..
NÃO VALE A PENA ter esperanças desmedidas para 2009. O ano não é bissexto, o que é bem. Mas tem três eleições, o que é mau. As crises internacionais vão prosseguir, o que tem más consequências. Toda a gente anda de bengala de Estado, incluindo bancos e empresas industriais, financeiros e aforradores, o que obriga a pensar que não há bengalas que cheguem. Já sabemos que o crescimento será negativo ou ridículo; que o défice público aumentará; que o défice externo também; que o emprego diminuirá; e que a pobreza se agravará. São certezas. Esperar o contrário é enganar-se a si próprio. Há, todavia, votos que se podem formular. Os meus são modestos. Não são excessivos, nem irrealistas. Custam pouco dinheiro ou nenhum.
.
Gostaria que terminassem, de uma vez para sempre, os processos em tribunal que envenenaram o último ano. O da Casa Pia, à cabeça. A Operação Furacão também. Os do futebol, que já ninguém percebe. O da pequena Esmeralda, que afligiu muita gente, mas que tornou todos insensíveis, menos a menina. Os dos bancos, do BCP, do BPP e do BPN, cuja opacidade tem criado as mais sérias suspeitas na opinião pública. E, da economia à corrupção, dezenas de outros que se arrastam e alimentam a impunidade.
.
Gostaria que o Parlamento, quanto mais não fosse para reabilitar a sua imagem em ano de eleições, se interessasse genuinamente pela justiça, pelas leis processuais e pelo sistema judiciário, dedicasse a esse tema o melhor dos seus esforços, reflectisse seriamente no melhor modo de acelerar as respectivas reformas, criasse um clima de cooperação entre magistrados judiciais, magistrados do ministério público, advogados, órgãos de investigação e oficiais de justiça, a fim de iniciar um processo de melhoramento do mais degradado e mais ineficiente sistema público do país.
.
Gostaria que o governo, num sobressalto de consciência e de preocupação com as liberdades públicas e os direitos fundamentais do cidadão, reconsiderasse todas as medidas e procedimentos em curso que consolidam um clima de intrusão, de violação da privacidade, de despotismo e de controlo dos cidadãos, incluindo, evidentemente, o bilhete de identidade múltiplo, o chip dos automóveis, a legislação sobre escutas telefónicas, a actuação da ASAE e a delação fiscal e económica.
.
Gostaria que se adiassem, por muitos anos, os projectos megalómanos do aeroporto, do comboio de alta velocidade e das auto-estradas inúteis, para os quais não há dinheiro, mas que, pela teimosia dos governantes e interesse dos construtores, correm o risco de se transformar em enorme buracos financeiros e em sorvedouro de recursos públicos tão escassos.
.
Gostaria que os esforços das autoridades, no governo e nas autarquias, se dirigissem para milhares de projectos com influência na vida real, sejam as pequenas e médias empresas industriais; sejam as obras de interesse público manifesto, como os Metros do Porto e de Lisboa, os transportes públicos das áreas metropolitanas, os jardins e espaços verdes das cidades, o arranjo e a limpeza das ruas urbanas, a rede de comboios, as escolas degradadas, os lares de idosos decadentes, a drenagem e o escoamento das águas nas cidades, a recuperação do património construído, a reabilitação dos centros das cidades históricas e o alojamento de estudantes universitários; sejam, finalmente, os incentivos à exploração dos recursos naturais mais desprezados das últimas décadas, a agricultura, a floresta e os mares.
.
Gostaria que o governo explicasse, honesta e seriamente, o que está a fazer com os dinheiros públicos, a pretexto de salvar a imagem do sistema bancário português e de garantir investimentos, aplicações e depósitos. Há cada vez mais dúvidas quanto ao bom uso desses recursos. Aumenta o número de pessoas que pensa que o esforço público se concentra no apoio aos fortes, na ajuda aos mais ricos e na sustentação das empresas e pessoas que mais directamente se empenharam na especulação e nos sistemas internacionais de lucro fácil. Está generalizada a convicção de que o governo dá o ouro aos bandidos. E que está a recompensar os que correram riscos excessivos e os que julgavam que passariam impunes.
.
NÃO VALE A PENA ter esperanças desmedidas para 2009. O ano não é bissexto, o que é bem. Mas tem três eleições, o que é mau. As crises internacionais vão prosseguir, o que tem más consequências. Toda a gente anda de bengala de Estado, incluindo bancos e empresas industriais, financeiros e aforradores, o que obriga a pensar que não há bengalas que cheguem. Já sabemos que o crescimento será negativo ou ridículo; que o défice público aumentará; que o défice externo também; que o emprego diminuirá; e que a pobreza se agravará. São certezas. Esperar o contrário é enganar-se a si próprio. Há, todavia, votos que se podem formular. Os meus são modestos. Não são excessivos, nem irrealistas. Custam pouco dinheiro ou nenhum.
.
Gostaria que terminassem, de uma vez para sempre, os processos em tribunal que envenenaram o último ano. O da Casa Pia, à cabeça. A Operação Furacão também. Os do futebol, que já ninguém percebe. O da pequena Esmeralda, que afligiu muita gente, mas que tornou todos insensíveis, menos a menina. Os dos bancos, do BCP, do BPP e do BPN, cuja opacidade tem criado as mais sérias suspeitas na opinião pública. E, da economia à corrupção, dezenas de outros que se arrastam e alimentam a impunidade.
.
Gostaria que o Parlamento, quanto mais não fosse para reabilitar a sua imagem em ano de eleições, se interessasse genuinamente pela justiça, pelas leis processuais e pelo sistema judiciário, dedicasse a esse tema o melhor dos seus esforços, reflectisse seriamente no melhor modo de acelerar as respectivas reformas, criasse um clima de cooperação entre magistrados judiciais, magistrados do ministério público, advogados, órgãos de investigação e oficiais de justiça, a fim de iniciar um processo de melhoramento do mais degradado e mais ineficiente sistema público do país.
.
Gostaria que o governo, num sobressalto de consciência e de preocupação com as liberdades públicas e os direitos fundamentais do cidadão, reconsiderasse todas as medidas e procedimentos em curso que consolidam um clima de intrusão, de violação da privacidade, de despotismo e de controlo dos cidadãos, incluindo, evidentemente, o bilhete de identidade múltiplo, o chip dos automóveis, a legislação sobre escutas telefónicas, a actuação da ASAE e a delação fiscal e económica.
.
Gostaria que se adiassem, por muitos anos, os projectos megalómanos do aeroporto, do comboio de alta velocidade e das auto-estradas inúteis, para os quais não há dinheiro, mas que, pela teimosia dos governantes e interesse dos construtores, correm o risco de se transformar em enorme buracos financeiros e em sorvedouro de recursos públicos tão escassos.
.
Gostaria que os esforços das autoridades, no governo e nas autarquias, se dirigissem para milhares de projectos com influência na vida real, sejam as pequenas e médias empresas industriais; sejam as obras de interesse público manifesto, como os Metros do Porto e de Lisboa, os transportes públicos das áreas metropolitanas, os jardins e espaços verdes das cidades, o arranjo e a limpeza das ruas urbanas, a rede de comboios, as escolas degradadas, os lares de idosos decadentes, a drenagem e o escoamento das águas nas cidades, a recuperação do património construído, a reabilitação dos centros das cidades históricas e o alojamento de estudantes universitários; sejam, finalmente, os incentivos à exploração dos recursos naturais mais desprezados das últimas décadas, a agricultura, a floresta e os mares.
.
Gostaria que o governo explicasse, honesta e seriamente, o que está a fazer com os dinheiros públicos, a pretexto de salvar a imagem do sistema bancário português e de garantir investimentos, aplicações e depósitos. Há cada vez mais dúvidas quanto ao bom uso desses recursos. Aumenta o número de pessoas que pensa que o esforço público se concentra no apoio aos fortes, na ajuda aos mais ricos e na sustentação das empresas e pessoas que mais directamente se empenharam na especulação e nos sistemas internacionais de lucro fácil. Está generalizada a convicção de que o governo dá o ouro aos bandidos. E que está a recompensar os que correram riscos excessivos e os que julgavam que passariam impunes.
.
Gostaria que, entre o governo, os sindicatos e os movimentos de professores se estabelecesse, pelo menos até às eleições, uma trégua ou uma moratória honrosa, que permitisse reflectir, estudar e imaginar novas soluções para as questões da avaliação e da carreira de docentes. Toda a gente ficava a ganhar, sobretudo os estudantes e os pais. As eleições, com os debates indispensáveis, poderiam ajudar muito a esclarecer os problemas e a resolvê-los gradualmente, com tentativas e experiências sucessivas, fora do clima de guerra que se criou e que nada oferece de bom.
.
Gostaria que a RTP examinasse seriamente o seu papel, a sua função cultural e a sua missão informativa, sacudindo a dependência estreita do governo em que se colocou voluntariamente, pensando na nobreza do serviço que poderia prestar ao país, produzindo programas que não nos envergonhem e cultivando aquelas que poderiam ser as suas mais relevantes qualidades, a independência e a seriedade.
.
Gostaria que o governo, depois de ter exigido sacrifícios e de ter conduzido uma política dura de austeridade e de ter obtido alguns ganhos importantes, nomeadamente no que diz respeito ao défice público e à eficiência fiscal, não se deixasse tentar, como já dá sinais inequívocos, pela demagogia e pelo dinheiro fácil, armas tradicionais em ano de eleições.
.
Gostaria que alguém explicasse ao Primeiro-ministro, ou que ele percebesse por si mesmo, que o excesso de propaganda, de demagogia e de publicidade enganosa pode ter efeitos contraproducentes, parecidos com os verificados durante a revolução de 1975, que se traduzem no facto de os governantes acreditarem no que eles próprios mandam dizer. De caminho, poderia também compreender que a crispação autoritária não se pode confundir com determinação. Mudasse ele esses atributos, trouxesse ele à vida pública um novo estilo, mais adequado às dificuldades dos tempos, e até talvez voltasse a ganhar as eleições.
.
Não é pedir muito, pois não?
.
«Retrato da Semana» - «Público» de 28 de Dezembro de 2008
.
Gostaria que a RTP examinasse seriamente o seu papel, a sua função cultural e a sua missão informativa, sacudindo a dependência estreita do governo em que se colocou voluntariamente, pensando na nobreza do serviço que poderia prestar ao país, produzindo programas que não nos envergonhem e cultivando aquelas que poderiam ser as suas mais relevantes qualidades, a independência e a seriedade.
.
Gostaria que o governo, depois de ter exigido sacrifícios e de ter conduzido uma política dura de austeridade e de ter obtido alguns ganhos importantes, nomeadamente no que diz respeito ao défice público e à eficiência fiscal, não se deixasse tentar, como já dá sinais inequívocos, pela demagogia e pelo dinheiro fácil, armas tradicionais em ano de eleições.
.
Gostaria que alguém explicasse ao Primeiro-ministro, ou que ele percebesse por si mesmo, que o excesso de propaganda, de demagogia e de publicidade enganosa pode ter efeitos contraproducentes, parecidos com os verificados durante a revolução de 1975, que se traduzem no facto de os governantes acreditarem no que eles próprios mandam dizer. De caminho, poderia também compreender que a crispação autoritária não se pode confundir com determinação. Mudasse ele esses atributos, trouxesse ele à vida pública um novo estilo, mais adequado às dificuldades dos tempos, e até talvez voltasse a ganhar as eleições.
.
Não é pedir muito, pois não?
.
«Retrato da Semana» - «Público» de 28 de Dezembro de 2008