O Governo não quer aprovar os
seus planos no Parlamento. Nem o Programa de Estabilidade (que antes se chamava
Estabilidade e Crescimento), nem o Programa Nacional de Reformas, uma versão
desenvolvida do documento vácuo que tínhamos conhecido há umas semanas. O
Governo entende, erradamente, que basta aprovar os seus planos, tão ou mais
importantes do que o orçamento anual, nas reuniões paralelas com o PCP e o
Bloco, após o que seguiriam para a União Europeia onde, com mais ou menos
dificuldade, tudo seria aprovado.
Como é evidente, tal visão das
coisas é pouco inteligente e nada democrática. As reuniões paralelas entre
aliados não substituem o parlamento. A aprovação dos programas a Assembleia, mesmo
que seja só com os votos dos aliados, dá força à posição do governo e do país.
Os cidadãos apreciam. A democracia funciona.
Ainda não se sabe se vai haver
voto formal ou não, nem quando. Mas é possível que tal aconteça. Pena é que
tenha de ser a oposição, sempre acusada de despeito, a insistir para que isso
se faça.
É verdade que, nestes
procedimentos, há um problema ainda não resolvido. Como fazer? Onde se deve
começar, em Lisboa ou em Bruxelas? Se os Programas forem primeiro aprovados em
Bruxelas, por funcionários, que deve fazer o parlamento nacional? Calar e consentir?
Ou recusar e criar um problema de todo o tamanho? Imagine-se então que os
programas são aprovados em Lisboa, no Parlamento, e só depois seguem para
Bruxelas. Se a União aprovar, não há problema, a não ser o da menoridade do
Parlamento nacional, pois as suas decisões necessitam de referenda. Mas se a
União não aprovar ou só o faça parcialmente, em que situação fica o Parlamento?
Má, seguramente. Nas condições de um governo maioritário e não endividado, as
soluções seriam encontradas com muita negociação e alguma diplomacia. Assim,
sem maioria mas com dívidas, o fim desta história será sempre negativo.
A não ser evidentemente que se
recorra à mentira, nova especialidade da política portuguesa. A exemplo do que
se tem passado com vários casos actuais, o Governo poderia mentir ao
Parlamento, à União e ao BCE. Com um pouco de sorte, poderíamos escapar por
entre as gotas de água.
É caso para perguntar: que se
passa com os dirigentes políticos portugueses? Raramente, na história recente
de Portugal, se chegou a um ponto como este, de mentira e calúnia! Nem durante
a revolução de 1975! O que se disse e fez a propósito do BPN, do BPP, do BCP,
do BES, do BANIF e agora do BPI, ultrapassa o conhecido e o tolerável. Foram
acusados de mentirosos um Presidente da República, três Primeiros-ministros,
outros tantos ministros das Finanças, o Governador do Banco de Portugal e o vice-presidente
do Banco Central Europeu, além de Comissários europeus, de banqueiros e
bancários. Quanto a deputados, estamos conversados: parlamentares de todos os
grupos acusaram e foram acusados de mentirosos.
O problema não é só de boas
maneiras. É também de informação aos cidadãos e de punição dos mentirosos. Mas
temos a infeliz certeza de que a política castiga mal a mentira. Tem sido
possível mentir na praça pública e ficar impune. Pior: é possível mentir numa
comissão de inquérito e nada acontecer.
O perjúrio em Portugal é
tolerado. Ou mesmo louvado. Um conhecido advogado afirmou um dia em público que
o “dever de qualquer advogado era o de mentir para defender o seu cliente”.
Ninguém, na magistratura, na Ordem, no Parlamento ou na universidade, reagiu.
Na política, não se pensa muito diferente. O êxito político justifica tudo.
Desculpa a mentira e o perjúrio.
A impunidade é, entre nós, uma
regra de comportamento. Um modo de vida. Com os conhecidos desastres dos
bancos, ficam impunes os desmandos dos políticos e dos banqueiros.
Mas a mentira mata! Sobretudo as
vítimas. Os cidadãos.
DN, 24 de Abril de 2016