segunda-feira, 30 de maio de 2016

Sem emenda - A destruição de um país

Ninguém poderá dizer o que será a Venezuela dentro de um par de anos. Tudo pode acontecer. Assiste-se a uma destruição sistemática das instituições de um país e dos seus equilíbrios básicos. Mais de 75% da população vive em estado de pobreza e destituição. O produto nacional reduziu-se mais de 5% no ano passado e vai diminuir 8% em 2016. A inflação está a quase 200% e será de 400% até Dezembro. As organizações internacionais prevêem que atinja os 700% já para o ano.

Os funcionários públicos são obrigados a trabalhar apenas dois dias por semana. Sem medicamentos, os hospitais fecham e os equipamentos degradam-se. As autoridades alteraram a hora legal a fim de não gastar energia. Sem gestão competente, as barragens, entre as quais uma das maiores do mundo, estão secas ou próximas dos níveis de catástrofe. No país que possui uma das grandes reservas de petróleo do mundo, a energia está racionada. Como racionados estão quase todos os produtos alimentares, o que de nada serve pois a maior parte dos géneros desapareceu dos mercados. As principais fábricas vão fechando por falta de matéria-prima e de energia. Maduro manda fazer manobras militares e ameaça nacionalizar quem não tiver matéria-prima ou energia!

Na rua, sucedem-se as manifestações, as pilhagens, os raptos, as cargas policiais, os espancamentos, os motins de toda a espécie e as investidas da Guarda “bolivariana”. Há presos políticos às centenas, ninguém sabe bem quantos. Com o dinheiro do petróleo, enquanto houve, gastou-se tudo, compraram-se amigos, pagaram-se milícias, organizaram-se forças armadas fiéis. E distribuíram-se benefícios sociais. O dinheiro diminuiu, mas não se pense que acabou. Com o petróleo a metade do preço, há muito dinheiro para pagar amigos e seguidores. Espere-se pois o pior. Ainda não houve bancarrota porque a China decidiu financiar a Venezuela com milhares de milhões de dólares. Em troca de petróleo barato, já se percebeu.

Maduro decretou o estado de emergência por 60 dias e diz que vai acabar com a assembleia nacional. A revolução “bolivariana” criou uma das mais elevadas criminalidades do mundo. Nos últimos três meses, foram assassinadas 4.800 pessoas. No ano passado, 17.700 tiveram a mesma sorte. Na Venezuela, hoje, mata-se mais do que no Afeganistão! As comunidades de origem estrangeira residentes na Venezuela vivem aflições. Mas muitos, há mais de uma geração, não têm sequer para onde ir.

Apesar da pobreza, da desigualdade e dos “barrios” miseráveis, piores do que favelas, a Venezuela é uma das nações mais ricas da América Latina. Esta sistemática destruição de um país deve-se à demagogia populista, à corrupção e ao desperdício. Segundo Maduro, a crise deve-se à queda dos preços do petróleo, à seca, ao El Niño, a Barack Obama, aos americanos, aos fascistas, ao patronato, à burguesia venezuelana e à Colômbia.

Este desastre venezuelano poderia passar despercebido em Portugal. A Síria, a nossa crise e a da Europa são suficientes. A verdade todavia é que a Venezuela não nos é assim tão estranha. Vivem lá mais de meio milhão de Portugueses. Tem havido, desde os anos setenta, relações estreitas entre governos. Já houve mesmo, nos anos 1970, ajudas financeiras a partidos portugueses. Sem falar das amizades intensas do presidente Chávez com os governantes portugueses, em particular José Sócrates.

Sejam quais forem os antecedentes, por que razões as esquerdas portuguesas pouco ou nada dizem sobre o despautério venezuelano? Será que o consideram de esquerda e solidário?

E as autoridades? Existe algum programa oficial de acompanhamento? Há planos de assistência? O que acontecerá às comunidades portuguesas da Venezuela? O que está Portugal pronto a fazer para ajudar? Era bom não assobiar para o lado…
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DN, 22 de Maio de 2016


Sem Emenda - As Minhas Fotografias

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Retornados e seus caixotes à chegada a Lisboa – Durante uns meses de 1974, chegavam os últimos vapores das colónias. Uns traziam soldados, outros repatriados, refugiados ou retornados que abandonavam definitivamente África. Com eles, ou em cargueiros, vinham caixotes e contentores. Muitos dos que regressavam não eram retornados, isto é, não tinham nascido em Portugal. Eram Angolanos e Moçambicanos. Não foi assim que os quiseram cá, queriam-nos retornados. Não era assim que os queriam lá, eram colonos. Parecia que ninguém os queria. Mas foi um dos acontecimentos mais importantes dos últimos séculos: num só ano, chegaram perto de 700.000 pessoas, naquela que foi uma das maiores deslocações humanas da história da Europa em condições de paz. Mal ou bem, integraram-se e recomeçaram tudo. E muito fizeram pela recuperação económica dos anos oitenta. Sem nada ou com pouco, traziam uma energia infinita, não perderam tempo com lamúrias nem acreditaram em revoluções idiotas: fizeram-se à vida!

DN, 22 de Maio de 2016

domingo, 29 de maio de 2016

Luz - Judeus à conversa em Piccadilly street, Londres

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Na grande rua comercial que é Piccadilly, um pequeno grupo de Judeus conversa diante da entrada de uma grande livraria, a Waterstones (cadeia de livrarias que cobre a Inglaterra inteira). (2015)

domingo, 22 de maio de 2016

Luz - Fachada do Arquivo Fotográfico Municipal, com passeantes e fotógrafo, Lisboa


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Na Rua da Palma, ali à Almirante Reis, diante da fachada da sede do Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa, uma senhora africana passa com seu filho pela mão, assim como senhor a caminhar de canadiana e em sofrimento evidente. No reflexo, imagem de fotógrafo aparentemente descuidado… (2015)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Sem emenda - Paralaxe

As memórias e as biografias dos dirigentes políticos são interessantes. Já não têm influência, mas oferecem a oportunidade de rever a história. E ajudam-nos a compreender episódios que, sem a dimensão pessoal, poderiam ficar misteriosos. O problema é que as versões contraditórias sobre os mesmos assuntos são inevitáveis.

O que, esta semana, sobre a Cimeira dos Açores, nos disseram Jorge Sampaio e Durão Barroso, não foge à regra do erro de paralaxe. Este decorre, segundo os dicionários, de um desvio óptico. Muda o observador, mas parece que é o objecto que mudou. Isto é: tudo depende do ponto de vista. Se, com observadores, o erro é possível, com protagonistas é provável. Os ângulos de visão de Sampaio e Barroso provocam visões diferentes do objecto. Este último, no caso vertente, não é pequeno: é a guerra e a paz.

Foi em 2003 que se realizou a cimeira que precedeu a guerra do Iraque. Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso conversaram durante umas horas. O Português era o anfitrião. A participação de Portugal nas operações que se seguiram não estava em causa. Mas a hospitalidade tinha valor político. A meio do Atlântico, acolhida por um membro da NATO cujos membros estavam divididos, o local da reunião tinha mais significado do que o expediente geográfico.

É um momento forte da diplomacia e da posição de Portugal no mundo. De avaliação das alianças internacionais. E de decisão importante para a paz e a guerra. O então Chefe de Estado, Jorge Sampaio, e o então Primeiro-ministro, Durão Barroso, não têm hoje a mesma visão do que se passou. Tinham ideias diferentes sobre os méritos da questão, o que não é inédito nem grave. Que tenham hoje recordações diferentes é mais aborrecido. Mas útil. Porque podemos aprender com a história. Ou antes, com as histórias.

Dias antes do início da guerra, já os jornais portugueses falavam dessa iminência, garantiam que a reunião dos Açores era a última tentativa pacífica e relatavam declarações do presidente americano segundo as quais os americanos estariam dispostos, com ou sem autorização das Nações Unidas, a atacar o Iraque. Os mesmos jornais sublinhavam que Durão Barroso concordava com o ataque militar.

Temos duas versões do mesmo acontecimento. Em quem confiar? Não tenho nenhum motivo para acreditar piamente no que me dizem Sampaio ou Barroso, sobretudo se estão um contra o outro. Creio que nunca saberemos a verdade. A não ser por fé, o que não parece ser bom critério. Mas é possível, mesmo sem testemunhas autênticas, reflectir sobre o caso.

Se Sampaio tem razão, não é admissível que, sobre assunto tão importante, o Primeiro-ministro o tenha informado tardiamente. Ou lhe tenha ocultado o que estava em causa e omitido conversas com os aliados. Se Sampaio tem boa memória, o que se passou é inadmissível. Ou antes: é sintoma do sistema de semipresidencialismo em que vivemos. Sampaio não devia, em tema tão grave, dizer apenas “nada a opor”. Sampaio não pode dizer que ficou estupefacto e deixou correr. Sampaio não podia desconfiar da urgência e nada ter feito para impedir a precipitação. Sampaio não pode dizer que tinha reservas e desculpar-se com a falta de competências do Chefe de Estado.

Se a memória de Barroso é mais fidedigna do que a de Sampaio, não é admissível que em assunto tão grave o Presidente da República tenha apenas dito “nada a opor”. Nem que se tenha mantido passivo. Se Barroso está a dizer a verdade, o que se passou é inadmissível. Dois dias de prazo são insuficientes. Dispensar o acordo do Chefe de Estado ou satisfazer-se com o “nada a opor” é erro. Aceitar o “nada a opor” é não perceber que o presidente “lavava as suas mãos”.

Portaram-se ambos mal! Por decisão ou ocultação. Mais uma pérola para as aventuras do semi-presidencialismo!


DN, 15 de Maio de 2016

Sem Emenda - As Minhas Fotografias

A caminho de Petra, na Jordânia – A aproximação de Petra (cidade, templos, teatro, lojas comerciais, avenidas, etc.) faz-se por um longo caminho estreito, entre desfiladeiros cavados pela erosão do ar e da água e pelos homens em sua defesa. São passagens muito apertadas e encravadas na rocha. Tem de se fazer o caminho a pé ou a cavalo. A cidade nasceu pelo menos mil anos antes de Cristo. Os Nabateus, seus principais habitantes, ocuparam os locais cerca de 300 AC. Durante séculos, controlaram as rotas comerciais na região. Depois de mil e quinhentos anos de vida próspera, um terramoto, no século VI, arrasou quase tudo. Só recentemente, no século XIX, a localidade foi “redescoberta” aproveitada por arqueólogos e turistas. A cidade fica na encruzilhada de populações, entre o porto de Aqaba e o Mar Morto, entre o deserto do Wadi Rum e Jerusalém. Sítios extraordinários que figuram em dezenas de filmes que nunca esqueceremos, do “Lawrence da Arábia” à “Última Cruzada do Indiana Jones”. E até o Tintim andou por aqui.


DN, 15 de Maio de 2016

domingo, 15 de maio de 2016

Luz - Turista com eléctrico e Orpheu, Martim Moniz, em Lisboa

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No Martim Moniz, turistas embarcam no 28, o mais famoso dos eléctricos lisboetas. É o que vai do Martim Moniz aos Prazeres, a Campo de Ourique e à Estrela. Já vi filas com mais de duzentas pessoas à espera! No Verão, valia a pena a Carris pensar em aumentar a oferta nas suas linhas populares. E já agora reforçar a vigilância, dado que é a “cena” favorita dos carteiristas! Neste 28, ao lado da referência ao Orpheu e a Fernando Pessoa, uma fotografia publicitária que parece nada ter a ver com o poeta ou a poesia! Pode ser um daqueles instantâneos muito conhecidos relativos à implantação da República, que, de facto, deu muitos carros (a motor ou a cavalo, como este aqui) apinhados de manifestantes e de revolucionários. Não se percebe bem o que estará aqui a fazer esta imagem. Ou será de mais um golpe dos muitos que se fizeram naqueles anos? Será de 1915, como o cartaz refere? Nesse ano, a revolta contra o governo de Pimenta de Castro provocou a morte de umas centenas de pessoas, assim como a demissão de Manuel de Arriaga. Esta fotografia foi feita 100 anos depois! (2015)

Sem emenda - Um mundo maravilhoso

Não nos podemos queixar. Vivemos tempos fascinantes num mundo maravilhoso. Nem sempre pelas boas razões, umas vezes sim, outras não. Verdade é que, com tanto mal que nos ocupa o espírito, preenche as páginas dos jornais e toma conta dos tempos de antena, nem nos damos conta da beleza do mundo. Ou das suas surpresas. Nem dos pretextos que nos oferece para sorrir.

Em Havana, Cuba, depois do Papa Francisco, do Presidente Obama e dos Rolling Stones, chegou a vez da Chanel. Com alguns dos mais bonitos modelos do mundo, Karl Lagarfeld presidiu, no Paseo del Prado, a um monumental desfile de moda, como já não se via há mais de cinquenta anos. A passagem de modelos teve lugar ao ar livre, só por convite.

Este fim-de-semana, reúne-se em Pyongyang, capital da Coreia do Norte, o sétimo congresso do Partido Comunista. Já não havia congressos há 36 anos, recorde de todas as ditaduras de esquerda e de direita! A cidade vive em estado de mobilização há mais de dois meses. Desde as 5 da manhã, os altifalantes públicos começam a despejar, pelas ruas da cidade, apelos ao trabalho e músicas patriotas. Durante os trabalhos do congresso, estão proibidos os casamentos e os funerais.

Donald Trump, candidato da sociedade civil, sem máquina partidária, está praticamente designado como candidato republicano às presidenciais. Depois de vencer no Estado de Indiana, os seus rivais desistiram e já quase não há obstáculos a que este racista, xenófobo, machista, homofóbico e autocrata seja definitiva e oficialmente o candidato republicano. Terá provavelmente Hillary Clinton como adversária democrata.

Em Londres, uma das mais importantes cidades cristãs do mundo, realizaram-se eleições para o cargo de Mayor. Concorriam o muçulmano trabalhista de origem paquistanesa Sadiq Khan e o judeu conservador de origem alemã Zac Goldsmith. Venceu o trabalhista, que assim sucede a Boris Johnson, conservador, candidato a líder do partido e uma das principais figuras do Brexit, movimento que pretende que o Reino Unido saia da União Europeia.

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados brasileira, um dos carrascos da presidente Dilma, arguido e investigado em casos de corrupção ligados à Lava Jato, foi suspenso das suas funções pelo Supremo Tribunal Federal. Parece que um dos motivos era a forte probabilidade de ele vir a ser presidente substituto, no caso de Dilma ser afastada. Tal hipótese foi agora posta de parte.


 Estão praticamente suspensas, em todo o caso interrompidas, as negociações entre a União Europeia (desconcertada, a negociar em fraqueza) e os Estados Unidos (agressivos, a negociar em força), relativamente à Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP).

Contra a opinião dos sindicatos e dos pequenos partidos de esquerda, o Primeiro-ministro francês, o socialista Manuel Vals, insiste em fazer aprovar, no Parlamento, uma lei que flexibiliza os regimes laborais e reforça os poderes dos acordos de empresa que poderão sobrepor-se aos regimes gerais e aos contratos colectivos.

Vítor Constâncio, Vice-Presidente do BCE, Banco Central Europeu, continua a recusar prestar esclarecimentos ao Parlamento português, insistindo em que o faria apenas ao Parlamento europeu.

Nos quatro meses de actividade, depois da tomada de posse, o Governo português já nomeou, sem concurso, 275 dirigentes e altos funcionários do Estado.

O Presidente Marcelo quer repensar e rever o Acordo Ortográfico. O Governo não quer uma coisa nem outra.

O Primeiro-ministro António Costa inaugurou este fim-de-semana o túnel do Marão, um dos maiores da Península Ibérica, assim como mais um troço (Amarante a Vila Real) da auto-estrada do Porto a Bragança. António Costa convidou José Sócrates a assistir à inauguração.
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DN, 8 de Maio de 2016