- No final da ditadura, o que mais nos distanciava dos restantes países
europeus?
A pobreza. A ignorância. A saúde pública. A falta de liberdade. Era o
que nos distinguia dos europeus, em todo o caso da maioria dos europeus. Os
últimos dez a quinze anos de ditadura tinham no entanto mudado muita coisa. Em
resultado da integração europeia (EFTA), da emigração para a Europa, da guerra
em África e do turismo, havia desenvolvimento industrial, muito investimento
externo, praticamente pleno emprego, oportunidades de trabalho na cidade e na
indústria e alguma pressão liberal ou democrática. O período que vai de 1960 a
1974 é o período de maior crescimento económico da história de Portugal. Foi
pena não ter havido desenvolvimento político. Foi nesse período que surgiu o
início daquela que vai ser a classe média. Frágil. Recente. E dependente do
Estado.
- Quais foram as maiores conquistas da sociedade portuguesa desde então?
As liberdades públicas. O sistema democrático. O Estado de protecção
social (saúde, educação e segurança social universais). A presença da mulher no
espaço público. Um formidável melhoramento do nível geral de bem-estar e
conforto. A integração europeia. E, com excepção dos últimos anos de crise, a
diminuição das desigualdades sociais e económicas.
- Quais foram os maiores falhanços?
A dependência em que Portugal se colocou perante o estrangeiro e os
credores. A incapacidade do sistema democrático para gerar desenvolvimento
económico. A demagogia da maior parte dos dirigentes políticos e partidários. O
sistema eleitoral amigo do despotismo. A mediocridade ineficiente e atávica do
sistema judicial. A partidarização da Administração Pública. A incapacidade
para conduzir a reconversão económica, designadamente industrial, agrícola,
silvícola e marítima. Na verdade, com a guerra colonial, o estertor da
ditadura, a revolução, a contra-revolução e a demagogia democrática, perdemos
talvez vinte a trinta anos!
- O que é preciso fazer diferente para corrigir esses falhanços?
Mudar o sistema eleitoral. Mudar a Constituição. Alterar o sistema
político, colocando um termo ao famigerado semi-presidencialismo. Reforçar os
poderes do Tribunal de Contas. Criar uma poderosa Inspecção-geral da
Administração Pública. Revogar o regime de autogestão da magistratura. Abolir o
sistema da Administração Pública de “confiança política”.
- Considera que o país está hoje a retroceder nas conquistas feitas? Em
que áreas?
Está a retroceder, com certeza. Há dez anos que o produto decresce e que
nos afastamos da Europa. Os Portugueses têm hoje menos coberturas sociais
(saúde, educação, segurança social) do que tinham há dez anos. A criação de
emprego e de oportunidades está no mais baixo há várias décadas. A emigração
para o estrangeiro retomou há quase dez anos. As expectativas das gerações
jovens são pobres e desoladoras. O sistema político está desacreditado. O
sistema democrático, tal como existe entre nós, não merece confiança.
In «Expresso»
de 13 Jul 13