver. Estes acordos são a rendição do Partido Socialista.
Tente saber-se o que pensam os três
partidos e meio da corrupção. Nada. Procure-se um esclarecimento sobre a
reforma do Estado e da Administração Pública. Não há. Indague-se este bloco de
apoio ao eventual governo sobre as grandes opções para a Educação e a Saúde.
Nem vê-las. Esforce-se por conhecer os objectivos e os compromissos
relativamente à mais séria de todas as reformas, a da Justiça. Não conseguirá.
Investiguem-se os fundamentos e os recursos para a mais urgente necessidade do
país, um programa de investimentos. Nada se encontrará.
A base programática deste governo
eventual não presta. O compromisso político dos partidos que o apoiam não serve
para quase nada. As intenções de cada um dos partidos que formam este bloco são
as piores e as mais dissimuladas que se pode imaginar. Os objectivos destes
aliados são inconfessáveis, eventualmente sinistros. O que se pode esperar em
segurança e credibilidade é uma quantidade homeopática. Mesmo assim, o governo
tem de ser feito e tem de ser empossado. Quem tem de estar de acordo com o
programa do governo é o Parlamento, não o Presidente da República. Não dar
posse seria ainda pior. A democracia é capaz de grandes disparates. Mas também
de correcções. É mesmo a única maneira de corrigir erros: com democracia.
DN, 15 de Novembro de
2015