Ninguém poderá dizer o que será a
Venezuela dentro de um par de anos. Tudo pode acontecer. Assiste-se a uma
destruição sistemática das instituições de um país e dos seus equilíbrios
básicos. Mais de 75% da população vive em estado de pobreza e destituição. O
produto nacional reduziu-se mais de 5% no ano passado e vai diminuir 8% em 2016.
A inflação está a quase 200% e será de 400% até Dezembro. As organizações
internacionais prevêem que atinja os 700% já para o ano.
Os funcionários públicos são
obrigados a trabalhar apenas dois dias por semana. Sem medicamentos, os hospitais
fecham e os equipamentos degradam-se. As autoridades alteraram a hora legal a
fim de não gastar energia. Sem gestão competente, as barragens, entre as quais
uma das maiores do mundo, estão secas ou próximas dos níveis de catástrofe. No
país que possui uma das grandes reservas de petróleo do mundo, a energia está
racionada. Como racionados estão quase todos os produtos alimentares, o que de
nada serve pois a maior parte dos géneros desapareceu dos mercados. As
principais fábricas vão fechando por falta de matéria-prima e de energia. Maduro
manda fazer manobras militares e ameaça nacionalizar quem não tiver
matéria-prima ou energia!
Na rua, sucedem-se as
manifestações, as pilhagens, os raptos, as cargas policiais, os espancamentos,
os motins de toda a espécie e as investidas da Guarda “bolivariana”. Há presos
políticos às centenas, ninguém sabe bem quantos. Com o dinheiro do petróleo,
enquanto houve, gastou-se tudo, compraram-se amigos, pagaram-se milícias,
organizaram-se forças armadas fiéis. E distribuíram-se benefícios sociais. O
dinheiro diminuiu, mas não se pense que acabou. Com o petróleo a metade do
preço, há muito dinheiro para pagar amigos e seguidores. Espere-se pois o pior.
Ainda não houve bancarrota porque a China decidiu financiar a Venezuela com
milhares de milhões de dólares. Em troca de petróleo barato, já se percebeu.
Maduro decretou o estado de
emergência por 60 dias e diz que vai acabar com a assembleia nacional. A
revolução “bolivariana” criou uma das mais elevadas criminalidades do mundo.
Nos últimos três meses, foram assassinadas 4.800 pessoas. No ano passado,
17.700 tiveram a mesma sorte. Na Venezuela, hoje, mata-se mais do que no
Afeganistão! As comunidades de origem estrangeira residentes na Venezuela vivem
aflições. Mas muitos, há mais de uma geração, não têm sequer para onde ir.
Apesar da pobreza, da
desigualdade e dos “barrios” miseráveis, piores do que favelas, a Venezuela é
uma das nações mais ricas da América Latina. Esta sistemática destruição de um
país deve-se à demagogia populista, à corrupção e ao desperdício. Segundo
Maduro, a crise deve-se à queda dos preços do petróleo, à seca, ao El Niño, a
Barack Obama, aos americanos, aos fascistas, ao patronato, à burguesia
venezuelana e à Colômbia.
Este desastre venezuelano poderia
passar despercebido em Portugal. A Síria, a nossa crise e a da Europa são
suficientes. A verdade todavia é que a Venezuela não nos é assim tão estranha. Vivem
lá mais de meio milhão de Portugueses. Tem havido, desde os anos setenta,
relações estreitas entre governos. Já houve mesmo, nos anos 1970, ajudas
financeiras a partidos portugueses. Sem falar das amizades intensas do
presidente Chávez com os governantes portugueses, em particular José Sócrates.
Sejam quais forem os
antecedentes, por que razões as esquerdas portuguesas pouco ou nada dizem sobre
o despautério venezuelano? Será que o consideram de esquerda e solidário?
E as autoridades? Existe algum
programa oficial de acompanhamento? Há planos de assistência? O que acontecerá
às comunidades portuguesas da Venezuela? O que está Portugal pronto a fazer para
ajudar? Era bom não assobiar para o lado…
.
DN, 22 de Maio de 2016