segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sem emenda - As notícias na televisão

É simplesmente desmoralizante. Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática. A preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no mundo, são assim porque não se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe trabalhar na redacção, porque não há quem estude nem quem pense. Os alinhamentos são idênticos de canal para canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os ministros e os treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são as conferências de imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol mal disposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião: sai um directo, com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no meio da guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum terrorismo pelo caminho. As questões políticas internacionais quase não existem ou são despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer coisa! Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de Estado respectivo. Arte? Um Director-geral chega.
Repetem-se as cenas pungentes, com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e tremores de voz de toda a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em nome da informação em directo. Tudo supostamente por uma informação humanizada, quando o que se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional, inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema importante, assunto de relevo ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador que fala, um jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou seis representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu melhor!
Uma consolação: nisto, governos e partidos parecem-se uns com os outros. Como os canais de televisão.

DN, 25 de Setembro de 2016

Sem Emenda- As Minhas Fotografias

Haïk, o véu argelino – Muito se tem falado dos niqab, das burkhas, do hidjab, do jilbab da shayla e dos chadors. E pouco de outros véus, não necessariamente melhores ou mais bonitos, seguramente não mais libertadores! Nesta fotografia dos anos setenta, feita numa rua de Argel, diante dos armazéns Bon Marché, vêem-se estes Haïk ou Hayek, cujo manto envolve o corpo, mas que parecem mais “soltos” no rosto, onde apenas um pequeno véu esconde a cara mas deixa movimentos livres para comer e beber. Dizem os homens argelinos que o Haïk é genuíno, nacional, terá servido como resistência contra os Árabes, quando estes, depois dos Romanos e dos Otomanos, invadiram o Maghreb no século VII, assim como contra os Franceses, quando estes colonizaram no século XIX. Também serviu, nos anos sessenta do século XX, para disfarçar guerrilheiros que levavam bombas debaixo dos panos! Hoje, há mesmo quem diga que este véu deve resistir aos véus iranianos, sauditas e afegãos… Sempre contra as mulheres, claro! Mesmo com essa risível desculpa de que liberta as mulheres dos olhares concupiscentes dos homens e mantém-lhes a decência e o pudor…

DN, 23 de Setembro de 2016

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Sem emenda - As esquerdas e o dinheiro


Sempre se disse que as esquerdas têm um problema com o dinheiro. A começar pelo facto de não o terem. É natural. Tivessem dinheiro e talvez não fossem esquerdas. Com algumas excepções, as pessoas de esquerda não têm muito. Por isso, quando estão no governo, têm uma atitude ligeira com o dinheiro dos outros. Querem promover a educação, a saúde, a segurança social e as obras públicas, o que é excelente, só que para isso, que custa tão caro, faz falta o dinheiro. Mas, convencida de que a direita tirou aos pobres para dar aos ricos, a esquerda também quer reverter e devolver aos pobres… No entanto, dar é uma coisa. Crescer e distribuir é outra, bem diferente e mais difícil. Mas a verdade é que uma e outra, esquerda e direita, desde 2000, não conseguem investir nem crescer.

Nos bons tempos, gasta-se o que se tem. Nos anos difíceis, gasta-se o que não se tem. Depois, é necessário encontrar dinheiro. As soluções: fazê-lo, pedi-lo emprestado ou ir buscá-lo onde ele está. Portugal está a viver um período desses, dos maus. Só que não se pode fazer dinheiro, o Banco de Portugal e a Casa da Moeda já não servem para isso. Pedir emprestado, é o que se vai fazendo, mas está cada vez mais caro. E quem tem dinheiro ficou exigente: ou não empresta ou impõe condições proibitivas. O que se deve é tanto que só os juros levam os recursos para investimento. Foi aliás por causa de se ter pedido a mais que chegámos onde estamos.

Sobra, portanto, a última hipótese. Ir buscá-lo onde ele está. Em primeiro lugar, entre os capitalistas do mundo inteiro, para investir. Seria o ideal. Só que Portugal não oferece hoje, nem sequer nos últimos anos, boas condições. Não sabe criar incentivos nem atrair investimento. Se não há capitalistas lá fora, é preciso ir ter com os de cá de dentro. E levá-los a investir. Só que… Já não há! Ou quase não há! O capitalismo português acabou. Sobravam uns banqueiros, umas empresas e umas famílias: faliram, estão depenados, levaram o seu dinheiro para outros países ou não têm confiança no regime e no governo. O dinheiro dos bancos já não existe ou está preso pelo BCE. Os bancos já não têm que chegue e precisam dos contribuintes!

Há, evidentemente, o dinheiro dos turistas, mas não é suficiente. Há o dos emigrantes: é bom, apesar de já não ser o que era, mas também não chega para as encomendas. Há finalmente os dinheiros europeus, os famosos “fundos”. Esses são excelentes, essenciais há mais de trinta anos, mas o montante já não é o que era. Além disso, estão sob controlo europeu cada vez mais apertado e presos na tenaz burocrática portuguesa. E também em risco de suspensão, dado o mau comportamento financeiro do governo e do país. Os fundos já não são a solução!

Se o que havia fugiu e se não se atrai o que está lá fora, só resta mesmo ir à receita miraculosa dos comunistas, do Bloco e dos socialistas mais nervosos: ir buscá-lo onde está! É há anos a receita infalível. Os dirigentes políticos dos novos aliados do PS sempre o disseram. Ir buscá-lo onde? Aos ricos. Às contas bancárias. Às empresas. Às casas. O problema é que não há ricos. Ou antes, não há ricos que cheguem. Os que tinham dinheiro já o puseram a recato. E o dinheiro já não chega. Por conseguinte, vamos aos que se seguem, todos os que têm alguma coisa. Passam a ser todos ricos. Por exemplo, para já, aos que têm património de mais de 500 mil euros… Faz-se uma lei sem saber quantas pessoas, quantas casas, qual o rendimento… Não se faz a mínima ideia, o governo não define o que é um rico, nem um pobre. É quem convém. E se não chega, arranjar-se-á mais, com os impostos indirectos, antes de se passar aos directos. E a tudo o que vive. Tudo o que tem ou ganha qualquer coisa. Até se chegar aos remediados. Até deixar de haver ricos. Mesmo que então já só haja pobres…
DN, 18 de Setembro de 2016

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

Escadaria do Arco de La Défense, em Paris – Estes degraus ficam na base do Arco da Defesa, La Grande Arche de la Défense, construído nos anos oitenta, inaugurado em 1989, para comemorar o bicentenário da Revolução francesa, mandado erigir pelo Presidente Mitterrand, a pensar no Arco do Triunfo, não muito longe dali. Foi concebido pelo arquitecto dinamarquês Johann Otto von Spreckelsen (nunca viu a sua obra, morreu dois anos antes do acabamento). Esta imagem faz-me sempre pensar em Aragon: “Et quand il croît ouvrir ses bras, son ombre est celle d’une croix”.

DN, 18 de Setembro de 2016

domingo, 11 de setembro de 2016

Sem emenda - Pactos

Em recente intervenção pública, na abertura do ano judicial, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa distinguiu-se com a apresentação da sua proposta para um novo Pacto de Justiça. Consciente de que tinha havido, no passado, várias experiências efémeras e diversas tentativas goradas, logo acrescentou que a sua sugestão implicava um novo método, uma maneira original de elaborar tal Pacto. Não seria recomendável que este fosse o resultado de negociações partidárias, nem imposto pelas autoridades ou pelos órgãos de soberania. Pensa-se que a sua ideia era a de que o Pacto deveria começar a ser preparado pelas “pessoas”, pelas organizações, pelos “agentes”, pelos “actores” ou pelos “protagonistas” da Justiça.

Por outras palavras, os preparativos pertenceriam aos Juízes e suas associações, aos Procuradores e seu sindicato e aos Conselhos de Magistratura, assim como à Procuradoria-geral, ao Provedor, aos Supremos tribunais, ao Tribunal Constitucional, à Ordem dos Advogados, aos sindicatos e às associações de oficiais de Justiça, às polícias e seus sindicatos e associações. Já agora, por que não, aos eternos esquecidos que são as Faculdades de Direito. Depois de elaborado e após a sua discussão, seria a vez de os partidos políticos e as instituições (Presidente, Parlamento e Governo) se pronunciarem e darem força politica e de lei ao que seria esse pacto.

            Vale a pena fazer um breve exercício de memória e recordar que já houve um Pacto de Justiça efectivo e várias tentativas. Em particular o Pacto de Justiça entre o PS e o PSD, durante o governo de José Sócrates, com Alberto Costa ministro da Justiça e Luís Marques Mendes líder do PSD. O então Presidente da República, Cavaco Silva, patrocinou o acordo. Depois, já com Luís Filipe Menezes à cabeça do PSD, o pacto foi denunciado, gesto de que os dois partidos se culparam reciprocamente. Percebeu-se na altura que o “Pacto de Justiça” era simplesmente um acordo de conveniência, parcial e parcelar, sem fé nem sinceridade. Não durou. Não deu frutos. Não teve vida feliz nem longa.

Antes disso, Laborinho Lúcio tentou, em vários momentos e diferentes posições institucionais. Rui Machete também se esforçou por isso. António Guterres, líder do PS e Primeiro-ministro, tentou fazer um pacto, formulado e desenvolvido por Almeida Santos, mas nada conseguiu. Ainda em 2012, na abertura do ano judicial, o Presidente Cavaco Silva pedia, sem eco nem resposta, um Pacto de Justiça.
           
A história recente dos pactos políticos pode começar lá atrás, nos famosos pactos MFA/Partidos I e II e incluir acordos políticos que, sem se chamarem pactos, serviram como tal: por exemplo, a Constituição e suas duas principais revisões. Um pouco de recordação dá rápidos frutos e lembra-nos vários princípios. Há “pactos” que o não são, pois resultam da imposição pela força: foi o caso do Movimento das Forças Armadas em 1975. Quanto aos pactos voluntários, só existem quando um partido de governo pretende camuflar a sua impotência ou deseja ter um aliado para partilhar problemas. Segundo, os pactos em Portugal são facilmente denunciados e por isso mesmo não são levados a sério. Terceiro, os chamados “protagonistas” (magistrados, procuradores, advogados, policias, etc.) são justamente os responsáveis pelas principais divergências corporativas e deles, por iniciativa própria, só se pode esperar guerra e não um início de entendimento. Quarto, não há elaboração de pacto sem que haja um árbitro com influência, um mediador com autoridade ou um líder respeitado com legitimidade. Finalmente, não existe qualquer hipótese de “pacto”, sectorial ou de regime, sobre o que quer que seja, quando o país está dividido entre esquerda e direita, o que hoje acontece, com tendência para agravamento. O Presidente da República sabe isto muito bem.
DN, 11 de Setembro de 2016