domingo, 31 de maio de 2009

Hoje há Banco!

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TODOS OS ANOS,
por esta altura, depois dos Jacarandás, antes do Verão: a campanha do Banco Alimentar está na rua. Ou antes, nos supermercados e centros comerciais. Umas dezenas de milhares de pessoas, todas voluntárias, preparam-se para recolher toneladas de alimentos que serão depois distribuídos por centenas de organizações de solidariedade. Estas, por sua vez, entregarão os alimentos a centenas de milhares de pessoas. Os voluntários são, em grande parte, jovens, que trazem um ar de festa à operação que, pelas causas, poderia ser circunspecta. Mas também há adultos e mais idosos. São, em maioria, católicos. Mas também há ateus, agnósticos e crentes de outros deuses. Não há a menor influência política ou partidária. A classe média parece ser predominante, mas podem ver-se, tanto nos supermercados como na enorme retaguarda de armazéns, gestores, universitários, trabalhadores, donas de casa, ex-delinquentes, gente obrigada a serviço à comunidade, desempregados e até pobres tão necessitados quanto as pessoas que receberão aqueles alimentos. Os voluntários são a absoluta maioria deste pequeno exército, primorosamente organizado e eficiente.

Toda a gente fica impressionada com a quantidade de alimentos recolhidos nestas campanhas, mais de 3 mil toneladas. Verdade é que tudo isto é pouco mais de 10 por cento do que o Banco distribui por ano! Muito mais tem de ser obtido por outras vias, junto dos industriais, das organizações de produtores, dos comerciantes e dos distribuidores: perto de 20 mil toneladas por ano. Estas quantidades brutais de comida têm de chegar todos os dias, ser arrumadas, distribuídas e entregues a mais de 250 mil pessoas. Líquidos e sólidos, secos e molhados, frescos ou enlatados, com ou sem prazo de validade. Todos os dias! Por voluntários, essencialmente. Couves frescas, maçãs e iogurtes que chegam de manhã cedo, depois de dezenas de quilómetros de viagem, serão distribuídos, 24 horas depois, nas ruas das cidades, aos sem abrigo, ou nas instituições de idosos, de mendigos, de desempregados e de crianças sem família. Todos os dias! Por voluntários. Surgem agora os Bancos não alimentares. Tudo lá vai parar: sempre os excedentes gerados por esta estranha sociedade. Computadores, móveis, latas de tinta, detergentes, roupa, sapatos, colchões, livros, canetas e brinquedos, toneladas de brinquedos! Com excepção dos computadores, não se trata de objectos em segunda mão: tudo novo e ainda embrulhado de origem. O destino é o mesmo: a separação, o arrumo, a classificação e a distribuição.

São já quase vinte os Bancos espalhados pelo país. O mais antigo, de Lisboa, ajuda a organizar os outros, apoia na gestão e na organização. Se estes bancos não existissem, ou quando não existirem, é sinal de que não são necessários. Feliz dia! Para já, são indispensáveis. Recebem a caridade e a solidariedade. Recolhem as sobras desta sociedade perdida em consumo, em produção exagerada e em promoções tolas. Aproveitam os desperdícios das políticas agrícolas e alimentares da Europa. Os excedentes da produção alimentar, retirados do mercado e subsidiados pela União Europeia, constituem uma parte importante dos fornecimentos. São assim reciclados, em vez de serem destruídos. Em certos anos. Mas, noutros, quando os ministérios se esquecem de tratar da papelada, não. O que nunca deveria acontecer.

Globalmente, o Estado não prejudica. Mas também não ajuda muito. Poderia, pelo menos, remover obstáculos. Há inúmeros procedimentos fiscais e sanitários que deveriam ser revistos e adaptados a este caso particular. Há serviços, como consultas médicas, que deveriam ser considerados na colecta fiscal, como o dinheiro ou as mercadorias, mas actualmente não são. Há linhas de apoio, como refeições preparadas, que não podem ser desenvolvidas, porque uma legislação aberrante penaliza quem dá ou ameaça quem cozinha.

O Estado moderno consagrou os direitos sociais e o Estado providência universal. Há mérito nisso. O sistema retira um pouco da humilhação ou da indignidade do pedido de esmola e da mendicidade. Mas esse mesmo Estado é burocrático e desumanizado. Não consegue acudir em situações de emergência. Não é rápido na resposta. Não mobiliza pessoas solidárias e decentes. Não traz uma palavra de reconforto a acompanhar a sopa. Com estas organizações, é o contrário. A proximidade faz a diferença. A humanidade é imediata. A flexibilidade é total. Muitas delas têm anos de experiência e a sua isenção é à prova de bala. Algumas, como este Banco, dariam lições de eficiência e organização a repartições públicas e mesmo a empresas privadas. Por isso os recursos oficiais deveriam ser em grande parte orientados para estas organizações. Muito do dinheiro canalizado para instituições e repartições públicas, a ser repartido por processos morosos e complicados, deveria simplesmente ser entregue às organizações de voluntários que, nos hospitais, nas ruas e a domicílio, fazem o que o Estado dificilmente pode fazer. Aliás, sabe-se, uma parte do dinheiro oficial, distribuído directamente pelo Estado, não chega a quem deveria.

É verdade que os números são impressionantes. Os milhares de toneladas de alimentos. Os milhões de objectos. A rapidez da distribuição. A prontidão quotidiana. As centenas de milhares de beneficiados. As centenas de instituições. A organização e a eficiência. Mas o que realmente impressiona é o número de voluntários. E o espírito que os anima. Religioso ou não. Em missão ou em festa. É fácil estar umas horas num supermercado a receber dádivas. Mas é preciso ir. É divertido passar uma noite a separar latas e embrulhar pacotes. Mas é preciso fazê-lo. Mais ainda, passar um ano, todos os dias, a fazer e distribuir embrulhos! Um ano, quase todos os dias, a entregar alimentos a doentes, velhos, pobres e sem abrigo! Os homens são capazes de tudo. Até de fazer o bem.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 31 de Maio de 2009

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Luz - Prédio em Algés

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Este é um prédio bem português! Feio. Coberto de “marquises”, um verdadeiro “ex-líbris” da arquitectura e da decoração doméstica nacional! Sem falar na roupa pendurada a secar ao sol, de que os portugueses tanto gostam e que os estrangeiros acham “very typical”! Mas que é simplesmente inestético e atrasado! (2006).

domingo, 24 de maio de 2009

Aplicadores

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A PUBLICAÇÃO, pelo Ministério da Educação, do “Manual de Aplicadores” não passou despercebida. Vários comentadores se referiram já a essa tão insigne peça de gestão escolar e de fino sentido pedagógico. Trata-se de um compêndio de regras que os professores devem aplicar nas salas onde se desenrolam as provas de aferição de Português e Matemática. Mais preciso e pormenorizado do que o manual de instruções de uma máquina de lavar a roupa. Mais rígidos do que o regimento de disciplina militar, estes manuais não são novidade. Podem consultar-se os dos últimos quatro anos. São essencialmente iguais e revelam a mesma paranóia controladora: a pretensão de regulamentar minuciosamente o que se diz e faz na sala durante as provas.
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ALGUNS exemplos denotam a qualidade deste manual: “Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste Manual”. “Continue a leitura em voz alta: Passo agora a ler os cuidados a terem ao longo da prova. (...) Estou a ser claro(a)? Querem fazer alguma pergunta?”. “Leia em voz alta: Agora vou distribuir as provas. Deixem as provas com as capas para baixo, até que eu diga que as voltem”. “Leia em voz alta: A primeira parte da prova termina quando encontrarem uma página a dizer PÁRA AQUI! Quando chegarem a esta página, não podem voltar a folha; durante a segunda parte, não podem responder a perguntas a que não responderam na primeira parte. Querem perguntar alguma coisa? Fui claro(a)?”. Além destas preciosas recomendações, há dezenas de observações repetidas sobre os apara-lápis, as canetas, o papel de rascunho, as janelas e as portas da sala. Tal como um GPS (“Saia na saída”), o Manual do Aplicador não esquece de recomendar ao professor que leia em voz alta: “Escrevam o vosso nome no espaço dedicado ao nome”. Finalmente: “Mande sair os alunos, lendo em voz alta: Podem sair. Obrigado(a) pela vossa colaboração”!
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A LEITURA destes manuais não deixa espaço para muitas conclusões. Talvez só duas. A primeira: os professores são atrasados mentais e incompetentes. Por isso deve o esclarecido ministério prever todos os passos, escrever o guião do que se diz, reduzir a zero quaisquer iniciativas dos professores, normalizar os procedimentos e evitar que profissionais tão incapazes tenham ideias. A segunda: a linha geral do ministério, a sua política e a sua estratégia estão inteiras e explícitas nestes manuais. Trata os professores como se fossem imaturos e aldrabões. Pretende reduzi-los a agentes automáticos. Não admite a autonomia. Abomina a iniciativa e a responsabilidade. Cria um clima de suspeição. Obriga os professores a comportarem-se como “robots”.
A ser verdadeira a primeira hipótese, não se percebe por que razão aquelas pessoas são professores. Deveriam exercer outras profissões. Mesmo com cinco, dez ou vinte anos de experiência, estes professores são pessoas de baixa moral, de reduzidas capacidades intelectuais e de nula aptidão profissional. O ministério, que os contratou, é responsável por uma selecção desastrada. Não tem desculpa.
Se a segunda for verdade, o ministério revela a sua real natureza. Tem uma concepção centralizadora e dirigista da educação e da sociedade. Entende sem hesitação gerir directamente milhares de escolas. Considera os professores imbecis e simulados. Pretende que os professores sejam funcionários obedientes e destituídos de personalidade. Está disposto a tudo para estabelecer uma norma burocrática, mais ou menos “taylorista”, mais ou menos militarizada, que dite os comportamentos dos docentes.
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O ANO lectivo chega ao fim. Ouvem gritos e suspiros. Do lado, do ministério, festeja-se a “vitória”. Parece que, segundo Walter Lemos, 75 por cento dos professores cumpriram as directivas sobre a avaliação. Outras fontes oficiais dizem que foram 57. Ainda pelas bandas da 5 de Outubro, comemora-se o grande “êxito”: as notas em Matemática e Português nunca foram tão boas. Do lado dos professores, celebra-se também a “vitória”. Nunca se viram manifestações tão grandes. Nunca a mobilização dos professores foi tão impressionante como este ano. Cá fora, na vida e na sociedade, perguntamo-nos: “vitória” de quem? Sobre quê? Contra quem? Esta ideia de que a educação está em guerra e há lugar para vitórias entristece e desmoraliza. Chegou-se a um ponto em que já quase não interessa saber quem tem razão. Todos têm uma parte e todos têm falta de alguma. A situação criada é a de um desastre ecológico. Serão precisos anos ou décadas para reparar os estragos. Só uma nova geração poderá sentir-se em paz consigo, com os outros e com as escolas.
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OLHEMOS para as imagens na televisão e nos jornais. Visitemos algumas escolas. Ouçamos os professores. Conversemos com os pais. Falemos com os estudantes. Toda a gente está cansada. A ministra e os dirigentes do ministério também. Os responsáveis governamentais já só têm uma ideia em mente: persistir, mesmo que seja no erro, e esperar sofridamente pelas eleições. Os professores procuram soluções para a desmoralização. Uns pedem a reforma ou tentam mudar de profissão. Outros solicitam transferência para novas escolas, na esperança de que uma mudança qualquer engane a angústia. Há muitos professores para quem o início de um dia de aulas é um momento de pura ansiedade. Foram milhares de horas perdidas em reuniões. Quilómetros de caminho para as manifestações. Dias passados a preencher formulários absurdos. Foram semanas ocupadas a ler directivas e despachos redigidos por déspotas loucos. Pais inquietos, mas sem meios de intervenção, lêem todos os dias notícias sobre as escolas transformadas em terrenos de batalha. Há alunos que ameaçam ou agridem os professores. E há docentes que batem em alunos. Como existem estudantes que gravam ou fotografam as aulas para poderem denunciar o que lá se passa. O ministério fez tudo o que podia para virar a opinião pública contra os professores. Os administradores regionais de educação não distinguem as suas funções das dos informadores. As autarquias deixaram de se preocupar com as escolas dos seus munícipes porque são impotentes: não sabem e não têm meios. Todos estão exaustos. Todos sentem que o ano foi em grande parte perdido. Pior: todos sabem que a escola está, hoje, pior do que há um ano.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 24 de Maio de 2009

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Luz - Quinta Borba

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No rés-do-chão da quinta do General, em Borba. São edifícios do século XVIII, com jardins e quintinha dentro da cidade. (1988).

domingo, 17 de maio de 2009

A culpa é sempre dos outros

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O MAGISTRADO Lopes da Mota não deve sair do EUROJUST. Não deve suspender o seu cargo. Nem pedir a demissão. Nem ser demitido. Se a representação de um Estado deve traduzir a verdade, ele é o homem certo no lugar certo. Não se compreenderia, por exemplo, que o representante do Estado português, em qualquer organização internacional, não soubesse falar a língua materna. Nem que o delegado de Portugal à NATO fosse um pacifista militante e um notório objector de consciência. Lopes da Mota é discutido e comentado em todos os jornais. É acusado de ter sido autor ou instrumento de pressões pessoais e políticas exercidas sobre outros magistrados. Por causa dessa acusação e após averiguações, é alvo de um processo disciplinar mandado fazer pelo Procurador-Geral da República. A maioria dos políticos e dos comentadores diz que se deve demitir e não reúne condições para exercer o cargo. O Primeiro-ministro, que o nomeou, diz que não tem nada a ver com o caso. Este currículo, limitado a uns factos recentes de conhecimento geral, faz dele o representante ideal num organismo europeu de coordenação entre os sistemas judiciários. Ele é o genuíno e fiel símbolo da justiça portuguesa.
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A JUSTIÇA portuguesa é cara, lenta e burocrática. Está geralmente mais interessada no processo do que no apuramento da verdade dos factos e na prova. Os magistrados não são avaliados por entidade independente. Os sindicatos de magistrados são máquinas de poder político e corporativo a que o Estado democrático não soube opor-se. Os Conselhos Superiores servem os interesses das corporações e impedem que a voz dos cidadãos tenha alguma força e que a legitimidade democrática tenha eficácia na sua organização. A justiça portuguesa é um condomínio fechado, hermético e impermeável ao interesse público e às ansiedades dos cidadãos. A circulação entre conselhos superiores, sindicatos e tribunais superiores, passando, por vezes, por cargos políticos, consagra o poder de uma casta impune e inamovível. Muitos agentes da justiça, juízes, procuradores, polícias e advogados participam, sem contenção nem reserva, nos debates públicos, têm presença garantida nas televisões, nas rádios e nas capas dos jornais. Alguns orgulham-se dos seus sindicatos, entidades híbridas e absurdas dedicadas a organizar duas classes profissionais, a dar-lhes peso e força política e a preservar privilégios. Dirigem-se à opinião pública com ilimitada arrogância, evocando a sua independência, que consideram autogestão e soberania. As técnicas de investigação são toscas e, por vezes, atentatórias dos direitos dos cidadãos. Questões de família são adiadas anos, por vezes até à morte de um dos interessados. Conflitos comerciais não têm resolução, a não ser pelo desaparecimento das respectivas pessoas ou empresas. Por causa do processo e do atraso, as compensações obtidas pelas vítimas ficam aquém dos prejuízos causados. Crimes de corrupção, apesar de provados, são desculpados. Os procuradores têm poder a mais e não têm qualquer reserva na sua intervenção política, nem no modo como querem condicionar juízes, advogados e políticos. As fugas de informação e as famigeradas quebras de segredo e sigilo de justiça, geralmente dirigidas e deliberadas, são o mais impressionante retrato do estado a que a justiça portuguesa chegou. A reputação da justiça portuguesa no estrangeiro é medíocre e risível. A opinião pública portuguesa considera os magistrados e a justiça como um dos sectores da vida pública que menos merece respeito e confiança. A justiça portuguesa cria, não resolve problemas.
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A CULPA é um fenómeno errático e fugidio. A sua trajectória é circular. Juiz, procurador, oficial de justiça, advogado, solicitador, polícia, ministro e deputado: cada um tem a certeza do seu comportamento exemplar e não hesita em culpar o vizinho ou todos eles. Para o juiz, a culpa do estado em que se encontra a justiça portuguesa é, sem dúvida, dos agentes do ministério público, dos advogados e dos políticos incompetentes. Já o procurador se queixa do governo, da falta de meios que este lhe concede, dos deputados que fazem más leis, dos juízes que se julgam infalíveis, dos advogados que não cessam de criar problemas e das polícias que estão às ordens do governo. Os advogados não têm dúvidas e apontam o dedo aos deputados, aos magistrados e aos procuradores, sem esquecer as polícias. O ministro, por sua vez, invoca a independência dos juízes para justificar o seu absentismo, ao mesmo tempo que se queixa das polícias, dos advogados e da verdadeira máquina de poder que é a Procuradoria-Geral. Os polícias consideram os juízes brandos, os deputados inúteis, o governo oportunista e os advogados obstáculos à justiça. Em comum, os corpos judiciais e outros “operadores” condenam os cidadãos impacientes, os comentadores e os jornalistas. Também em comum, o seu desinteresse pela causa pública e pela reforma deste estado de coisas.
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HÁ CENTENAS de magistrados, procuradores, polícias e advogados que cumprem os seus deveres, que se esforçam por ser bons profissionais, que trabalham mais horas do que deles se esperaria, que resolvem casos a tempo, que dirimem conflitos, que nunca são fonte e origem de problemas e que resistem à volúpia do protagonismo televisivo e jornalístico. Mas essa não é a percepção que os cidadãos têm da justiça. Essa não é a marca da justiça portuguesa. Algumas características do sistema e o comportamento de uns punhados de “operadores” fazem da justiça o pior da sociedade, quando deveria ser o melhor. A justiça portuguesa sofre, no seu conjunto, da má reputação que alguns dos seus dirigentes ou responsáveis têm na opinião pública. É atingida pela incompetência dos deputados e pelo medo dos governantes. Colhe as consequências das políticas públicas. Tem a má fama causada pela rede de cumplicidades tecida há muito entre políticos e magistrados e fielmente traduzida na génese e na actividade dos sindicatos de magistrados. A justiça deveria ser a última instância de confiança. Deveria ser o exemplo. Em vez disso, é um caso. Um problema. O mais grave problema português.

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«Retrato da Semana» - «Público» de 17 de Maio de 2009

Luz- Pegões - III

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E outra ainda. Sei que tenho mais, mas tem sido difícil encontrá-las. E muito mais difícil colocá-las aqui. É a primeira vez que faço isso sozinho, sem a ajuda do meu Mestre Medina Ribeiro, do Sorumbático. Ou antes, tive ajuda, mas simplesmente umas indicações que ele me enviou...

Luz - Pegões - II

Outra imagem do aqueduto dos Pegões Altos, em Tomar.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Luz - Pegões - I

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Aqueduto dos Pegões Altos - É este o belo aqueduto de que tenho muitas imagens de vários pontos de vista. Fica perto de Tomar. Foi construído no reinado de Felipe I (II de Espanha), a fim de alimentar o convento, o mosteiro e parte da cidade. Segundo me informam alguns correspondentes, foi mesmo mandado construir pelo rei, que aliás também se ocupou da reconstrução de claustros do convento de Tomar. Quando "descobri" o aqueduto, há quase vinte anos, achei-o em bom estado, bem conservado. Os mesmos correspondentes, que conhecem Tomar e o aqueduto melhor do que eu, garantem-me o contrário. Terei sido influenciado pela beleza do sítio e da obra? Perante a medonha degradação de tantos sítios e monumentos, terei diminuido os meus critérios e exigências? (1992).

domingo, 10 de maio de 2009

Eles não sabem o que fazem

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FALTA UM MÊS para as eleições europeias. Todos os partidos têm os seus candidatos. A campanha começou. As primeiras levas de cartazes foram afixadas. Começaram as eternas discussões sobre os debates na televisão. Já houve o incidente da praxe, o de Vital Moreira, não condenado por todos os partidos, como devia ser, e toscamente aproveitado pelos socialistas, como não devia ter sido. As sondagens multiplicam-se. Nos jornais, o debate é vivo. De que se discute? Da Europa? Do falecido, à espera de ressurreição, Tratado de Lisboa? Nem pensar. Discute-se o governo que sairá das eleições de Outubro. Das coligações possíveis. Do inevitável Bloco Central.
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NADA MAIS revelador. As eleições europeias não interessam à população. Os eleitores pensam noutras coisas. Sabem que o seu voto não tem influência na decisão política. O eleitor de Casal de Loivos sabe que, nas municipais e nas legislativas, o seu voto tem efeitos no Pinhão, em Alijó e em Lisboa. Sabe que, na Junta de Freguesia, na Câmara, no Parlamento e no governo da República, o seu voto conta. Mas que, nas europeias, o seu voto é indiferente. Sabe que, em Bruxelas, as decisões e as maiorias têm outra origem e outra racionalidade. Nada o liga ao eleitor de Upsala, nunca ouviu falar de Riga e pensa que a Suíça faz parte da União Europeia. Sabe, antes das eleições, que o presidente da Comissão já foi designado. Se for votar em Junho, o que é pouco provável, será para dar um sinal com vista às eleições legislativas de Outubro. É natural que assim seja. O cidadão europeu, de que tanto se fala, não existe. A soberania europeia é uma ficção. A democracia nas instituições europeias é um artifício sem consequência. O eleitor de Casal de Loivos tem razão.
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PREOCUPA-O, isso sim, o próximo governo. Parece que não há muitas hipóteses de haver uma maioria absoluta, o que considera negativo. Aprecia os governos que duram quatro anos. Sente que na sua vida, no trabalho, na escola dos filhos, nas obras em curso perto da sua vila, nas garantias da sua poupança e no Centro de Saúde que agora está aberto, as mudanças de ministros e de governos são nefastas. Pode não apreciar o governo de um só partido, se não for o das suas simpatias. Mas sempre detestou mais a instabilidade, que já lhe trouxe prejuízos. Mesmo um governo de vários partidos, desde que tenha a maioria, lhe parece mais sensato. Um governo minoritário perde-se em demagogia, é vítima de chantagem e tem de negociar tudo com todos, a ponto de ser inevitável que haja novas eleições, com as quais se perde tempo e dinheiro.
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UMA COLIGAÇÃO de esquerda? Entre o PS e o PCP? Impossível. Continua a ser um tabu e o PCP não está disposto a correr risco de vida. Entre o PS e o Bloco de Esquerda? Possível, mas desastrosa. O Bloco tem um temível efeito de fragmentação do PS. E a política comum destes dois partidos não deixaria pedra sobre pedra. Uma coligação de direita, entre o PSD e o PP? Já se fez, não deu sempre maus resultados, mas hoje parece uma impossibilidade. O PSD perdeu muito ao centro, o PP perdeu quase tudo. Uma coligação de oportunismo, entre o PS e o PP? Também já houve, foi um desastre, dura meses, não adianta, só adia. Um Bloco central, que toda a gente critica e retira verdade à vida política? Talvez seja necessário. Foi como Presidente Lula disse do FMI: “É como ir dentista: não gosto, mas vou”!
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A PRINCIPAL crítica que se faz ao Bloco central é a de que retira autenticidade ao debate político e elimina a alternativa política. É verdade. Mas um governo minoritário é pior: é um incentivo à negociação oportunista, à demagogia e à perda de responsabilidade. Em tempo de crise e endividamento, nada seria mais perigoso. A segunda crítica diz que esse bloco é fonte de corrupção e de partidarização do Estado. É verdade. Mas o governo minoritário, mais inseguro, é pior. Aliás, com as leis de financiamento dos partidos e dos cargos da alta administração, aprovadas por todos, um bloco central ou uma coligação nada virá a alterar. O que é hoje feito somente em benefício de um partido terá de ser repartido por dois. A corrupção não aumentará, será dividida em dois. O favoritismo, o nepotismo e a partidarização não aumentarão, serão distribuídos por dois.
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SERÁ um mistério de ordem clínica? O que se passa com os deputados e dirigentes dos partidos? Têm perturbação da vista? Do ouvido? De compreensão? A aprovação, por quase unanimidade (um voto contra do deputado socialista António José Seguro e uma abstenção de Matilde Sousa Franco), da lei de financiamento dos partidos só pode ter explicação numa deficiência dessa natureza. Num clima de crise económica e social, recheado de factos que suscitam a desconfiança e mostram a desonestidade de tanta gente, uma lei destas só pode agravar os ânimos. Numa conjuntura em que o Estado, as polícias e os fiscais de toda a espécie pesquisam a vida privada dos cidadãos, abrem as contas bancárias, querem saber o que fazem os contribuintes e se preparam para dispensar os mandatos judiciais, a hedionda lei cria um sistema de alforria para os partidos que, únicos na sociedade, poderão manipular “dinheiro vivo”. Numa altura em que anda meio mundo à procura de comportamentos suspeitos do outro meio, esta lei parece destinada a virar contra os políticos as atenções que vinham sendo dirigidas para os banqueiros. Na ocasião em que a corrupção é um fenómeno que a muitos preocupa, em que se procuram meios para a combater e em que se pretende liquidar ou diminuir o tráfico de dinheiros, luvas e prendas, a disparatada lei estabelece uma via legal para que o circuito venal tenha curso livre. Num momento em que os políticos se queixam, por vezes com razão, da onda de críticas e rumores dirigidos contra a política e os políticos, a famigerada lei dos partidos mais parece um acto suicida de gente desesperada. Quando se fizer a história da terceira República, esta lei terá lugar de destaque.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 10 de Maio de 2009

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Luz - Iberomoldes, Pombal

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A Iberomoldes, da Marinha Grande, famosa empresa portuguesa de moldes para plástico, decidiu começar a fazer também objectos de plástico (sobretudo para a indústria automóvel e as bagagens). Fizeram assim uma fábrica em Pombal com esse fim. São fábricas novas e “limpas”, onde abundam os robots, mas onde ainda se vêem muitas mulheres com alguns trabalhos minuciosos de montagem. (2005).

domingo, 3 de maio de 2009

A tão frágil liberdade...

PRIMEIRO, CONTARAM. Não acreditei. Pensei logo que se tratava de exagero. De mais um rumor urbano contra a política e os políticos. Depois, vi uma fotografia nos jornais. Rendi-me. Era mesmo verdade. O dia 25 de Abril é dia de festa. Dia de liberdade também. Em princípio. A Assembleia da República reuniu para uma gala. Como habitualmente, pela Primavera, realiza-se a cerimónia oficial de comemoração. Tudo parece ter corrido bem. A oposição malhou no governo. O governo elogiou-se. Os partidos da direita disseram que o 25 de Abril não era de ninguém ou que era de todos. Os de esquerda garantiram que era só deles. Os da direita demonstraram que o socialismo estava acabado. Os de esquerda mostraram, argumentando com a crise, que o capitalismo estrebuchava. O governo prometeu ser o herdeiro de Abril. O Presidente da República e o Presidente da Assembleia fizeram os melhores discursos do dia e distanciaram-se da trapalhada. Do Presidente Cavaco Silva esperava-se faca e recado, não veio nada parecido com isso. Tudo correu bem. Os que usam cravo na lapela estimam que essa flor é o uniforme da liberdade. Os que não usam entendem que o adorno é dos revolucionários e candidatos a déspotas. Metade daquela casa considera a outra metade intrusa e ilegítima. Isto não é evidentemente saudável. Mas é uma velha história. Na verdade, esquecendo estes diferendos sempre perigosos, tudo correu bem.
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NO FIM dos discursos, em aperitivo para o beija-mão e os cumprimentos de função, cantou-se o hino nacional. De pé, os nossos representantes tentaram recordar e trautear aquelas heróicas e obsoletas palavras. Sobretudo, esforçaram-se por não desafinar. Pois bem, nesse momento solene, algo de extraordinário aconteceu. Ao mesmo tempo que soavam as últimas estrofes da canção nacional, nos enormes ecrãs de plasma, pendurados nas paredes do hemiciclo, começam a ser projectadas fotografias. Em particular, a que se viu depois reproduzida nos jornais: algures, na sede da PIDE ou da Censura, em Abril de 1974, um soldado retira das paredes uma fotografia de Salazar. Inesquecível! Absurdo!
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PODE pensar-se que o episódio não tem importância. Que foi uma brincadeira. Um devaneio. Que ninguém, além dos deputados e das altas individualidades, vê o que se passa no Parlamento. Qualquer coisa. Mas a verdade é que tem importância. Trinta e cinco anos depois de Abril, a democracia continua a viver à custa de Salazar e da sua queda. Parece que o regime democrático e a liberdade nada têm a oferecer ao povo para além do derrube do ditador. Que, aliás, não foi do próprio mas do sucessor. Aqueles partidos e aquela instituição vivem obcecados. Sentir-se-ão culpados? De quê? De não terem sabido governar o país com mais êxito e menos demagogia? De perceberem que a população está cada vez mais cansada da política e indiferente aos políticos? Preocupante é haver alguém que pense que aquelas imagens produzem algum efeito! A política contemporânea é de tal modo medíocre que o derrube do anterior regime é ainda mais importante do que o novo regime democrático. Essa é a mágoa! Trinta e cinco anos depois, a liberdade e tudo quanto se vive não são já mais importantes do que aquele dia de derrube. Será que os espanhóis fazem o mesmo? Os gregos? Os russos? Os franceses também eram assim em 1980? Que Parlamento no mundo, em dia solene ou simplesmente em dia de trabalho normal, se dispõe a exibir fotografias dos inimigos da democracia? Será assim tão frágil a nossa liberdade que necessitamos de a legitimar sempre com o derrube de um ditador? Por quantos mais anos vamos assistir a isto? Nenhum dos argumentos previsíveis é satisfatório. Dizem que é preciso recordar. Reler a história recente para que a ditadura não volte. Gritar “nunca mais”, para que nunca mais seja. É exactamente o contrário. A falta de capacidade de respirar livremente, sem recordar os fantasmas, é a vontade de viver amarrado ao passado. Este regime é débil, porque não encontra em si próprio, nos seus méritos, razão suficiente para se legitimar e justificar. Para se assumir sem inventar ou ressuscitar inimigos. Esta insegurança revelada pelos dirigentes políticos contrasta com a certeza de muitos cidadãos. Inquéritos recentes mostram os sentimentos dos portugueses. Querem a liberdade. Não necessitam de fantasmas para se sentirem livres. Ponto final.
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ESTA história tem mais que se lhe diga. O Parlamento parece transformado num recreio. As renovações recentes só vieram confirmar essa tendência. Os computadores distribuídos pelos 230 lugares são inexplicáveis. Ou antes: só se compreendem se fizerem parte de um plano de fornecimento aos representantes da população de equipamentos de divertimento e passatempo. Computadores e plasmas para os deputados têm exactamente as mesmas funções que os “Magalhães” para as escolas. Os ecrãs monumentais nas paredes esperam imagens, gráficos, programas de “power point” e “clips” de propaganda. Quem julgue que o Parlamento serve para pensar, ouvir, falar, aprender, argumentar, discutir, esclarecer e fiscalizar está enganado. Ali, passa-se o tempo. E como a ausência ao hemiciclo é constante e elevada, alguém congeminou esta inovação: vamos trazer-lhes divertimentos, vamos atrair os deputados com imagens e filmes. Vamos permitir-lhes que tenham acesso rápido ao “twitter”, ao “messenger”, ao “face book” e ao “you tube”. Vamos dar-lhes imagens, que valem milhares de palavras. Vamos dar-lhes qualquer coisa que lhes interesse, que os seduza. E já agora que os impeça de se interessarem pela política e pelo debate.
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VALHAM-NOS os jacarandás. Apesar da crise e mau grado uma Primavera esquisita, o primeiro, lá para os lados de Belém, floriu esta semana. Timidamente. Ainda sem brilho aparente. Mas já cá está.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 3 de Maio de 2009