Não há quem possa compensar o que
desaparece. Ninguém, nenhum país poderá preencher o vazio agora criado. O que a
União europeia perdeu, de facto, não tem substituição. Perdeu uma das nações
mais antigas e influentes do mundo e da história. Talvez o povo com o maior
apego à liberdade que se possa imaginar. A mais antiga e experiente democracia
do mundo. O único país que não conheceu, nos últimos séculos, a ditadura. A
mais consolidada tradição de autonomia individual perante o Estado. As Forças
Armadas mais bem treinadas, mais organizadas e mais operacionais da Europa. A
Polícia mais civilizada do mundo. Uma das mais fortes tradições sindicais. A
língua mais falada por nativos e estrangeiros. Algumas das melhores
universidades do mundo e as melhores universidades da Europa. Alguns dos
melhores museus do mundo. A mais sofisticada cultura literária, musical,
artística e científica. A primeira praça financeira da Europa e uma das
principais no mundo.
As opiniões são as mais diversas
e contraditórias que se pode prever. É natural. Mas a verdade é que estamos a
iniciar um caminho (uns dirão que esse começo data de pelo menos dez ou quinze
anos, de Maastricht e de Lisboa…) com mais obstáculos desconhecidos, mais
riscos e ameaças do que se esperava desde há pelo menos seis décadas. Os
alargamentos e o fim do comunismo foram factores de incerteza, mas sempre com
esperança. Desta vez, o sabor é o da derrota e o odor é o do perigo iminente.
Estão abertas as portas às forças centrífugas e aos separatismos, assim como
aos devaneios extremos da direita e da esquerda e ao radicalismo. A
mediocridade da maior parte dos dirigentes políticos nacionais e dos grandes
burocratas europeus é tal que estão convencidos de que venceram esta batalha.
Julgam que tudo vai ser mais fácil e que vamos ficar aliviados com a saída dos
incómodos ingleses. A verdade, todavia, é que a União, Bruxelas e as potências
europeias que sobram (Alemanha e França, já nem contando a Itália e a Espanha
ou a Polónia) acabam de sofrer talvez a sua mais completa derrota. Apesar deste
monumental desastre, o pior da União, isto é, do Conselho, da Comissão, do
Parlamento, do Eurogrupo e do Banco central ainda está para vir. As suas
reacções, próprias de quem não aprendeu, virão agravar uma situação já de si
dramática. As iniciativas da Alemanha e de Bruxelas já revelam uma
indisfarçável vontade de represália. Depois da tormenta financeira, das dificuldades
do Euro e das crises das dívidas soberanas, após os ataques terroristas, ainda
em plena crise de imigrantes e refugiados e sob a ameaça do radicalismo de
esquerda e direita, a União europeia entra definitivamente nos cuidados
intensivos.
Confesso sentir raiva contra os
ingleses que assim optaram por abandonar o barco comum e decidiram amputar a
minha Europa e a minha União de tantos bens, de tanta história e de tanta
tradição. Mas é uma raiva especial. Matizada pela alegria de saber que se
tratou da decisão de um povo livre. Mesmo se errada ou perigosa, a decisão foi
livre. Mais uma lição para os Portugueses que deixaram que todas as decisões
europeias e constitucionais fossem tomadas sem a sua participação. Mais uma
lição para os Portugueses que se limitarão, de futuro, a seguir o cortejo, a
desejar que as coisas corram bem. Ou a esperar que não corram mal…
DN, 26 de Junho de 2016