É simplesmente desmoralizante.
Ver e ouvir os serviços de notícias das três ou quatro estações de televisão é
pena capital. A banalidade reina. O lugar-comum impera. A linguagem é automática.
A preguiça é virtude. O tosco é arte. A brutalidade passa por emoção. A
vulgaridade é sinal de verdade. A boçalidade é prova do que é genuíno. A
submissão ao poder e aos partidos é democracia. A falta de cultura e de
inteligência é isenção profissional.
Os serviços de notícias de uma
hora ou hora e meia, às vezes duas, quase únicos no mundo, são assim porque não
se pode gastar dinheiro, não se quer ou não sabe trabalhar na redacção, porque
não há quem estude nem quem pense. Os alinhamentos são idênticos de canal para
canal. Quem marca a agenda dos noticiários são os partidos, os ministros e os
treinadores de futebol. Quem estabelece os horários são as conferências de
imprensa, as inaugurações, as visitas de ministros e os jogadores de futebol.
Os directos excitantes, sem
matéria de excitação, são a jóia de qualquer serviço. Por tudo e nada, sai um
directo. Figurão no aeroporto, comboio atrasado, treinador de futebol mal
disposto, incêndio numa floresta, assassinato de criança e acidente com camião:
sai um directo, com jornalista aprendiz a falar como se estivesse no meio da
guerra civil, a fim de dar emoção e fazer humano.
Jornalistas em directo gaguejam
palavreado sobre qualquer assunto: importante e humano é o directo, não
editado, não pensado, não trabalhado, inculto, mal dito, mal soletrado, mal
organizado, inútil, vago e vazio, mas sempre dito de um só fôlego para dar
emoção! Repetem-se quilómetros de filme e horas de conversa tosca sobre
incêndios de florestas e futebol. É o reino da preguiça e da estupidez.
É absoluto o desprezo por tudo
quanto é estrangeiro, a não ser que haja muitos mortos e algum terrorismo pelo
caminho. As questões políticas internacionais quase não existem ou são
despejadas no fim. Outras, incluindo científicas e artísticas, são esquecidas. Quase
não há comentadores isentos, ou especialistas competentes, mas há partidários
fixos e políticos no activo, autarcas, deputados, o que for, incluindo
políticos na reserva, políticos na espera e candidatos a qualquer coisa!
Cultura? Será o ministro da dita. Ciência? Vai ser o secretário de Estado
respectivo. Arte? Um Director-geral chega.
Repetem-se as cenas pungentes,
com lágrima de mãe, choro de criança, esgares de pai e tremores de voz de toda
a gente. Não há respeito pela privacidade. Não há decoro nem pudor. Tudo em
nome da informação em directo. Tudo supostamente por uma informação humanizada,
quando o que se faz é puramente selvagem e predador. Assassinatos de
familiares, raptos de crianças e mulheres, infanticídios, uxoricídios e outros
homicídios ocupam horas de serviços.
A falta de critério profissional,
inteligente e culto é proverbial. Qualquer tema importante, assunto de relevo
ou notícia interessante pode ser interrompido por um treinador que fala, um
jogador que chega, um futebolista que rosna ou um adepto que divaga.
Procuram-se presidentes e
ministros nos corredores dos palácios, à entrada de tascas, à saída de reuniões
e à porta de inaugurações. Dá-se a palavra passivamente a tudo quanto parece
ter poder, ministro de preferência, responsável partidário a seguir. Os
partidos fazem as notícias, quase as lêem e comentam-nas. Um pequeno partido de
menos de 10% comanda canais e serviços de notícias.
A concepção do pluralismo é de
uma total indigência: se uma notícia for comentada por cinco ou seis
representantes dos partidos, há pluralismo! O mesmo pode repetir-se três ou
quatro vezes no mesmo serviço de notícias! É o pluralismo dos papagaios no seu
melhor!
Uma consolação: nisto, governos e
partidos parecem-se uns com os outros. Como os canais de televisão.
DN, 25 de Setembro de
2016