A Rússia ameaça a paz europeia e mundial. É um risco mortal para os seus vizinhos. É um perigo para toda a Europa. Reintroduziu a violência e a guerra nas relações internacionais. A Rússia agita o fantasma da guerra nuclear. Feriu a liberdade de comércio. Sem capacidade política ou intelectual; sem trunfos científicos e tecnológicos; sem poder de atracção cultural ou artística; sem vantagens nem trunfos comerciais, a Rússia usa o que tem, as matérias primas e a violência.
A Rússia, o ditador V. Putin, o governo, a classe dirigente e as Forças Armadas são actualmente os piores inimigos da liberdade e da democracia, da Europa e do Ocidente. O governo russo não quer que os exemplos de democracia e de liberdade contagiem o seu povo.
Na Ucrânia, deliberadamente, os Russos destroem cidades, bombardeiam edifícios residenciais e fazem explodir fábricas, escolas e hospitais. Assumidamente maltratam toda a gente, matam, violam, torturam e prendem civis e militares, homens e mulheres, adultos e crianças. Atacam quem se atravesse no seu caminho, quem procuram e quem encontram. Liquidam domésticas, profissionais, estudantes, médicos, professores, enfermeiros, trabalhadores…. Basta existir e estar vivo para ser um candidato a ser assassinado.
É verdade que a crueldade e a violência são constantes na história dos russos dos últimos séculos. Tal como a escravidão e a servidão. Sem falar na espionagem, na denúncia, na delação, no policiamento e na censura. Mesmo sabendo que se trata de uma característica permanente de um Estado, não podemos deixar de ficar impressionados com o grau de violência a que se chegou na Ucrânia.
As principais armas e os principais meios de acção dos Russos são o bombardeamento, o assassinato, o gás, o petróleo e os cereais. Não têm ciência e tecnologia bastantes, não têm engenharia e empresas suficientes, nem oferecem mercado e oportunidades. Restam-lhes as matérias primas e a violência militar.
A Rússia quer destruir a NATO porque esta é uma aliança de países democráticos, liderada pelos Estados Unidos, é certo, mas na qual todos os Estados têm uma palavra e um voto, todos os que foram admitidos tiveram uma decisão democrática, ninguém foi forçado. A NATO é o exemplo de aliança política e militar que a Rússia abomina, predestinada como se sente para o poder imperial, a federação aparente e a obediência dos vizinhos. As forças armadas americanas ou as da NATO nunca tiveram de invadir países membros, o que a Rússia e a União Soviética fizeram várias vezes na Hungria, na Checoslováquia, na Alemanha, na Polónia, na Geórgia…
A Rússia não tolera o facto de metade dos países da NATO serem antigos comunistas e terem pertencido à esfera de influência russa. A Rússia não quer apenas destruir a NATO, tenta também aniquilar a União Europeia, pela simples razão que esta é hoje um símbolo da democracia, exemplo para muitos povos.
Tal como nos últimos séculos, a Rússia, hoje, quer segurar o seu actual império, conquistar os vizinhos próximos, ameaçar os vizinhos afastados, limitar e condicionar as decisões soberanas de todos os países do continente europeu, rivalizar com a NATO, destruir a União Europeia, impedir a liderança chinesa na Ásia e no Pacífico, condicionar meio mundo, partilhar o planeta…
Há países por esse mundo fora que fazem pior do que a Rússia? Provavelmente, não. De qualquer maneira, o mal, a crueldade e a violência dos outros não justificam a de ninguém. Será que na Ucrânia, há ou havia, também, corrupção, violência e falta de liberdade? É possível. Mas nada justifica que os Russos a tenham invadido e destruído como estão a fazer.
Será que a Europa, os Estados Unidos, a NATO e a UE “têm culpas no cartório”? São russófobos, aproximaram-se excessivamente das fronteiras russas, meteram medo a Putin, não respeitaram os espaços de influência, não previram os medos dos Russos e os receios de Putin? É possível. Mas nada disso justifica a invasão, nada desculpa a violência.
Temas muito tratados são os dos erros dos europeus, das políticas da NATO e das imposições dos americanos. Sem falar no que europeus, americanos e ocidentais fizeram ou terão feito no Vietname, no Iraque, na Líbia e noutras paragens. Verdade é que nenhum erro e nenhuma violência, por mais condenáveis que sejam, desculpam a invasão da Ucrânia pelos Russos.
Entre os “erros europeus”, está a nova dependência ocidental. Os países confiaram na Rússia, aceitaram as suas imposições comerciais, albergaram os seus oligarcas, acolheram os seus mafiosos, encaminharam os investimentos dos traficantes e dos corruptos russos. Consideraram a Rússia como um parceiro normal, um cliente igual aos outros e um fornecedor em quem se pode confiar. Deixaram-se seduzir pelas facilidades do gás barato, do petróleo acessível e dos transportes fáceis, a ponto de permitir que as nações Europeias ficassem dependentes da Rússia, até quase à perda de decisão livre. Todos estes interesses falharam e têm o seu preço. Todos estes “erros” se pagam. E a Europa vai pagá-los durante anos. Tudo isso pode ser verdade, mas nada disso justifica a invasão e a violência. E nada disso serve para uma “balança moral”, isto é, os erros dos europeus teriam a mesma gravidade que a violência russa.
Temas igualmente referidos por quem procura justificar a invasão russa são os da desigualdade social, da exploração capitalista e da corrupção em tantos países ocidentais. Verdade é que a Rússia é pelo menos tão desigual, exploradora e corrupta. E nada disso justificaria uma guerra não provocada, uma invasão violenta e uma destruição cruel. Todos os defeitos, contradições e conflitos existentes no Ocidente democrático são passiveis de serem debatidos e resolvidos através do funcionamento da democracia, com recurso aos direitos e liberdades fundamentais: liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de associação e eleições livres. Não é, consabidamente, o caso da Rússia, onde não há liberdade de expressão, mas há censura, onde não há eleições livres, mas há prisão, onde não há liberdade de associação, mas há o assassinato político.
A Rússia pode orgulhar-se. Volta finalmente a ter peso no mundo: é o maior inimigo da liberdade, o maior perigo para a democracia e a maior ameaça contra a paz.
Público, 25.6.2022