domingo, 10 de maio de 2009

Eles não sabem o que fazem

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FALTA UM MÊS para as eleições europeias. Todos os partidos têm os seus candidatos. A campanha começou. As primeiras levas de cartazes foram afixadas. Começaram as eternas discussões sobre os debates na televisão. Já houve o incidente da praxe, o de Vital Moreira, não condenado por todos os partidos, como devia ser, e toscamente aproveitado pelos socialistas, como não devia ter sido. As sondagens multiplicam-se. Nos jornais, o debate é vivo. De que se discute? Da Europa? Do falecido, à espera de ressurreição, Tratado de Lisboa? Nem pensar. Discute-se o governo que sairá das eleições de Outubro. Das coligações possíveis. Do inevitável Bloco Central.
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NADA MAIS revelador. As eleições europeias não interessam à população. Os eleitores pensam noutras coisas. Sabem que o seu voto não tem influência na decisão política. O eleitor de Casal de Loivos sabe que, nas municipais e nas legislativas, o seu voto tem efeitos no Pinhão, em Alijó e em Lisboa. Sabe que, na Junta de Freguesia, na Câmara, no Parlamento e no governo da República, o seu voto conta. Mas que, nas europeias, o seu voto é indiferente. Sabe que, em Bruxelas, as decisões e as maiorias têm outra origem e outra racionalidade. Nada o liga ao eleitor de Upsala, nunca ouviu falar de Riga e pensa que a Suíça faz parte da União Europeia. Sabe, antes das eleições, que o presidente da Comissão já foi designado. Se for votar em Junho, o que é pouco provável, será para dar um sinal com vista às eleições legislativas de Outubro. É natural que assim seja. O cidadão europeu, de que tanto se fala, não existe. A soberania europeia é uma ficção. A democracia nas instituições europeias é um artifício sem consequência. O eleitor de Casal de Loivos tem razão.
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PREOCUPA-O, isso sim, o próximo governo. Parece que não há muitas hipóteses de haver uma maioria absoluta, o que considera negativo. Aprecia os governos que duram quatro anos. Sente que na sua vida, no trabalho, na escola dos filhos, nas obras em curso perto da sua vila, nas garantias da sua poupança e no Centro de Saúde que agora está aberto, as mudanças de ministros e de governos são nefastas. Pode não apreciar o governo de um só partido, se não for o das suas simpatias. Mas sempre detestou mais a instabilidade, que já lhe trouxe prejuízos. Mesmo um governo de vários partidos, desde que tenha a maioria, lhe parece mais sensato. Um governo minoritário perde-se em demagogia, é vítima de chantagem e tem de negociar tudo com todos, a ponto de ser inevitável que haja novas eleições, com as quais se perde tempo e dinheiro.
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UMA COLIGAÇÃO de esquerda? Entre o PS e o PCP? Impossível. Continua a ser um tabu e o PCP não está disposto a correr risco de vida. Entre o PS e o Bloco de Esquerda? Possível, mas desastrosa. O Bloco tem um temível efeito de fragmentação do PS. E a política comum destes dois partidos não deixaria pedra sobre pedra. Uma coligação de direita, entre o PSD e o PP? Já se fez, não deu sempre maus resultados, mas hoje parece uma impossibilidade. O PSD perdeu muito ao centro, o PP perdeu quase tudo. Uma coligação de oportunismo, entre o PS e o PP? Também já houve, foi um desastre, dura meses, não adianta, só adia. Um Bloco central, que toda a gente critica e retira verdade à vida política? Talvez seja necessário. Foi como Presidente Lula disse do FMI: “É como ir dentista: não gosto, mas vou”!
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A PRINCIPAL crítica que se faz ao Bloco central é a de que retira autenticidade ao debate político e elimina a alternativa política. É verdade. Mas um governo minoritário é pior: é um incentivo à negociação oportunista, à demagogia e à perda de responsabilidade. Em tempo de crise e endividamento, nada seria mais perigoso. A segunda crítica diz que esse bloco é fonte de corrupção e de partidarização do Estado. É verdade. Mas o governo minoritário, mais inseguro, é pior. Aliás, com as leis de financiamento dos partidos e dos cargos da alta administração, aprovadas por todos, um bloco central ou uma coligação nada virá a alterar. O que é hoje feito somente em benefício de um partido terá de ser repartido por dois. A corrupção não aumentará, será dividida em dois. O favoritismo, o nepotismo e a partidarização não aumentarão, serão distribuídos por dois.
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SERÁ um mistério de ordem clínica? O que se passa com os deputados e dirigentes dos partidos? Têm perturbação da vista? Do ouvido? De compreensão? A aprovação, por quase unanimidade (um voto contra do deputado socialista António José Seguro e uma abstenção de Matilde Sousa Franco), da lei de financiamento dos partidos só pode ter explicação numa deficiência dessa natureza. Num clima de crise económica e social, recheado de factos que suscitam a desconfiança e mostram a desonestidade de tanta gente, uma lei destas só pode agravar os ânimos. Numa conjuntura em que o Estado, as polícias e os fiscais de toda a espécie pesquisam a vida privada dos cidadãos, abrem as contas bancárias, querem saber o que fazem os contribuintes e se preparam para dispensar os mandatos judiciais, a hedionda lei cria um sistema de alforria para os partidos que, únicos na sociedade, poderão manipular “dinheiro vivo”. Numa altura em que anda meio mundo à procura de comportamentos suspeitos do outro meio, esta lei parece destinada a virar contra os políticos as atenções que vinham sendo dirigidas para os banqueiros. Na ocasião em que a corrupção é um fenómeno que a muitos preocupa, em que se procuram meios para a combater e em que se pretende liquidar ou diminuir o tráfico de dinheiros, luvas e prendas, a disparatada lei estabelece uma via legal para que o circuito venal tenha curso livre. Num momento em que os políticos se queixam, por vezes com razão, da onda de críticas e rumores dirigidos contra a política e os políticos, a famigerada lei dos partidos mais parece um acto suicida de gente desesperada. Quando se fizer a história da terceira República, esta lei terá lugar de destaque.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 10 de Maio de 2009

10 comentários:

Manuel Brás disse...

I Parte

Da hedionda desonestidade
de gente desesperada,
transborda a superficialidade
de uma democracia depauperada.

A deficiência da natureza
dos nossos políticos,
reflecte-se na impureza
dos seus pensamentos monolíticos.

Com a vida vasculhada
do mexilhão trabalhador,
a economia fica debulhada
neste país confrangedor.

II Parte

Todos os partidos políticos
bem alinhadinhos estão,
com os seus ideais monolíticos
em busca de qualquer tostão.

A argumentação é risível
em torno da transparência,
esta atitude desprezível
de uma escandalosa incoerência!

O interesse é total
em negócios nauseabundos,
a degradação é brutal
nestes políticos vagabundos!

Para o mexilhão honesto,
trabalhando diariamente,
no mínimo, é funesto
este regime demente!

Sílvia disse...

...e António Barreto não sabe o que diz quando utiliza e subestima "o eleitor de Casal de Loivos" nas suas afirmativas generalizações do costume, no seguimento da pedagogia do pessimismo que tem vindo a adoptar sistematicamente.
Mas aproveito para dizer que estou em "Casal de Loivos" onde aqui, como em qualquer lugar do país, eu me sinto uma cidadã europeia e, já agora, o meu vizinho aqui do lado também, sobretudo quando este, há meses, apelou de uma sentença daqui para o Tribunal Europeu e ganhou e, depois, quando o PRODER / LEADER o ajudou a transformar o seu palheiro num belo restaurante para o desenvolvimento turístico local.
Por isso, eu vou votar, sim senhor!
No dia 7 de Junho, cá estarei para votar nas eleições europeias. E vou votar contra a estagnação: o PP europeu e a esquerda imbecil.
Afinal, quem disse que "o eleitor de Casal de Loivos" se importa apenas com o PêPê do seu quintal?

Nota:
Haverá, com certeza, razões, mais de ordem cívica que política, que podem justificar a elevada percentagem de abstenção neste acto eleitoral, mas, não caberá também à comunicação social ter um papel pedagógico relevante na formação cívica dos cidadãos?
Porque é que jornalistas e cronistas de serviço se preocupam mais com as conclusões de que com as premissas? Porque é que esta gente continua ainda a subestimar a inteligência dos portugueses?
Por quem estes imbecis nos tomam?

www.angeloochoa.net disse...

Silvia vota, Portugal abstem-se, o dono do restaurante dos Loivos Casal vota, o meu padeiro se abstem. E só contam os votos entrados, sejam da Sílvia, deste 'choa que também não se abstém e vota Rangel, pese a muitos embora Paulos...Cada voto pesa tanto como cada voto, mas não vale a objeccção de Andre Gide de que o desmerecia ter seu voto tanto peso quanto o do seu leiteiro. Não sou aristocrata nem «intelizencia» e meu voto vale o mesmíssimo do do Barreto, António.
Mas o que está verdadeiramente em causa é quem toma avião a Bruxelas com casa e família se a tiver a a nova árvore das patacas a encher bolso de pipa de massa só para si alimentícia. E nas autárquicas é a clientela ambulante de acessores consultores e quejandos que dançam de Cascais para Setúbal ou de Setúbal a Vila Franca de Xira! Xiça, isto dói! Da do parlamento já prelendou com propriedade o Amigo... Mas do que me temo é do catrastrofismo ser fatalidade pese a Silviazinha embora que bater no mais negro da fossa como se diz no Brasil de Lulas já bateu e vai mesmo bater. Contem os níqueis da infâmia, zés-povinhos! Contem, contem, e ganhem amigos que lhes valham, isto é que emprestem sem juro. Comboio negro lhe chamou Pacheco Pereira e eu Ochoa Angelo conscientemente ciente que banido lhe chamarei «peste negra» de nova humanidade a retrogredir da medieval a andar a arrecuas, a tudo valer, e a nada valer!

joshua disse...

«Numa altura em que anda meio mundo à procura de comportamentos suspeitos do outro meio, esta lei parece destinada a virar contra os políticos as atenções que vinham sendo dirigidas para os banqueiros. Na ocasião em que a corrupção é um fenómeno que a muitos preocupa, em que se procuram meios para a combater e em que se pretende liquidar ou diminuir o tráfico de dinheiros, luvas e prendas, a disparatada lei estabelece uma via legal para que o circuito venal tenha curso livre.»

Se há leis que pedem um atestado de óbito à 3.ª República, estirada no chão e apodrecendo, é esta do Financiamento dos Partidos. O Poder Político já não nos representa. Segue uma dinâmica própria. Autonomizada do interesse geral. Os cidadãos, anestesiados com a própria irrelevância inculcada convenientemente pelo Poder majestático e absolutista de 'democratas extraviados', confrontados com a grosseira inércia contra si detectada na acção Política, se não reagem agora, aflitos por sobreviver e nisso ocupados, abstêm-se ostensivamente na primeira oportunidade para votar ou votam redigindo insultos furiosos ao Regime nos boletins de voto.

Como a rapina instalada ao mais alto nível está aí e como os Partidos se arvoram a regimes de excepção e se cevam esconsamente, o pico de degradação cívica e social é só uma questão de tempo.

Inescapável. Dar-se-á galopante a grande dissolução portuguesa. A crise portuguesa é só um país que morre voluntariamente, condenação que começa pela ignorância promovida e pelos facilitismos estatísticos que nada consolidam e automatizam os diplomas.

Primeiro envelhecendo sem retorno. Depois dissolvendo-se moralmente graças à Corruptocracia que pseudo-reforma estrutural absolutamente nenhuma debela. A Corruptocracia portuguesa, aliás, desmoraliza os melhores espíritos. E sai reforçada e robustecida com o perfil berlusconiano de José Sócrates.

Portugal acaba a pouco e pouco precisamente graças a coveiros especializados e egolátricos como este. Pobre Povo. Pobre País. Paz à sua alma.

B.A. disse...

Se vota a Silvia e o seu pessoal de Loivos, vamos ter umas europeias com muita VITALidadae, rsrsrsrsrsr....

antonio disse...

Meu caro Àlvaro Barreto,

Aquilo que lhe vou dizer não tem para já a ver com o seu blog.

Tem a ver com o facto de quando eu tenho que nomear uma dúzia de homens publicos verticais, políticos ou expoliticos, o seu nome vem sempre à cabeça.

Esta é a parte mais fácil. A parte dificil é chegar ao 12º. Nunca consegui.

Riqueza, poder e vaidade. Muita vaidade. Parecem ser estes os grandes afrodisíacos que movem a classe política (e não só).

Mas acho que nenhum deles ficará na história.

No 25 de Abril de manhã estava eu no Chiado e apenas vi um um velhote com um cravo ao peito. As vendedeiras de cravo tinham as caixas cheias de cravos mas não tinham absolutamente nenhum cliente.


Porque depois de termos sido governados por um camponês beirão obscurantista passamos a ser governados por uma cambada de chicos espertos não menos obscurantistas.Que não vão deixar saudades.

Para si num abraço de repeito

António

Daniel Fernandes disse...

Sr. Antonio Barreto, venho apenas transmitir a minha admiração pelo trabalho do senhor e lhe dizer que concordei com quase tudo o que o Sr. disse na tvi24 esta noite.
Gostei de mais uma vez o ouvir e aprender. Aliás o que mais eu gosto em ouvir, é que posso aprender sempre mais.
Com o Sr. sempre crescemos de cada vez que o ouvimos.

Luis Melo disse...

Números pornográficos

A JP Sá Couto ganhou a liderança do mercado nacional de portáteis no primeiro trimestre de 2009 em virtude das vendas do portátil Magalhães. Neste período, a empresa portuguesa apresentou um crescimento de 3.311,4% face ao mesmo período de 2008, o que correspondeu a 212 mil unidades vendidas.

São simplesmente pornográficos os números obtidos pela JP Sá Couto (empresa que devia dinheiro ao estado). Um crescimento de 3.300 % !!! Quando todas as outras empresas concorrentes estão com imensas dificuldades, esta empresa amiga do governo, tem resultados destes. Numa altura de crise, não seria melhor dividir "o mal" pelas aldeias? Para Sócrates (o delegado comercial de vendas da Microsoft) não.

Luis Melo disse...

Superliga "incompetente-mor": Sócrates marca pontos

Cerca de 18 mil micro empresas encerraram desde Janeiro [...] De acordo com o presidente da ANPME, "há micro empresários a falir todos os dias" [...] De acordo com dados divulgados à Lusa pela AIP, as micro empresas empregam 28% dos trabalhadores, mais 3% do que as grandes empresas.

aqui, eu tinha falado das PME. Há já mais de 2 anos que o PSD tem alertado para a importância das Micro e PME. Marques Mendes até falou sobre a criação de um ministério para estas empresas. Manuela Ferreira Leite não para de alertar para a importância destas empresas na economia portuguesa. O PM não quer ouvir e continua a beneficiar apenas as grandes empresas.

Depois do início da grave crise, José Sócrates - o auto-intitulado salvador das empresas portuguesas - anunciou 'n' medidas para as Micro e PME. Os programas PME Invest 1,2 e 3; redução de impostos (quais? em que condições?); beneficios fiscais (quais? em que condições?). Medidas essas, tão boas... que o resultado é o que se vê.

Mais 3 pontos para José Sócrates na Superliga "Incompetente-mor"

R disse...

Antonio: «Riqueza, poder e vaidade. Muita vaidade. Parecem ser estes os grandes afrodisíacos que movem a classe política (e não só).»


António, a "Política" não é um emprego de bem, e já Sócrates dizia que o benefício da mentira servia aos políticos. Não sei o que se passa com esta Europa (Portugal idem!) que se assola com a "mentira" e o poder político... mas, na volta dá maioria absoluta e não discute o nominalismo... perde-se em desvãos sentimentais sobre a "mentira" política.... será isto um prefácio a outro Maio 68? Estaremos assim tão ingénuos e necessitados da "verdade"?
Receio que estas ideologias que já não assentam no egoísmo abram portas para uma nova "verdade" política, para um novo comunismo.
Slajöv Zizek já o chama de "Capital Parlamentarismo" e, afirma que o Estalinismo era bastante humano e «verdadeiro».