O senhor França Morte foi um grande armador de pesca. O seu filho, que também é, decidiu mandar construir um arrastão, muito moderno e de enorme capacidade, a que deu nome de seu pai. O barco, atracado ao cais da Gafanha da Nazaré, estava a receber os últimos retoques, na véspera do dia da sua primeira viagem para o mar alto! (2006).
quinta-feira, 30 de outubro de 2008
domingo, 26 de outubro de 2008
Justiça e sociedade em Portugal, 2006 - Algumas reflexões
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DIZ-SE QUE OS “POVOS TÊM OS GOVERNOS QUE MERECEM”. Não falta quem pense que os governantes são, nas qualidades e nos defeitos, iguais aos governados. Houve um presidente da Televisão portuguesa que, perante críticas à qualidade das emissões, assegurou a opinião pública que a televisão era como o povo, nem melhor, nem pior. É frequente referir-se a condição dos dirigentes políticos como sendo igual à dos cidadãos. Já ouvi, nestes últimos anos, pessoas qualificadas garantir que os magistrados não são mais do que homens e mulheres como os outros. E já me foi dito, a mim e a milhares de telespectadores, que “os portugueses têm a justiça que merecem”.
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Eis afirmações, próximas daquilo que se chama o “senso comum”, que merecem breve análise e comentário. Não concordo com nenhuma delas. A ideia de que os dirigentes são pessoas iguais às outras, que têm os mesmos limites e as mesmas fraquezas, assim como os mesmos talentos e qualidades, pode ser interessante, do ponto de vista eleitoral ou demagógico. Quem quer seduzir, procura ser igual, para ser amado. Ou, pelo menos, afirma ser igual, mesmo quando assim não pensa. Mostra humildade, mesmo que não seja sincera, ao mesmo tempo que parece promover ou louvar o seu interlocutor. Na verdade, quem assim se comporta está geralmente a reconhecer as suas fragilidades e a sua impotência. Pior ainda: a desculpar-se, com a sociedade, pelos seus erros. A culpar os níveis gerais de cultura, instrução, eficiência, consciência e civismo pelos seus próprios limites. A imputar aos “outros”, ao “sistema” ou ao “país” as responsabilidades pela sua resignação, pela sua falta de energia ou pelo seu conformismo.
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Eis afirmações, próximas daquilo que se chama o “senso comum”, que merecem breve análise e comentário. Não concordo com nenhuma delas. A ideia de que os dirigentes são pessoas iguais às outras, que têm os mesmos limites e as mesmas fraquezas, assim como os mesmos talentos e qualidades, pode ser interessante, do ponto de vista eleitoral ou demagógico. Quem quer seduzir, procura ser igual, para ser amado. Ou, pelo menos, afirma ser igual, mesmo quando assim não pensa. Mostra humildade, mesmo que não seja sincera, ao mesmo tempo que parece promover ou louvar o seu interlocutor. Na verdade, quem assim se comporta está geralmente a reconhecer as suas fragilidades e a sua impotência. Pior ainda: a desculpar-se, com a sociedade, pelos seus erros. A culpar os níveis gerais de cultura, instrução, eficiência, consciência e civismo pelos seus próprios limites. A imputar aos “outros”, ao “sistema” ou ao “país” as responsabilidades pela sua resignação, pela sua falta de energia ou pelo seu conformismo.
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.Dada a sua grande extensão, o texto integral foi afixado à parte - v. [aqui].
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Luz - Escada Tormes
Tormes é uma terra virtual. É uma aldeia sonhada por Eça de Queirós em “A cidade e as serras”. O nome da ficção acabou por dar nome à terra real. Ali, a mulher de Eça tinha uma casa e uma quinta. Eça esteve lá uma única vez, não mais de dois dias, detestou o desconforto, o frio, o nevoeiro, tudo. Fugiu. A família, décadas depois, conservou a casa, arranjou-a primorosamente, ali produz vinho verde de boa qualidade. Ali estão umas recordações e umas relíquias do escritor. Quando lá cheguei, este senhor aparava a hera. Com a minúcia de uma manicura. (1990).
domingo, 19 de outubro de 2008
O envelhecimento da população: a saúde e novos desafios sociais
QUANDO SE FALA da “parte fraca” da sociedade, sempre pensamos em crianças, nos idosos e nos doentes.
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Uma inspiração marcante no desenvolvimento do Estado de protecção ou no Estado Providência é justamente essa: no cuidado a ter para com os mais fracos: as crianças, os doentes e os idosos.
Acontece que, pela minha observação pessoal (que não reputo representativa), noto os imensos progressos feitos no cuidado das crianças e dos doentes e sublinho a menor atenção, a muito menor atenção prestada aos idosos.
Nas últimas décadas, ao mesmo tempo que os cuidados destinados às crianças e aos doentes não cessaram de aumentar, a marginalidade e a solidão dos idosos não parou de crescer.
Uma inspiração marcante no desenvolvimento do Estado de protecção ou no Estado Providência é justamente essa: no cuidado a ter para com os mais fracos: as crianças, os doentes e os idosos.
Acontece que, pela minha observação pessoal (que não reputo representativa), noto os imensos progressos feitos no cuidado das crianças e dos doentes e sublinho a menor atenção, a muito menor atenção prestada aos idosos.
Nas últimas décadas, ao mesmo tempo que os cuidados destinados às crianças e aos doentes não cessaram de aumentar, a marginalidade e a solidão dos idosos não parou de crescer.
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Ao mesmo tempo que as crianças devem ter toda a espécie de cuidado, protecção e instituições (até para os pais poderem ir trabalhar) e vão-no recebendo, são cada vez mais os idosos que devem deixar a casa da família, ir viver sozinhos, ir residir em lares especializados, arrastarem-se sozinhos por hospitais e casas de saúde, enfim, morrer sozinhos.
Os doentes serão amanhã saudáveis (a não ser que sejam velhos...). As crianças serão amanhã homens e mulheres, trabalhadores, técnicos e profissionais. Os idosos amanhã não serão nada. Deles nada ou pouco se espera. Eles próprios, muitos deles, não têm esperança.
Olhemos para eles, num jardim público, num supermercado, sozinhos ou aos pares, arrastando-se devagar. Por vezes, atrás dos filhos, com sinais no rosto de estarem “a ser passeados”, nem sempre com afecto e vontade suficientes. Ficam horas a olhar para as montras. Sentam-se em bancos de improviso. Não têm poder de compra, poucos se interessam por eles, não são bons clientes. Já não têm força para subir escadas, nem para carregar embrulhos.
Quantos deles não desejariam, acima de tudo, ser independentes, não estar a viver à custa de outro ou não precisar dos outros para tudo! E, no entanto, são muitas vezes a imagem mesmo da dependência. O que só aumenta o seu sofrimento. Porque padecem de tudo: da dependência e da solidão.
A sociedade, para os velhos, nunca mais voltará a ser o que muitos pensam que foi (e nem sempre foi verdade): o fim de vida passava-se com as novas gerações. Por mais que não me queira sentir resignado, não consigo ver uma evolução do sociedade tal que os idosos possam um dia terminar os seus dias em companhia daqueles de quem gostam, os do seu sangue e das suas histórias.
A sociedade conheceu mil e um progressos e melhoramentos de toda a espécie: culturais, políticos, sanitários, tecnológicos, no conforto e no bem-estar. Mas, num caso, talvez num só caso, conheceu mais regressos e mais crueldade do que progressos: foi no caso dos idosos. As gerações adultas e activas separam-se dos seus idosos de modo crescente e irreversível.
Se não é possível voltar atrás (não tenho aliás a certeza de que seja esse o caminho...), então pelo menos temos a obrigação de pensar, imaginar e pôr em prática soluções que criem para os idosos um fim de vida menos dramático e menos doloroso. Com uma certeza: não são os meios materiais, nem sequer organizativos, que constituirão as verdadeiras soluções. Se não forem humanas, não serão soluções.
Para além de tudo o mais que não possuem (energia, saúde, resistência, esperança, força física, poder de compra...) os idosos não têm capacidade reivindicativa. Quer isto dizer que os poderes públicos, os afortunados, as organizações sociais, as associações e todos os grupos humanos nunca acodem aos idosos por necessidade. Ou por a isso serem forçados. Por isso os esquecem e desprezam. Só se acode aos idosos por profundo sentimento humano. Por solidariedade. E por afecto. O tratamento dos idosos é assim a mais séria e mais drástica prova que as sociedades enfrentam. A prova da sua humanidade.
Ao mesmo tempo que as crianças devem ter toda a espécie de cuidado, protecção e instituições (até para os pais poderem ir trabalhar) e vão-no recebendo, são cada vez mais os idosos que devem deixar a casa da família, ir viver sozinhos, ir residir em lares especializados, arrastarem-se sozinhos por hospitais e casas de saúde, enfim, morrer sozinhos.
Os doentes serão amanhã saudáveis (a não ser que sejam velhos...). As crianças serão amanhã homens e mulheres, trabalhadores, técnicos e profissionais. Os idosos amanhã não serão nada. Deles nada ou pouco se espera. Eles próprios, muitos deles, não têm esperança.
Olhemos para eles, num jardim público, num supermercado, sozinhos ou aos pares, arrastando-se devagar. Por vezes, atrás dos filhos, com sinais no rosto de estarem “a ser passeados”, nem sempre com afecto e vontade suficientes. Ficam horas a olhar para as montras. Sentam-se em bancos de improviso. Não têm poder de compra, poucos se interessam por eles, não são bons clientes. Já não têm força para subir escadas, nem para carregar embrulhos.
Quantos deles não desejariam, acima de tudo, ser independentes, não estar a viver à custa de outro ou não precisar dos outros para tudo! E, no entanto, são muitas vezes a imagem mesmo da dependência. O que só aumenta o seu sofrimento. Porque padecem de tudo: da dependência e da solidão.
A sociedade, para os velhos, nunca mais voltará a ser o que muitos pensam que foi (e nem sempre foi verdade): o fim de vida passava-se com as novas gerações. Por mais que não me queira sentir resignado, não consigo ver uma evolução do sociedade tal que os idosos possam um dia terminar os seus dias em companhia daqueles de quem gostam, os do seu sangue e das suas histórias.
A sociedade conheceu mil e um progressos e melhoramentos de toda a espécie: culturais, políticos, sanitários, tecnológicos, no conforto e no bem-estar. Mas, num caso, talvez num só caso, conheceu mais regressos e mais crueldade do que progressos: foi no caso dos idosos. As gerações adultas e activas separam-se dos seus idosos de modo crescente e irreversível.
Se não é possível voltar atrás (não tenho aliás a certeza de que seja esse o caminho...), então pelo menos temos a obrigação de pensar, imaginar e pôr em prática soluções que criem para os idosos um fim de vida menos dramático e menos doloroso. Com uma certeza: não são os meios materiais, nem sequer organizativos, que constituirão as verdadeiras soluções. Se não forem humanas, não serão soluções.
Para além de tudo o mais que não possuem (energia, saúde, resistência, esperança, força física, poder de compra...) os idosos não têm capacidade reivindicativa. Quer isto dizer que os poderes públicos, os afortunados, as organizações sociais, as associações e todos os grupos humanos nunca acodem aos idosos por necessidade. Ou por a isso serem forçados. Por isso os esquecem e desprezam. Só se acode aos idosos por profundo sentimento humano. Por solidariedade. E por afecto. O tratamento dos idosos é assim a mais séria e mais drástica prova que as sociedades enfrentam. A prova da sua humanidade.
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Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, 4 de Dezembro de 2000
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Luz - Prédio, Olaias, Lisboa
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Apesar de modernos, eventualmente confortáveis, mas com enfeites e rodriguinhos, estes prédios (nas Olaias, em Lisboa) não são exemplos de bom gosto! (2006).
domingo, 12 de outubro de 2008
A nossa Casa do Douro
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TARDIAMENTE ALERTADO para a edição de um número especial do “Notícias do Douro” dedicado à nossa Casa do Douro, não tive tempo para escrever o artigo que desejaria. Mas não quero deixar de estar presente, nem que seja sob a forma singela de um testemunho breve.
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Todos sabemos que existe uma crise. Ela tem todos os condimentos: financeiro, político, legal, social e técnico. As razões e as causas desta crise são muitas. Estão, em maioria, detectadas. Algumas residirão seguramente na lavoura e nos seus representantes. Ninguém está isento de responsabilidades. Ninguém poderá atirar a primeira pedra. Mas a maior parte das causas pertencem ao governo. Aos governos que, nas três últimas décadas, mudaram várias vezes de política e de atitude, ignoraram os problemas do Douro, julgaram ser omniscientes, tiveram ideias e invenções ou, mais prosaicamente, desprezaram a região, os lavradores e a sua organização.
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Trinta anos não foram suficientes para que as autoridades, governos e parlamento, dessem à região um figurino institucional estável e sério. E sobretudo compatível com duas realidades que parecem, e por vezes são, contraditórias: por um lado, os interesses, a especificidade e as tradições da Região Demarcada do Douro; por outro lado, as realidades contemporâneas e as necessidades de adequação aos mercados e às instituições europeias. Assim foi que a Casa do Douro, ora deixada a si própria, ora vergada sob a autoridade do governo, assistiu ao seu próprio declínio.
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Uma vez mais, não se devem enjeitar as responsabilidades próprias, nem por cumplicidade ou solidariedade, aquelas que levariam os durienses a vituperar contra os de fora, os governantes e outros. A melhor maneira de alguém se fortalecer exige que conheça os seus próprios erros e defeitos. Os representantes da lavoura duriense nem sempre tiveram ideias claras sobre a Casa do Douro que queriam, com que funções e com que poderes. Hesitaram entre o organismo majestático ou corporativo; entre a associação obrigatória ou livre; entre a assembleia regional ou apenas da lavoura; entre a empresa comercial e o sindicato. Essa falta foi grave, pois retirou à lavoura a capacidade de persistir num combate coerente e defender uma ideia firme.
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Está chegada a altura, creio, de organizar a Casa do Douro à volta de uma ideia partilhada pela maior parte da lavoura. Não me compete sequer sugerir qual é. Nem sou, infelizmente, produtor ou membro da Casa do Douro, apesar de a considerar também “minha”. Sei que a Casa deveria representar a lavoura, desempenhar as funções da sua “cabeça” junto do comércio, das autoridades, das entidades europeias, da região no seu conjunto e das outras regiões demarcadas. Que, para isso, deveria proceder a todos os passos necessários de reflexão, de congregação de vontades e esforços. Que deveria obter apoio legal e jurídico junto dos políticos e dos juristas capazes de ajudar a desenhar o figurino institucional mais adequado. Que deveria desempenhar funções de relevo junto dos agricultores, tanto nos planos técnicos como nos económicos. Que deveria levar a cabo acções de formação, designadamente na área da gestão empresarial e cooperativa, que exibe tantas deficiências na região e que cada vez mais se revela crucial para o desenvolvimento. E que não deveria desistir de ser parceira essencial e indispensável na definição e aplicação das regras de disciplina no sector.
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Este último aspecto é dos mais importantes. Sem disciplina, os sectores do vinho do Porto e dos vinhos DOC estão ameaçados de morte. Sempre foi assim no passado, sempre será assim no futuro. Os durienses sabem isso muito bem. Ora, com as pressões recentes da União Europeia, há perigos no horizonte. Além disso, há operadores económicos, sobretudo fora da região, que gostariam de destruir muitas das normas de disciplina que fizeram a glória e o êxito do vinho do Porto. A ideia de que um sector de vinhos excepcionais pode sobreviver numa situação de total liberdade de produção e comércio é absurda. A hipótese de abolir as demarcações de origem e as respectivas regras é simplesmente uma hipótese de morte para a região e os seus vinhos. Deve haver evolução das regras, adaptação a novas realidades, capacidade para introduzir inovações e flexibilidade suficiente para fazer novas experiências. Tudo isso é verdade e é necessário dizê-lo, pois a estagnação e o imobilismo também fazem mal à região. Mas essa evolução não deve nunca prescindir de algumas ideias fortes: os princípios da demarcação de origem, do estabelecimento de regras de autodisciplina, do controlo da qualidade e da orientação ou contenção da produção e do mercado.
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Sem a participação da Casa do Douro, esta disciplina tem todos os defeitos. É imposta do exterior. É legal e politicamente mais frágil. Pode, a qualquer altura, ser destruída com um simples decreto ou uma mera norma europeia. Corres os riscos de não ser respeitada pela própria lavoura que a considera estranha. Fica vulnerável às modas europeias dos mercados de produtos indiferenciados. Finalmente, será um produto de tecnocratas e burocratas indiferentes e ignorantes das realidades e das necessidades de uma lavoura de região demarcada. Por isso, a Casa do Douro não deve abster-se de lutar pela sua participação nas instituições e na elaboração das regras de disciplina. Não deve permitir que o governo a esbulhe do seu património, tanto os vinhos, como os edifícios, o cadastro ou as suas funções.
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Os durienses em geral e a lavoura duriense em particular têm diante de si uma luta difícil e longa. Contra as forças que querem destruir a demarcação e a disciplina. Contra o governo que se delicia numa espécie de braço de ferro com a Casa do Douro, em vez de procurar a cooperação. Mas também, dentro da região e dentro da lavoura, por uma Casa do Douro renovada e sólida. Os durienses, tão orgulhosos dos seus antepassados, designadamente os famosos “Paladinos”, têm a obrigação de fazer hoje aquilo de que os seus filhos e netos se poderão orgulhar dentro de décadas.
TARDIAMENTE ALERTADO para a edição de um número especial do “Notícias do Douro” dedicado à nossa Casa do Douro, não tive tempo para escrever o artigo que desejaria. Mas não quero deixar de estar presente, nem que seja sob a forma singela de um testemunho breve.
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Todos sabemos que existe uma crise. Ela tem todos os condimentos: financeiro, político, legal, social e técnico. As razões e as causas desta crise são muitas. Estão, em maioria, detectadas. Algumas residirão seguramente na lavoura e nos seus representantes. Ninguém está isento de responsabilidades. Ninguém poderá atirar a primeira pedra. Mas a maior parte das causas pertencem ao governo. Aos governos que, nas três últimas décadas, mudaram várias vezes de política e de atitude, ignoraram os problemas do Douro, julgaram ser omniscientes, tiveram ideias e invenções ou, mais prosaicamente, desprezaram a região, os lavradores e a sua organização.
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Trinta anos não foram suficientes para que as autoridades, governos e parlamento, dessem à região um figurino institucional estável e sério. E sobretudo compatível com duas realidades que parecem, e por vezes são, contraditórias: por um lado, os interesses, a especificidade e as tradições da Região Demarcada do Douro; por outro lado, as realidades contemporâneas e as necessidades de adequação aos mercados e às instituições europeias. Assim foi que a Casa do Douro, ora deixada a si própria, ora vergada sob a autoridade do governo, assistiu ao seu próprio declínio.
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Uma vez mais, não se devem enjeitar as responsabilidades próprias, nem por cumplicidade ou solidariedade, aquelas que levariam os durienses a vituperar contra os de fora, os governantes e outros. A melhor maneira de alguém se fortalecer exige que conheça os seus próprios erros e defeitos. Os representantes da lavoura duriense nem sempre tiveram ideias claras sobre a Casa do Douro que queriam, com que funções e com que poderes. Hesitaram entre o organismo majestático ou corporativo; entre a associação obrigatória ou livre; entre a assembleia regional ou apenas da lavoura; entre a empresa comercial e o sindicato. Essa falta foi grave, pois retirou à lavoura a capacidade de persistir num combate coerente e defender uma ideia firme.
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Está chegada a altura, creio, de organizar a Casa do Douro à volta de uma ideia partilhada pela maior parte da lavoura. Não me compete sequer sugerir qual é. Nem sou, infelizmente, produtor ou membro da Casa do Douro, apesar de a considerar também “minha”. Sei que a Casa deveria representar a lavoura, desempenhar as funções da sua “cabeça” junto do comércio, das autoridades, das entidades europeias, da região no seu conjunto e das outras regiões demarcadas. Que, para isso, deveria proceder a todos os passos necessários de reflexão, de congregação de vontades e esforços. Que deveria obter apoio legal e jurídico junto dos políticos e dos juristas capazes de ajudar a desenhar o figurino institucional mais adequado. Que deveria desempenhar funções de relevo junto dos agricultores, tanto nos planos técnicos como nos económicos. Que deveria levar a cabo acções de formação, designadamente na área da gestão empresarial e cooperativa, que exibe tantas deficiências na região e que cada vez mais se revela crucial para o desenvolvimento. E que não deveria desistir de ser parceira essencial e indispensável na definição e aplicação das regras de disciplina no sector.
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Este último aspecto é dos mais importantes. Sem disciplina, os sectores do vinho do Porto e dos vinhos DOC estão ameaçados de morte. Sempre foi assim no passado, sempre será assim no futuro. Os durienses sabem isso muito bem. Ora, com as pressões recentes da União Europeia, há perigos no horizonte. Além disso, há operadores económicos, sobretudo fora da região, que gostariam de destruir muitas das normas de disciplina que fizeram a glória e o êxito do vinho do Porto. A ideia de que um sector de vinhos excepcionais pode sobreviver numa situação de total liberdade de produção e comércio é absurda. A hipótese de abolir as demarcações de origem e as respectivas regras é simplesmente uma hipótese de morte para a região e os seus vinhos. Deve haver evolução das regras, adaptação a novas realidades, capacidade para introduzir inovações e flexibilidade suficiente para fazer novas experiências. Tudo isso é verdade e é necessário dizê-lo, pois a estagnação e o imobilismo também fazem mal à região. Mas essa evolução não deve nunca prescindir de algumas ideias fortes: os princípios da demarcação de origem, do estabelecimento de regras de autodisciplina, do controlo da qualidade e da orientação ou contenção da produção e do mercado.
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Sem a participação da Casa do Douro, esta disciplina tem todos os defeitos. É imposta do exterior. É legal e politicamente mais frágil. Pode, a qualquer altura, ser destruída com um simples decreto ou uma mera norma europeia. Corres os riscos de não ser respeitada pela própria lavoura que a considera estranha. Fica vulnerável às modas europeias dos mercados de produtos indiferenciados. Finalmente, será um produto de tecnocratas e burocratas indiferentes e ignorantes das realidades e das necessidades de uma lavoura de região demarcada. Por isso, a Casa do Douro não deve abster-se de lutar pela sua participação nas instituições e na elaboração das regras de disciplina. Não deve permitir que o governo a esbulhe do seu património, tanto os vinhos, como os edifícios, o cadastro ou as suas funções.
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Os durienses em geral e a lavoura duriense em particular têm diante de si uma luta difícil e longa. Contra as forças que querem destruir a demarcação e a disciplina. Contra o governo que se delicia numa espécie de braço de ferro com a Casa do Douro, em vez de procurar a cooperação. Mas também, dentro da região e dentro da lavoura, por uma Casa do Douro renovada e sólida. Os durienses, tão orgulhosos dos seus antepassados, designadamente os famosos “Paladinos”, têm a obrigação de fazer hoje aquilo de que os seus filhos e netos se poderão orgulhar dentro de décadas.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
domingo, 5 de outubro de 2008
Os 50 anos da Televisão - Quando tudo começou
COMO EM TUDO NA VIDA, também a data verdadeira de início da televisão em Portugal é objecto de discussão. Para uns, foi em Setembro de 1956, quando, num perímetro reduzido à volta da Feira Popular, começaram as emissões experimentais em Lisboa. Ou em Dezembro do mesmo ano, com o segundo ciclo de experiências alargadas à cidade e arredores. Para outros, terá sido a 7 Março de 1957, data oficial das primeiras emissões “a valer”, com as grandes áreas de Lisboa e Porto já abrangidas. Mas ainda há a data legal, a da aprovação do decreto-lei que cria a RTP, em 1955. Assim como a de uma experiência feita no Porto, em 1956, por empresa comercial. Ou, finalmente, a data de chegada das imagens à minha terra, esta sim, efeméride real para tantos portugueses. É a data que eu prefiro. Foi em 1958.
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Dada a sua grande extensão, o texto integral foi afixado à parte - v. [aqui]
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
Luz - Carroça Azambuja
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Perto da Azambuja, próximo de um sítio chamado a Vala Real, existe uma ruína conhecida como o “Palácio”, mas que é de facto o resto de uma antiga Estalagem e Mala-posta. Quem ia para o Norte, saindo de Lisboa, ia de barco até aí, onde pernoitava. De manhã, no dia seguinte, seguia de diligência para o Norte. O local e a função são mencionados por Almeida Garrett nas “Viagens na minha terra”.Trata-se de um enorme e bonito edifício, hoje reduzido a uma ruína só com paredes. A poucos metros de distância, um braço do Tejo. O sítio é todo ele de grande beleza e serenidade. Quando nos aproximamos, vemos duas entradas, uma bordada de palmeiras (é a que vemos na imagem), outra de eucaliptos. Deveriam ser socialmente distintas. Sei que houve já várias tentativas de recuperar o edifício e o local. Por mim e por uma vez prefiro que não lhe toquem. Não vale a pena trazer para ali pizzas e frangos no churrasco, muito menos “spas” e competições desportivas. Na primeira vez que lá estive, algo aconteceu de miraculoso. Passeava entre as palmeiras quando ouço ruídos. Volto-me para trás e vejo esta carroça, saída do fundo dos tempos. (1979).
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