Nas vésperas da cimeira da NATO,
em Bruxelas, o ministro português da defesa prestou declarações às televisões.
Não terão sido esclarecimentos formais, em ocasião oficial, mas o tom é
elucidativo. Confirmou o ministro, com um sorriso de boa fé, que era verdade
que Portugal não cumpria os seus deveres para a segurança colectiva, nem sequer
o compromisso mínimo estabelecido para a despesa com a defesa nacional que é de
2% do PIB. Mas disse também que era preciso considerar a nossa contribuição
qualitativa! Esta última é um mistério. As ilhas atlânticas? O mar? As praias?
Algo que seja só nosso e mais ninguém tenha? Ou um jeito português especial?
Dos 28 membros da NATO, apenas
cinco cumprem: Estados Unidos, Grã-Bretanha, Polónia, Estónia e Grécia. Todos
os outros ficam abaixo dos 2%. Como Portugal, com 1,3%. Menção especial para a França,
com 1,7%, a Alemanha 1,2%, a Itália 1,1% e a Espanha 0.9%!
Infelizmente, Donald Trump tem
razão. Diz ele que os Estados Unidos não estão dispostos a pagar pelos outros,
sem que estes cumpram os seus compromissos. E ameaça os europeus. Não se sabe
bem de quê, mas deve querer dizer coisa má. O problema é que, neste caso, está
certo. Cada país membro da NATO tem de pagar pela sua defesa. A maior parte não
paga os 2%. Preferem gastar com coisas mais agradáveis e entregar-se à
protecção do poderio americano. A ideia é simples: tudo quanto ameaça a Europa
ameaça também os americanos. Como estes são mais fortes e mais ricos, eles que
se ocupem disso. E nem sequer a União tem uma política própria de defesa, muito
menos uma capacidade autónoma.
Pode ainda recordar-se que, há
quase vinte anos, a maioria dos partidos parlamentares (se bem me lembro, a
única reserva foi do PCP…) acabou com o Serviço Militar Obrigatório. Sem mais.
Sem qualquer espécie de ideia sobre o que poderia ser uma contrapartida civil
ou de solidariedade. Na verdade, foi a boa demagogia da facilidade e as velhas
juventudes partidárias que forçaram a decisão! Mas a ideia estava dada: não se
gasta com a defesa, há coisas mais importantes. E de qualquer maneira, a NATO e
os americanos estão aí para nos proteger.
Há actividades assim, em que
alguém paga, alimenta ou mantém outrem! Eis uma relação que tem
tradicionalmente um nome bem feio… E que se aplica às relações entre americanos
e europeus na área da defesa.
Portugal não é um caso raro, nem
pior do que os outros. Há mais de vinte países da NATO que não respeitam os
compromissos nem cumprem as suas obrigações. Dependem dos Estados Unidos. Até
ao dia em que Donald Trump lhes dirá: “Não pagam pela vossa segurança? Então
deixaremos nós de pagar. Ou não garantimos a vossa liberdade. Ou então exigimos
contrapartidas políticas!”. Nesse dia, toda a Europa, com excepção da
Grã-Bretanha e pouco mais, se elevará contra a prepotência imperialista
americana.
Esta atitude não está isolada.
Faz lembrar a de tantos que entendem que os credores devem obedecer aos
devedores e que aqueles a quem devemos dinheiro têm de fazer o que queremos e
aceitar as nossas condições. Há quem faça disso um programa político: viver à
custa dos outros! A defesa é paga pela América. As dívidas serão pagas pelos
credores. Os investimentos pelos europeus. Os estrangeiros que paguem a nossa
protecção. Devem também pagar os juros e as dívidas, assim como aceitar a
renegociação e o perdão da dívida. E devem subsidiar o desenvolvimento. Há
mesmo quem queira obrigar os estrangeiros a pagar pela educação em Portugal,
dado que depois se aproveitam dos emigrantes portugueses, cuja formação foi
paga pelo país. É tão conveniente ter o nosso patriotismo pago por outros! E a
independência subsidiada!
Os povos e
os Estados têm o direito de não pagar a defesa, nem as Forças Armadas. Como têm
o direito de pedir emprestado a fim de financiar os seus investimentos. Não têm
é o direito de exigir que outros os defendam, que outros paguem os seus
militares e que outros arrisquem a vida em sua defesa. Nem têm legitimidade
para exigir que lhes paguem ou perdoem as dívidas. Em poucas palavras: não têm
o direito de viver às custas dos outros, ao mesmo tempo que reclamam a
independência e o direito a ser tratado como igual. Até porque não são iguais.
Nem independentes.
DN, 28 de Maio de 2017