O paradoxo português actual
resume-se em poucas palavras: aconteça o que acontecer, em 2018, ganharemos
sempre. Se o Governo não durar mais um ano, é uma boa notícia. É sinal de que o
PS entende estar à altura de governar em maioria ou de refazer as suas alianças
ao centro. Quer dizer que o PCP ou o BE, ou os dois, sentem que assim perdem
mais do que ganham e que é preferível tentar o veredicto eleitoral democrático.
É sinal de que o PS quer despertar o seu legado democrático e que as aventuras
iluminadas vão cessar rapidamente.
Todavia, se o Governo durar mais
um ano, ou dois, será também uma boa notícia. Haverá estabilidade e até serenidade,
o que, com os Comunistas no poder, não é pouca coisa. Será sinal de que a luta
das classes e a competição partidária não dão cabo de tudo. Haverá tempo para o
PSD se reorganizar; para o PS se reavaliar e repensar; para o PCP saborear um
pouco mais as virtudes da democracia; e para o BE decidir entre a praxis
democrática e a insurreição permanente. Um ano sem eleições nem demagogia
permitirá lamber as feridas dos incêndios, de Tancos e de tantos outros
desastres deste último ano tão estranho.
Este paradoxo português não deve
assustar ninguém. Estamos há muito habituados. Os Portugueses deram ao mundo
novos mundos, construíram um império multirracial, mas cá dentro, no continente
europeu, no século XX, até aos anos 1970, a sociedade era de uma só cor, de uma
só religião, quase só havia brancos.
Em 1974, os Portugueses fizeram
uma revolução limpa, pacifica, inesquecível, moderna, à frente do mundo e da
história e com a mais avançada das Constituições. Na verdade, fizeram a última
e mais atrasada revolução dos séculos XIX e XX e aprovaram a Constituição mais
absurda do seu tempo.
Também nessa altura, levaram a
cabo uma descolonização exemplar, cujos modelos, objectivos e processos
alegadamente causaram a inveja do mundo. Na verdade, foi a mais desastrada de
todas, estando na origem de três guerras civis, durante mais de vinte anos e
com centenas de milhares de vítimas.
Mais tarde, Portugal deu novos
exemplos ao mundo, a ponto de se ter transformado no melhor aluno da Europa,
segundo os dizeres dos dirigentes europeus e portugueses. Mas rapidamente se
revelou a desgraça das políticas que levaram a três resgates internacionais em
cerca de trinta anos, a uma bancarrota e ao mais elevado endividamento da
história.
A verdade é que estamos
habituados a paradoxos. Ao de um país moderno e muito bem equipado, na
vanguarda da tecnologia e da ciência, com méritos reconhecidos na saúde, na
engenharia, na construção, na arquitectura, no vinho e no futebol, mas que combina
com o país atrasado na educação, na justiça, nos espaços públicos, nas
florestas, nos direitos dos cidadãos, na transparência e na corrupção. Ao de um
governo pragmático e racional, com resultados políticos e financeiros visíveis,
mas com incapacidade para reagir a tempo e horas, com eficácia e humanidade, a
qualquer emergência, dos incêndios aos roubos e ao crime. A de uma
administração pública ultramoderna, mas com uma organização parasitária e
politicamente enviesada. A de uma protecção civil com meios tecnológicos,
equipamento, aviões, helicópteros, produtos químicos e veículos de vanguarda,
mas com uma coordenação politica e humana incompetente e uma desastrada capacidade
de organização. A de um sistema judicial moderno, de uma legislação avançada,
de processos de grande humanidade e de códigos inovadores, mas também de uma
justiça atrasada, ineficiente, desigual e preconceituosa. A de um governo com claro
equilíbrio político à esquerda, mas com greves a crescer todos os dias e o
regresso iminente da luta das classes e das corporações.
Nada seria particularmente grave
se não fosse uma tradição portuguesa: a de responder sempre tardiamente aos
grandes problemas. A ditadura, a guerra em África, a revolução, a primeira
Constituição, a bancarrota de 2010 e as florestas de sempre estão aí para o
demonstrar.
DN, 24 de
Dezembro de 2017