domingo, 28 de dezembro de 2008

Gostaria...

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NÃO VALE A PENA ter esperanças desmedidas para 2009. O ano não é bissexto, o que é bem. Mas tem três eleições, o que é mau. As crises internacionais vão prosseguir, o que tem más consequências. Toda a gente anda de bengala de Estado, incluindo bancos e empresas industriais, financeiros e aforradores, o que obriga a pensar que não há bengalas que cheguem. Já sabemos que o crescimento será negativo ou ridículo; que o défice público aumentará; que o défice externo também; que o emprego diminuirá; e que a pobreza se agravará. São certezas. Esperar o contrário é enganar-se a si próprio. Há, todavia, votos que se podem formular. Os meus são modestos. Não são excessivos, nem irrealistas. Custam pouco dinheiro ou nenhum.
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Gostaria que terminassem, de uma vez para sempre, os processos em tribunal que envenenaram o último ano. O da Casa Pia, à cabeça. A Operação Furacão também. Os do futebol, que já ninguém percebe. O da pequena Esmeralda, que afligiu muita gente, mas que tornou todos insensíveis, menos a menina. Os dos bancos, do BCP, do BPP e do BPN, cuja opacidade tem criado as mais sérias suspeitas na opinião pública. E, da economia à corrupção, dezenas de outros que se arrastam e alimentam a impunidade.
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Gostaria que o Parlamento, quanto mais não fosse para reabilitar a sua imagem em ano de eleições, se interessasse genuinamente pela justiça, pelas leis processuais e pelo sistema judiciário, dedicasse a esse tema o melhor dos seus esforços, reflectisse seriamente no melhor modo de acelerar as respectivas reformas, criasse um clima de cooperação entre magistrados judiciais, magistrados do ministério público, advogados, órgãos de investigação e oficiais de justiça, a fim de iniciar um processo de melhoramento do mais degradado e mais ineficiente sistema público do país.
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Gostaria que o governo, num sobressalto de consciência e de preocupação com as liberdades públicas e os direitos fundamentais do cidadão, reconsiderasse todas as medidas e procedimentos em curso que consolidam um clima de intrusão, de violação da privacidade, de despotismo e de controlo dos cidadãos, incluindo, evidentemente, o bilhete de identidade múltiplo, o chip dos automóveis, a legislação sobre escutas telefónicas, a actuação da ASAE e a delação fiscal e económica.
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Gostaria que se adiassem, por muitos anos, os projectos megalómanos do aeroporto, do comboio de alta velocidade e das auto-estradas inúteis, para os quais não há dinheiro, mas que, pela teimosia dos governantes e interesse dos construtores, correm o risco de se transformar em enorme buracos financeiros e em sorvedouro de recursos públicos tão escassos.
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Gostaria que os esforços das autoridades, no governo e nas autarquias, se dirigissem para milhares de projectos com influência na vida real, sejam as pequenas e médias empresas industriais; sejam as obras de interesse público manifesto, como os Metros do Porto e de Lisboa, os transportes públicos das áreas metropolitanas, os jardins e espaços verdes das cidades, o arranjo e a limpeza das ruas urbanas, a rede de comboios, as escolas degradadas, os lares de idosos decadentes, a drenagem e o escoamento das águas nas cidades, a recuperação do património construído, a reabilitação dos centros das cidades históricas e o alojamento de estudantes universitários; sejam, finalmente, os incentivos à exploração dos recursos naturais mais desprezados das últimas décadas, a agricultura, a floresta e os mares.
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Gostaria que o governo explicasse, honesta e seriamente, o que está a fazer com os dinheiros públicos, a pretexto de salvar a imagem do sistema bancário português e de garantir investimentos, aplicações e depósitos. Há cada vez mais dúvidas quanto ao bom uso desses recursos. Aumenta o número de pessoas que pensa que o esforço público se concentra no apoio aos fortes, na ajuda aos mais ricos e na sustentação das empresas e pessoas que mais directamente se empenharam na especulação e nos sistemas internacionais de lucro fácil. Está generalizada a convicção de que o governo dá o ouro aos bandidos. E que está a recompensar os que correram riscos excessivos e os que julgavam que passariam impunes.
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Gostaria que, entre o governo, os sindicatos e os movimentos de professores se estabelecesse, pelo menos até às eleições, uma trégua ou uma moratória honrosa, que permitisse reflectir, estudar e imaginar novas soluções para as questões da avaliação e da carreira de docentes. Toda a gente ficava a ganhar, sobretudo os estudantes e os pais. As eleições, com os debates indispensáveis, poderiam ajudar muito a esclarecer os problemas e a resolvê-los gradualmente, com tentativas e experiências sucessivas, fora do clima de guerra que se criou e que nada oferece de bom.
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Gostaria que a RTP examinasse seriamente o seu papel, a sua função cultural e a sua missão informativa, sacudindo a dependência estreita do governo em que se colocou voluntariamente, pensando na nobreza do serviço que poderia prestar ao país, produzindo programas que não nos envergonhem e cultivando aquelas que poderiam ser as suas mais relevantes qualidades, a independência e a seriedade.
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Gostaria que o governo, depois de ter exigido sacrifícios e de ter conduzido uma política dura de austeridade e de ter obtido alguns ganhos importantes, nomeadamente no que diz respeito ao défice público e à eficiência fiscal, não se deixasse tentar, como já dá sinais inequívocos, pela demagogia e pelo dinheiro fácil, armas tradicionais em ano de eleições.
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Gostaria que alguém explicasse ao Primeiro-ministro, ou que ele percebesse por si mesmo, que o excesso de propaganda, de demagogia e de publicidade enganosa pode ter efeitos contraproducentes, parecidos com os verificados durante a revolução de 1975, que se traduzem no facto de os governantes acreditarem no que eles próprios mandam dizer. De caminho, poderia também compreender que a crispação autoritária não se pode confundir com determinação. Mudasse ele esses atributos, trouxesse ele à vida pública um novo estilo, mais adequado às dificuldades dos tempos, e até talvez voltasse a ganhar as eleições.
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Não é pedir muito, pois não?
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«Retrato da Semana» - «Público» de 28 de Dezembro de 2008

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Luz - Janelas escritório Lisnave

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Nestas instalações, da Margueira, em Almada, funcionavam os escritórios. Tudo está hoje abandonado. Uma parte das actividades da Lisnave transitou para a antiga Setenave, em Setúbal. Há vários anos que as autoridades nacionais e autárquicas, assim como numerosos grupos privados, estudam o que se deve fazer naqueles locais. (2006).

domingo, 21 de dezembro de 2008

Tudo como dantes, nada como dantes

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A TURBULÊNCIA FINANCEIRA que atravessou o mundo e está longe de se dissipar, já provocou a mais completa série de verdades definitivas e sobretudo contraditórias. Têm de comum o disparate e a inabalável certeza dos seus autores. “Marx tinha razão”; “É o fim do capitalismo”; “Acabou a hegemonia americana”; “Nada será como dantes”; “O Estado tem de tomar conta da economia”; “Vão mudar os padrões de consumo”... Em sentido contrário, também temos: “O capitalismo vai recuperar”; “A iniciativa privada vai ultrapassar a crise”; “Vamos refundar o capitalismo”; “A crise gera novas oportunidades de negócio”; “A União Europeia vai liderar a recuperação das economias”... Sem comentários.
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Mais uma vez, anuncia-se um “novo paradigma”. Não se sabe o que quer dizer, mas é “chique”. E misterioso. Mais poder político? Mais supervisão e regulação? Mais justiça? Mais ética? Novos padrões de consumo? Mais Estado? As únicas certezas são o menor crescimento, o desemprego e a redução do conforto. O resto é uma incógnita. Até porque as mudanças de comportamentos demoram décadas. E as mudanças de leis e de instituições exigem políticos e legisladores à altura, com autoridade e legitimidade. O que também é uma incógnita.
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A regulação falhou. É o que todos dizem, menos os reguladores. Convinha saber por que falhou a regulação. Os vigaristas têm meios mais sofisticados. Os reguladores, a justiça e as polícias estão atrasados. Estas são as razões superficiais. Mas há outras. Os reguladores e os políticos conhecem intimamente os especuladores e os predadores. Não só se conhecem, como se estimam e convivem. Têm mesmo, simultânea ou sucessivamente, interesses comuns. O triângulo formado pelos políticos, os reguladores e os especuladores constitui um percurso pessoal que muitos fazem airosamente nas suas carreiras. Muitos políticos e muitos reguladores consideram que os predadores e os especuladores têm o direito de se entregar às suas actividades, de operar no mercado livre, de ter sucesso e de vencer nos negócios. Se é verdade que houve Estado a menos, também é certo que Estado a mais não é a resposta. Pois o Estado é... os políticos!
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POR UMA VEZ, os políticos deste mundo não parecem ser os principais responsáveis. Mas não estão isentos. Falharam na regulação, na fiscalização e na inspecção. Falharam na justiça, na investigação e na penalização. São, frequentemente, parceiros, cúmplices e amigos dos bilionários e dos predadores. Os governos, a começar pelo português, têm dado lições inesquecíveis que todos os manipuladores do mercado usam como inspiração. Mentira, leis retroactivas, mudança inesperada de regras, intrusão na vida privada dos cidadãos, instabilidade fiscal, falta de cumprimento de cláusulas contratuais, adjudicações de favor, licenças sem concurso público, favoritismo e nomeações de altos dirigentes por confiança partidária, tudo tem justificação, tudo se explica pela necessidade de vencer, de crescer e de ganhar eleições. Os políticos, tanto de esquerda como de direita, contribuíram decisivamente para a criação deste clima doutrinário e espiritual. O poder político, entre nós como no resto do mundo, não revelou ter padrões morais superiores aos dos predadores. Não mostrou ser mais digno de confiança. Não garantiu que impede a promiscuidade e o livre enriquecimento dos políticos. Não tornou evidente seguir uma regra ética superior à que tem guiado os especuladores e seus amigos.
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As doutrinas da força, do líder, da vitória, do condicionamento da informação e da propaganda impuseram a “visão” positiva” do mundo e das coisas, consagraram o “optimismo” como dogma de atitude. Os que duvidam foram definitivamente arrumados na categoria de pessimistas e frustrados. A ideologia do sucesso, a qualquer preço, com qualquer lei, domina a cena pública há anos. As ideias, os valores e as normas que regem a vida dos capitalistas e dos gestores responsáveis pelas crises e pelas fraudes são o resultado de uma consolidação doutrinária e moral com meia dúzia de décadas.
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POR ISSO não é realista esperar pela “mudança de paradigma”. Alguém pensa que é possível as famílias decidirem por si próprias diminuir o consumo? Renunciar às segundas casas? Deixar de passar férias no Brasil ou no México? Abdicar de ter um ou dois carros, dois ou três computadores, três ou quatro televisões? Desligar o aquecimento e o ar condicionado? Reduzir o consumo de máquinas de lavar, de frigoríficos e de Bimbys? Abandonar o carro particular e utilizar os transportes públicos? Ninguém o fará. A não ser que a isso sejam forçados pelo desemprego, pelo corte de crédito, pelos aumentos de preços e pela diminuição de rendimentos.
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As pessoas mudam por consciência e esforço voluntário, quando têm real interesse nisso. Interesse material ou espiritual. Mas não mudam voluntariamente para diminuir o seu conforto e as suas aspirações. Mudam quando não têm alternativas. Por necessidade. Ou por imposição. Quem vai fazer mudar os comportamentos? As forças do mercado? Será doloroso. A necessidade? Ainda mais. Os políticos? Não têm vontade, nem legitimidade para o fazer. Eles aplicam à política os mesmos valores que os especuladores, as mesmas regras que os predadores, os mesmos critérios que os aldrabões aplicam às finanças internacionais.
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Há trinta ou quarenta anos que as populações aspiram às delícias da vida moderna. Os que já lá chegaram querem mais e não renunciam. Os que ainda não chegaram consideram uma suprema injustiça serem agora travados. Foram condicionados pelos mais poderosos aparelhos de publicidade e informação que a humanidade jamais conheceu. A propaganda política deu uma ajuda poderosa. Há décadas que os governos, as televisões, a imprensa e os grandes grupos económicos comungam um punhado de ideais que presidiram à nossa vida colectiva. Para usar o lugar-comum conhecido, o ter substituiu o ser. O critério de vida é vencer. Sempre, a qualquer preço. Vencer significa derrotar e liquidar os outros. Quem vence tem razão. E tem razão porque vence. É a democracia no seu pior. Maior. Mais alto. Mais depressa. Mais pesado. Mais forte. Mais rápido. Já não se trata de jogos olímpicos, eles próprios transformados em feira de animais. Trata-se da vida quotidiana. Para se chegar lá, ao “topo”, para se ser “líder”, tudo o que se pode fazer deve ser feito. Incluindo aldrabices, ilegalidades, golpes, mentira, publicidade enganosa e corrupção. Tudo o que justifique ganhar votos, vender mercadoria e eliminar os rivais não só pode ser feito, como deve ser feito. Sob pena de ser designado na praça pública por perdedor, incapaz ou parvo. E ninguém quer ser parvo!

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«Retrato da Semana» - «Público de 21 de Dezembro de 2008

sábado, 20 de dezembro de 2008

"Os Jardins dos Vice-Reis: Fronteira” - Apresentação

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COMO DEVO APRESENTAR a Cristina Castel-Branco? Professora no Instituto de Agronomia? Arquitecta paisagista? Só paisagista? Botânica? Historiadora natural? Historiadora de arte? Qualquer dos epítetos, qualquer das designações lhe serve. E não receio de as utilizar todas, quite a desencadear uma destas lutas corporativas de classificação profissional. O que eu prefiro, acima de tudo, é Jardineira! Gosta de árvores, de plantas, de flores e de jardins. Estuda-os. Faz-lhes a história. Trata deles. Cuida das plantas. Desvenda-lhes os segredos. Restaura e conserva jardins, como fez com o da Ajuda, em Lisboa, a quinta das Lágrimas, em Coimbra, ou este Fronteira, em Lisboa. E faz mesmo jardins, como é o caso do Garcia da Orta, na EXPO de Lisboa. Além de escrever livros, como este agora dedicado ao Jardim Fronteira, o primeiro de uma série sobre os quatro jardins dos Vice-reis.
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Mas Jardineira será, como o foi Adão, o primeiro, segundo nos diz Shakespeare, pela voz de Henrique VI.
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Esta nossa Jardineira escreveu em tempos a biografia académica de Avelar Brotero, um dos maiores cientistas portugueses, do seu tempo e do nosso. Brotero que foi, no início do século XIX, director do Jardim Real do Palácio da Ajuda. Curiosamente, Cristina foi sua sucessora. Não imediatamente, mas, quase dois séculos depois, veio ela a assumir as mesmas funções que, outrora, o mestre. A Avelar Brotero, temos a agradecer o seu inesgotável interesse pelas plantas, o estudo científico das mesmas, a divulgação das espécies portuguesas e estrangeiras, o intercâmbio com dezenas de escolas, academias e jardins do mundo inteiro, a importação de espécies de outros continentes e a respectiva adaptação ou aclimatação a Portugal. E eu, pessoalmente, tenho a agradecer-lhe ter introduzido ou aclimatado o Jacarandá!
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Este livro é sobre o Jardim de Fronteira, adjacente à quinta e ao Palácio do mesmo nome. Nada aqui resumirei, pois o livro diz tudo. E fá-lo de maneira rigorosa, exaustiva e elegante. O anfitrião, Fernando Mascarenhas, que também é o proprietário e o descendente de uma longa dinastia de Mascarenhas, redige o prefácio, emite reservas e parece não concordar ou duvidar de ideias da autora. Creio que é uma das raras vezes em que um prefácio critica directamente o livro que encabeça. É insólito, mas interessante. Mostra a liberdade com que ambos encararam a realização deste livro.
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O livro não é só sobre esse jardim. Tem capítulos muito interessantes sobre as origens de certos jardins, sobre a sua história e sobretudo sobre o enquadramento e o contexto em que certos jardins foram concebidos e construídos. Este é o primeiro de uma série de quatro, na qual a autora nos promete estudar e contar a história dos quatro jardins ditos dos Vice-reis.
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Cristina afirma que os jardins são obra de arte, ponto importante. Aparentemente banal, tal afirmação tem enormes consequências (ou deveria ter...), designadamente no campo das políticas de protecção do património. Por outro lado, sugere interrogações difíceis. Com efeito, um jardim também é uma obra de arte parcialmente viva, que evolui, que pode mudar com o tempo e com a acção dos homens. Ora, o próprio da obra de arte material é a sua fixidez, o seu acabamento. Temos assim que, nas obras patrimoniais, existe uma evolução que, na maior parte dos casos, depende dos homens, e que, nos jardins, depende também da natureza. Mas, para as políticas patrimoniais, é importante que esta característica artística seja reconhecida e que os jardins não sejam considerados apenas como apêndices de obras construídas. Nem como sítios e locais que se podem construir, manter ou destruir a bel-prazer.
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Cristina diz ainda que os jardins, a sua concepção, a sua forma, a sua função e a sua organização traduzem as circunstâncias históricas, sociais, políticas, culturais e artísticas do seu tempo. É a esse trabalho que ela se dedica meticulosamente neste livro. No caso dos jardins de Fronteira, a autora sublinha o seu carácter específico. Para além das influências estrangeiras (italiana e francesa), o que está presente nitidamente na obra em estudo é a sua posição charneira entre o Ocidente e o Oriente. Os temas marítimos e náuticos, assim como as inspirações orientais, estão indelevelmente presentes naqueles jardins. A dinastia dos Vice-reis Mascarenhas é evidentemente uma chave para explicar o facto. Indo mais além, a autora sugere uma inspiração camoniana na concepção do jardim. Mais ainda, pelas suas transformações e reutilizações, estes jardins estão também ligados à ideia de Portugal como país independente, tendo sido mostrados e tratados, no século XVII, como forma de cultivar tal aspiração.
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É muito interessante ver como a jardinagem, a ciência e a estética se conjugam e traduzem as forças de uma sociedade, os seus conflitos e os seus sonhos. Não só na história do jardim, como também, por exemplo, na biografia de Avelar Brotero, a autora mostra bem como a ciência e o exercício de uma profissão acabam por estar influenciados pela sociedade mais geral, pelas lutas políticas e pessoais, pelos conflitos e pelas modas dominantes.
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O livro é formidável pelo que nos revela. Mostra um jardim como produto de uma concepção prévia. A autora chega a falar de “jardim esculpido”, não apenas plantado. Mostra-nos como, num jardim, se descobre o seu autor e, neste, o pintor, o escultor e o arquitecto. Leva-nos pela mão, passo a passo, para nos ajudar a perceber o porquê de um bucho, de uma fonte, do arranjo das eras, do jogo de linhas visuais e da organização tanto telúrica como vegetal. A rega dos Mouros, o desenho italiano, a construção francesa, os motivos orientais e a gesta marítima cruzam-se nestes jardins, acabando por resumir metaforicamente a história e a posição de Portugal no mundo. Mau grado as influências externas, poderosas, há traços específicos que os portugueses inventaram ou concretizaram. O uso do azulejo, por exemplo. Ou a releitura das influências mouras e orientais, muito antes da grande moda do orientalismo do século XIX ou talvez dos finais do século XVIII. Fronteira é um jardim muito mais antigo que essas modas. Precede-as de dois ou três séculos. Este facto foi para mim surpreendente. Fronteira e mais três jardins (curiosamente todos de Vice-reis) têm quatro ou mais séculos de existência, o que parece ser raro no mundo e pelo menos inesperado em Portugal.
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Como em quase tudo o resto, os jardins portugueses mais interessantes, ou mais famosos, foram resultado de influências estrangeiras. Nos séculos XVI e XVII, aquelas foram italianas e francesas. A que se acrescentavam inspirações orientalistas. Mas, pelo que nos ensina Cristina, e outros com ela, há algo de português, há um contributo próprio que ultrapassa e enriquece a influência estrangeira. Esse contributo não é apenas o da épica camoniana, que parece ter sido inspiração, nem o da independência nacional, que parece ser glorificada. O cruzamento de influências, a sua mistura imaginativa e o respectivo desenvolvimento acabam por ter um papel criador.
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A comparação entre dois contemporâneos, Fronteira e Versailles, sugerida por Cristina, mostra bem as diferenças de concepção, de poder e de intenção de cada jardim e de cada Estado. Apesar de terem data de nascimento parecida. Foi à luz dos ensinamentos de Cristina que fui capaz de recordar alguns dos mais belos jardins que visitei. Os de Alhambra, evidentemente. Os de Blenheim, do século XVIII, feitos por um formidável colega da Cristina, Capability Brown. Os pequenos jardins do Palais Royal, em Paris. Ainda na capital francesa, o Jardin des Plantes, de que Cristina tanto fala no seu livro sobre Brotero. Os fabulosos Kew Gardens, de Londres. Os inesperados jardins de São Miguel, nos Açores (de José do Canto, de Jácome Correia, de António Borges e de Thomas Hickling). O Central Park, de Nova Iorque. O da Estrela, em Lisboa. O da Gulbenkian, com certeza. Em Lisboa ainda, o Botânico, o das Necessidades, o da Ajuda e o Tropical. E o do Tourel, que já não é o que era. Os da Bacalhoa, do Buçaco ou de Monserrate. Serralves e o parque da Cidade, aqui no Porto, sem esquecer a Cordoaria, que já conheceu melhores tempos. Ao recordá-los, agora, com a sabedoria que a Cristina me empresta, consigo fazer uma nova leitura, como ela diz. E perceber melhor por que fizeram e como fizeram estes jardins e parques.
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Uma árvore não é uma obra de arte. Um jardim pode sê-lo. A beleza e o sublime não são exclusivos das artes humanas, podem vir da natureza, com a ajuda dos humanos. Sossego, deslumbramento, sombra, oxigénio, vida animal, até sons podem vir das árvores. Tudo isso mais descanso, tranquilidade, passeio, convívio e até cultura podem vir dos jardins. Sem falar no puro prazer estético. São os países desenvolvidos, educados, decentes, cultos que cuidam das árvores e dos jardins.
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A este propósito, o Portugal contemporâneo é ingrato. Quem sabe se não será também ignorante. Os portugueses não cuidam dos jardins, das árvores ou das florestas. Ou cuidam pouco e mal. Dizem gostar, pois claro, mas arrancam-nas à primeira oportunidade. Casebre ou prédio, vivenda ou ginásio, estrada ou rotunda, escola ou fábrica, tudo é motivo para se arrancar uma árvore centenária ou uma promessa de jardim. As árvores urbanas, sobretudo, são mal cuidadas em geral. Sofrem da seca, da poluição, do estacionamento, da porcaria e da falta de tratamentos.
Sinal seguro do pouco interesse dedicado às plantas é o facto de não termos ainda literatura suficiente sobre as árvores, os jardins e as florestas em Portugal. Houve várias tentativas, há trabalhos notáveis, mas estamos longe de poder comprar manuais e guias claros e interessantes para laicos e amadores. Há para restaurantes, hotéis e vinhos, mas as árvores vêm depois, muito depois.
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A ser verdadeira a tese de Cristina sobre o modo como os jardins retratam ou traduzem o espírito do tempo (e, além do espírito, a política, a filosofia, a estética, as relações sociais e de poder...), e eu subscrevo o que ela diz, então que dizer dos jardins modernos portugueses? Não creio, infelizmente, que a democracia fique muito bem representada no elenco das obras de arte jardinadas! O império da economia e das finanças, as vicissitudes dos défices públicos, as prioridades fantasiosas das autarquias e o simples e ordinário descuido das autoridades e, tantas vezes, dos cidadãos, fazem com que os nossos jardins modernos sejam, em geral, tristes e vulgares. Ou então, recuando um pouco, exibem uma monumentalidade duvidosa, como é o caso do parque Eduardo VII. Talvez tenhamos, aqui no Porto, com o Parque da Cidade, um dos melhores, se não o melhor exemplo contemporâneo do que de bom se pode fazer com a natureza em meio urbano.
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Pior do que a falta de criatividade é, no entanto, a incúria. E essa tem sido uma atitude muito frequente das autoridades, dos autarcas e dos proprietários nas décadas presentes. Fazem-se intervenções modernizantes horrorosas de mau gosto e de técnica duvidosa. Não se estuda a história de um jardim e faz-se dele gato-sapato, com design e mobiliários urbano suspeito e incongruente. Mas, sobretudo, não se cuida, ou cuida-se mal do património natural, tanto nas cidades maiores, como nas menores.
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Parece que a sociedade democrática de consumo de massas despreza os seus jardins ou é incapaz de os idealizar e construir. Ocupa-se da praia, das discotecas, dos centros comerciais e dos pavilhões para jovens. Mas o jardim, a mata, o bosque e o parque parecem estar fora das preocupações contemporâneas.
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É verdade que a construção de jardins exige meios, por vezes avantajados. Os aristocratas que os fizeram, no passado, eram gente de poder e recursos. Mas hoje também há ricos, mesmo muito ricos, mas que não brilham pelas suas iniciativas neste domínio.
Será que a beleza feita com a natureza exige um aristocrata? Um poder despótico? Um monarca esclarecido? Uma classe dirigente culta? Talvez. É uma conclusão melancólica, mas não deve andar longe da verdade.

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Porto, 16 de Dezembro de 2008

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Luz

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Outra vista da vinha dos Cardenhos, na quinta do Crasto. (2007).

domingo, 14 de dezembro de 2008

Um encontro. E desencontros.

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TERÇA-FEIRA, 9 de Dezembro. Em Fátima, a Conferência Episcopal toma uma iniciativa inédita: D. Jorge Ortiga recebe os representantes da Plataforma dos professores, encontrando-se estes em pleno processo de luta. Não há comunicados oficiais. Mas há declarações mais ou menos informais. O Bispo presidente garante, diante de câmaras de televisão, que a Igreja está muito preocupada com os professores, as escolas, os pais e os alunos. Sugere a realização de um “pacto social” sobre as questões educativas. E recomenda ao governo que “ouça” os professores. Jornais, televisões e observadores prestam a menor atenção possível ao facto. Toda a gente, a começar pelas autoridades, prefere ignorar o gesto. Mas trata-se simplesmente de um dos factos mais importantes da vida política destes últimos anos.
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QUARTA-FEIRA, 10 de Dezembro. Em declarações justas e severas, o Presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, apela aos grupos parlamentares para encontrarem vias de criar alguma disciplina, de impedir que os deputados faltem às sessões e que cumpram os seus deveres. O PS não gostou e alguns dos seus deputados reagiram mal.
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QUINTA-FEIRA, 11 de Dezembro. Chegou o grande dia. Finalmente, Ministério da Educação e professores encontram-se para discutir tudo. Já se sabia, desde uns dias antes, que a convocatória e as ordens de trabalhos era uma soma de equívocos. Ambos disseram, uma vez, que estava tudo em cima da mesa. Ambos acrescentaram, outra vez, que certos tópicos não se poderiam discutir. Debater a hipótese da suspensão da avaliação era, para os professores, essencial. Tal discussão era, para o ministério, inútil, dado que a suspensão estava totalmente fora de questão. Os professores deixaram uma proposta de sistema de auto-avaliação que nada resolve. A ministra recusou as reivindicações de suspensão feitas pelos professores. Os participantes na reunião separaram-se azedamente, duas ou três horas depois. Fizeram bem em falar. Fizeram mal em não ter encontrado sequer umas pedras para pôr os pés e fazer um pouco de caminho. Nova reunião foi marcada para a próxima semana, desta vez para discutir o estatuto da carreira docente. A ministra garante que, para o ano, está disponível para tudo ver e rever, incluindo o sistema de avaliação e a hierarquia profissional dos professores. Para já, estranhamente, insiste na aplicação do seu sistema. Mas já chegámos a uma conclusão amarga: as propostas dos sindicatos são tão absurdas quanto as da ministra. Com um denominador comum: ambos estão empenhados em impedir que as escolas e os directores assumam as suas responsabilidades. Enquanto não se evitar a tenaz, ministério contra sindicatos a lutar por uma sistema centralizado e integrado, limitar-se-ão a adiar o problema. A tentar afogar o peixe.
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SEXTA-FEIRA, 12 de Dezembro. É dia grande na cidade de Lisboa. Luzidia comitiva, com ministro e presidente da Câmara, desloca-se, para um momento mágico, a uma das praças mais bonitas do mundo. Finalmente, doze anos após o início das obras, que deveriam ter durado três, e depois de dezenas de milhões de euros de desvios, o Terreiro do Paço parece recuperar a sua vistosa figura. O Cais das Colunas é reaberto e inaugurado. Em maré de glória, o ministro diz que não lhe interessa perder tempo a apurar quem são os responsáveis pelos atrasos. O importante é o momento e a beleza do gesto. O Cais é devolvido ao povo de Lisboa. Mas, logo a seguir, o anúncio é feito: só por quinze dias. Após o Ano Novo, o Terreiro do Paço fecha, em grande parte, para novas obras de saneamento que vão durar, espera-se, mais de um ano. Entretanto, o Estado português terá de devolver à União Europeia cerca de 80 milhões de euros indevidamente recebidos, pois não respeitou as regras internacionais nas obras da linha de metro de Santa Apolónia ao Terreiro do Paço. Esta praça é bem uma metáfora do estado do país.
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SEXTA-FEIRA, 12 de Dezembro. Uma semana depois da sessão memorável da Assembleia da República, à qual faltaram umas dezenas de deputados, a reunião da comissão do orçamento, marcada para as nove e trinta, foi adiada. A razão foi a da falta de quórum. Isto é, não havia nove deputados, os necessários para atingir a fasquia legal. Os socialistas que, sozinhos, poderiam garantir o quórum, não estavam em número suficiente. Dos outros partidos, alguns estariam por ali, mas não chegava.
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Esta é seguramente a mais importante de todas as comissões parlamentares.
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O Parlamento português já não surpreende. Ninguém espera absolutamente nada daquela casa. Serve para completar a maquinaria democrática, mas foi rebaixado a um papel secundário. Qualquer câmara de televisão é mais importante do que aquela instituição. Aliás, os que ainda se dedicam a fazer discursos ou aparecer no hemiciclo fazem-no apenas com a televisão no espírito. Já se viram ministros e deputados a falar olhando para as câmaras, nem sequer para os seus pares. O tom geral dos debates, pelo tom e pelos berros, mais parece o de uma lota de peixe. Raros são os deputados que falam normalmente e expõem os seus pontos de vista com argumentos racionais. Mais raros ainda são os que mostram sinais exteriores de pensarem quando falam.
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Começam a surgir ideias e propostas para punir os deputados faltosos. Marquem-se faltas, dizem uns. Reduza-se o vencimento. Excluam-se os faltosos das listas nas próximas eleições. Publiquem-se regularmente os nomes dos que faltam. A verdade é que estas sugestões equivalem a colocar gesso numa perna de pau. Sem funções reais, sem independência, sem responsabilidades individuais, sem mandato pessoal e sem necessidade de prestar contas directamente aos eleitores, os deputados serão sempre o que são, apêndices estatísticos. Este Parlamento não é uma metáfora: é o retrato exacto e verdadeiro da democracia que temos.
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« Retrato da Semana» - «Público» de 14 de Dezembro de 2008

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Luz - Vinha ou quinta dos Cardenhos

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Vinha ou quinta dos Cardenhos, parte da quinta do Crasto. Esta quinta fica perto de Gouvinhas, à beira do Douro. Tem uma vista magnífica, produz vinhos excelentes. Pertence à família de Jorge e Tomás Roquette. Dois dos seus vinhos, o Maria Teresa e o Vinha da Ponte, estão entre os melhores que se fazem em Portugal e têm obtido as mais altas classificações internacionais. Os “cardenhos” ficavam na casa que se vê em frente. Eram, no Douro, as instalações preparadas para albergar os trabalhadores, sobretudo durante as vindimas, quando as “rogas” vinham fazer esse trabalho. As “rogas” eram uma espécie de rancho de trabalho: homens, mulheres e jovens (até crianças) eram recrutados em regiões vizinhas para as vindimas, época em que faltava força de trabalho no Douro. Nesta imagem, podem ver-se vinhas de várias épocas. Socalcos antigos, patamares mais modernos e “vinhas ao alto”, método relativamente novo que se generaliza na região desde os anos setenta do século XX. (2007).

domingo, 7 de dezembro de 2008

Colapso

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UM GRANDE CIENTISTA, geógrafo e historiador americano, Jared Diamond, publicou, há uns anos, um formidável livro recentemente editado em Portugal (Gradiva). O título, “Colapso”, refere-se a uma realidade que estudou com pormenor e imaginação: há povos, países ou Estados que “escolhem” acabar, morrer ou desaparecer. Os Maias, os povos da ilha de Páscoa ou das ilhas da Gronelândia e populações do Ruanda contemporâneo são alguns dos exemplos. Por várias e complexas razões, tais povos, a partir de um certo momento, desistiram e caminharam direitos para o fim. Uns fizeram tudo o que era necessário para destruir ou esgotar as bases da sua sobrevivência, outros renderam-se aos inimigos humanos ou às ameaças naturais. Podem as escolhas não ser datadas e deliberadas, mas são actos de vontade motivados, talvez não pelo desejo de morrer, mas sim pela ilusão de outra vantagem ou pela complacência com que se vive uma circunstância conhecida.
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ESTA SEMANA foi fértil em situações e acontecimentos que sugerem o colapso, tal como Diamond o estudou. A analogia pode parecer forçada. Os processos históricos demoram séculos, aqui estamos a falar de anos. Aqueles dizem respeito a povos inteiros, aqui referem-se instituições ou regimes. Mas o paralelo é irresistível. O Parlamento português, por exemplo. Tem vindo gradualmente a falhar os testes de prova de vida. Dá de si uma imagem confrangedora de ignorância e incompetência. Obriga os seus deputados a abdicarem da liberdade e da independência. Aprovou por unanimidade diplomas recheados de inconstitucionalidades. Transforma o orçamento de Estado numa futilidade adjectiva. Faz seu o confronto que o PS deseja criar com o Presidente da República. Cauciona a abertura de uma crise institucional, inventada por motivos menores, sem se preocupar com os efeitos nefastos do seu comportamento. Caminha cegamente para as trevas exteriores. Tal como os Vikings das ilhas da Gronelândia, não percebe que já não é útil e que, por este andar, é dispensável. E não entende que o seu fim pode já ter começado.
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O PSD CONTINUA a dar exemplos de preparação para o suicídio. As mudanças sucessivas de presidente nada adiantaram. Manuela Ferreira Leite não conseguiu pôr o partido em ordem. Poucos meses bastaram para que os seus rivais criassem a desordem habitual. Creio que não existe, na recente história política portuguesa, nenhum caso onde sejam tão frequentes a mentira e a traição. Onde a luta fratricida atinja os cumes do assassinato velhaco. Onde o maior prazer é a derrota dos amigos. Onde a maior festa é a morte dos correligionários. No Parlamento, esta semana e a propósito de uma votação relativa aos processos de avaliação dos professores, as faltas de trinta ou quarenta deputados fizeram com que a oposição perdesse e o governo ganhasse sem mérito nem justa causa. Pode pensar-se que foi preguiça, afazeres, negócios ou prazer. Eventualmente vingança ou vontade de criar o caos. Mas tudo isso, por parte ou atacado, configura a indiferença. Eles estão-se simplesmente nas tintas! E, tal como os habitantes da ilha de Páscoa, não sabem que estão a escolher a morte. Se fosse só a deles, não se perderia grande coisa. Mas também pode ser a do Parlamento.
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O REGIME DEMOCRÁTICO português é frequentemente elogiado. Ou antes, foi. Instalou-se em poucos anos. Tem resistido à prova do tempo. Já foi considerado o “bom aluno” da Europa. Há mesmo quem pense que foi a primeira “revolução democrática” a preceder todas as outras de Leste e alhures. Na verdade, não foi. Terá talvez sido, com as suas ilusões absurdas, a última revolução socialista, mas é indiferente. Nesta democracia que já foi “exemplar”, as recentes agitações financeiras abriram definitivamente uma ferida tão repetidamente mencionada mas raramente concretizada: a da promiscuidade. Infelizmente, os costumes locais não fazer a distinção entre fraude, corrupção e promiscuidade. Para muitos, é a mesma coisa. Ora, não é. A promiscuidade entre a política e os negócios pode ser perfeitamente legal, mas pode matar um regime. Pode levá-lo ao colapso, mas legalmente. A política como fonte de acumulação primitiva de uma classe recém-chegada pode utilizar apenas meios legais ou, no máximo, não recorrer a ilícitos. Até porque os verdadeiros patrícios do regime português têm sabido fazer as leis capazes de sustentar as festividades.
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A sucessão de “casos” que envolvem grandes recursos financeiros, enormes obras públicas e colossais adjudicações sem concurso tem vindo a criar mal-estar e a mostrar as fragilidades do regime. A revelação das galáxias empresariais torna evidentes ligações insuspeitas entre partidos e empresas. Mas também o seu tutano, aquela área feita ora de luz, ora de sombra, onde se ganham eleições, se fazem negócios, se recrutam quadros e prestam favores. Ou aquele espaço intersticial onde se acumulam riquezas e fazem reis. As lutas intestinas de um banco, as rivalidades agressivas entre outros, as fraudes cometidas por um e a falência iminente de outro tiveram um denominador comum: a presença directa ou indirecta do Estado no capital, no negócio, na estratégia, no salvamento, na recuperação ou no amparo. Antes, durante e sobretudo depois das crises. Se o que estivesse em causa fosse só o papel do Estado, talvez houvesse razão e desculpa. O problema é que apareceram os rostos áulicos, com nome e currículo, dos que ora agem pelo Estado, ora por si próprios, ora por mandantes. O facto, em vez de sublinhar a força do Estado, põe em relevo a sua fragilidade e o modo como se deixou apoderar pelos predadores do regime. E exibe os circuitos do Jogo da Glória, ou do Monopólio, por onde circulam os novos Barões. Banca, energia, obras públicas e telecomunicações: parecem ser estes os territórios preferidos dos grandes partidos do regime. É possível que a maior parte dos homens de que se fala hoje não tenha cometido um só crime. É possível que não tenham tido, jamais, um comportamento ilícito. Mas tal se deve ao facto de as leis permitirem que se faça o que se faz. Até porque foram eles que as fizeram.

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«Retrato da Semana» - «Público» de 7 de Dezembro de 2008

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Luz - Convento do Beato

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O Convento do Beato é um dos belos espaços públicos de Lisboa. Já lá estive para jantares, festas, conferências, feiras e exposições. Em certos momentos, com a luz adequada, é local misterioso. Ficou-lhe dos seus tempos de mosteiro, creio. (1985).