tag:blogger.com,1999:blog-2678636639117903842024-03-19T08:48:30.041+00:00JacarandáAntónio Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.comBlogger1155125tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-80208537137604902902024-03-16T07:45:00.001+00:002024-03-16T07:45:10.580+00:00Grande Angular - A glória fátua do desastre<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">A</span>s e</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><b>leições </b>realizaram-se a 10 de Março. Há uma semana. Os resultados conhecidos trouxeram grandes surpresas. Mas ainda não se sabe realmente quem ganhou. As previsões têm alta probabilidade, mas não são ainda certezas. O apuramento dos votos ainda não acabou. Não se percebe porquê, mas a contagem de votos de emigrantes fica para o fim. Poderia estar pronta desde as vésperas da eleição. Os resultados poderiam ser logo acrescentados aos primeiros dados conhecidos, evitando-se assim esta verdadeira desconsideração pelos eleitores a viver no estrangeiro. Tudo ficaria resolvido. Mas não. Ficam a faltar quatro deputados que podem mudar os resultados! E ficamos quase duas semanas à espera. À espera... Os eleitores não percebem. Mas isso não importa.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ainda não se pode dizer com segurança quem tem mais votos e mais deputados eleitos. Para efeitos de indigitação, não se sabe quem, pessoa e partido, vai ser chamado a formar governo. Assim, o governo não existe, nem se conhecem os futuros ministros. Por direito próprio, o Parlamento deveria reunir no dia seguinte à sua eleição. Apesar disso, entre nós, essa inauguração fica dependente de factores burocráticos e políticos pouco recomendáveis. Logo, o Parlamento ainda não reuniu, o que só poderá acontecer lá para 25 deste mês, pelo menos duas semanas depois das eleições. Não se conhecem ainda todos os deputados eleitos. Por isso, o Primeiro-ministro e os seus ministros ainda não tomaram posse. Pelo que não há programa de governo. Muito menos aprovação ou rejeição de uma moção de confiança ou de censura. O que quer dizer que não há sequer ideias sobre a possibilidade de se preparar orçamento novo ou rectificativo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Sendo verdade tudo o que precede, não deixa de impressionar aquilo de que é capaz a imaginação dos políticos portugueses! Imaginação e espírito quezilento. Assim como egocentrismo impertinente e soberba partidocrática. Já vários partidos anunciaram que, sem conhecer governo, votariam moções de rejeição, não se sabe de quê, nem de quem. Outros garantiram que votariam contra o programa de governo e o orçamento que não conhecem pela simples razão de que não existem. Não se dão sequer ao trabalho de afirmar candidamente que “vão ler” ou “vão ouvir” … Não! Já sabem que não votam, nem querem.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O PCP vota contra. Ponto. O Bloco vota contra. Ponto. O PS faz oposição e vota contra. Ponto. O PSD diz que “não é não” e já anunciou há muito que não fala com o Chega, nem quer bloco central. O Chega diz que, se não for previamente consultado, vota contra. Convém repetir, pois parece inacreditável. Já há quem vote contra uma moção de censura, que não está escrita, que não se sabe se haverá, cujo autor se desconhece e cujo teor é um mistério. Não se sabe qual é o governo, nem qual é o seu programa, muito menos em que condições é formado, mas já se sabe que há quem vote contra. Parece que a força da oposição, das oposições, reside nesta maravilhosa frase digna de banda desenhada: “Não sei o que é, mas sou contra!”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O PSD deixou-se enrolar naquela que foi a maior vitória dos Socialistas, que perderam a eleição, mas ganharam o combate. Com a ajuda dos mais pequenos e o contributo de umas pessoas avulso, conseguiram demover o PSD e obrigá-lo a afirmar, antes das eleições, que não fariam alianças nem governos com o Chega. Daí o famoso “não é não!”, autêntica corda para o suicídio. Pagou assim uma apólice de seguro de vida aos socialistas. E reforçou o papel do Chega na oposição, coisa que interessa de novo aos socialistas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">De toda a maneira, isto tudo, que passa por ser o mais importante e é o mais falado, é próprio da coreografia do governo, da política e dos partidos, sempre mais interessados no adjectivo do que no conteúdo. Sempre mais preocupados com os processos do que com os objectivos. Sempre mais atentos às suas contas de “ganhos e perdas”, do que à realidade social e económica e à substância dos serviços públicos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>stranho país este, esquisito sistema partidário este, em que os grandes partidos, de quem tudo depende, se revelam medrosos e covardes, enquanto os pequenos partidos, atrevidos como não se imagina, de quem nada depende, com menos de meia dúzia de deputados, ousam dar a entender que tudo depende deles, que “não estão dispostos para isto”, que “estão disponíveis para aquilo”, e que “não contem com eles para aqueloutro”.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Não conseguimos afastar esta sensação de que a classe política portuguesa não está à altura de resolver os problemas que cria. Uns, especialistas em minas e armadilhas, entregam-se à intriga com facilidade. Outros ainda, pretensos conhecedores da alma humana, dedicam-se aos adjectivos e aos processos da política, como se os meios fossem mais importantes do que os fins.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É lamentável ter de o dizer, mas há quem queira sempre o pior. São condenáveis as generalizações, mas somos obrigados a verificar que quase todos estão interessados no desastre, na impossibilidade de governo, na dificuldade da coligação, na impotência de qualquer solução, no adiamento de qualquer acção e na realização de novas eleições. O Chega quer subir ainda mais. O PSD julga poder assegurar uma maioria. O PS quer ter uma segunda oportunidade. Os pequenos partidos, à beira da evaporação, procuram uma saída. Todos convencidos de que, assim, liquidam o Chega e vão buscar os seus despojos. O que o país pode sofrer, durante os próximos meses, até anos, na economia, na sociedade, na política e na cultura, parece ser totalmente indiferente. O que importa é o casino da política e o puzzle das teorias.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há duas hipóteses. Uma, a aliança da direita, entre PSD, CDS e Chega. Outra, dita de bloco central, entre o PSD e o PS. Quase ninguém quer uma. Quase ninguém quer outra. Acordos sólidos, mesmo se sectoriais ou parcelares, mas com palavra dada e documento escrito, conhecidos pelos eleitores e atraentes para os parceiros sociais? Também quase ninguém quer. Outras maneiras de participar, dialogar e colaborar, com ou sem participação no governo? Ninguém quer nem está para isso. O que terá dado a estes partidos, a esta classe política e a estes políticos para sacrificarem o seu país a interesses menores e a vaidades maiores? Querem a terra queimada e chamar-lhe paz e progresso…<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-indent: 35.4pt;"><i>Público, 16.3.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-11669205706598916462024-03-09T09:59:00.004+00:002024-03-09T09:59:28.384+00:00Grande Angular - O que é o voto útil?<p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">P</span>arece que, </b>ao contrário dos restantes, o dia de hoje é de reflexão. Serve para pensar no que foi dito e ouvido. E no que nunca foi dito. Os candidatos têm assim um dia de descanso, para fazer o que não fizeram antes: reflectir. Não servirá para grande coisa, dado que se vota no dia seguinte e já não há comícios ou acções. Os eleitores também têm o privilégio de um dia de reflexão. É inútil para o eleitorado em geral, dado que não se pode tornar público, nem partilhar com os outros os resultados dessa reflexão. Mas é um pensamento útil para nós próprios, no recato da nossa vida privada. Ajuda a esclarecer, quando é necessário. Ajuda a decidir, quando ainda há hesitação. Mesmo quando tudo leva a crer que a maior parte dos eleitores já decidiu. Ainda bem. Na verdade, o dia de reflexão parece ter sido forjado para os candidatos terem tempo de descansar, limpar espingardas, preparar as declarações de vitória ou de derrota, visitar os locais onde se vai carpir ou festejar. E preparar o que se vai dizer, à noite, na televisão, onde se joga a democracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O melhor da eleição é, evidentemente, o dia propriamente dito. Com bom ou mau tempo, cidadãos atravessam as ruas, cruzam-se nos passeios, esperam a sua vez nas filas diante das urnas e conversam. O ruído da cidade é menor do que habitualmente, os carros são mais pacíficos e as buzinas postas em descanso. Mas ouvem-se as vozes dos vizinhos, dos pais a chamar pelos filhos, dos amigos que trocam impressões sobre os resultados de “logo à noite”. Nos locais de voto, um ou outro figurão aproxima-se para votar, logo perseguido pelas televisões. Temos direito a declarações absolutamente inócuas, sempre cheias de esperança. Logo a paz se instala. Conforme os sítios, as classes e as idades, uns juntam-se para almoçar, outros para jantar. Uns reúnem-se em casa, outros em restaurantes. Logo à noite, entre o futebol, a Eurovisão, os Óscares, as telenovelas e outros desportos, as famílias dispersam-se em paz. Ficam os viciados em política que, a sós ou com amigos, passam metade da noite a ouvir comentários e ver sondagens. Alguns fazem apostas. Outros dirigem-se às televisões como se estas fossem pessoas vivas. Há uma velha crença, não destituída de razão, que diz que a verdadeira vitória eleitoral é a que se obtém na televisão durante a noite. Há evidente exagero. Mas também é verdade. São raríssimos os que já disseram: “perdemos”! São multidão os que dizem “ganhámos”! E todos dizem que fizeram o seu melhor. Já houve tempos em que a vigília durava até quase de manhã. Agora, em poucas horas sabe-se o essencial. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Neste dia, com raras excepções, mesmo os adversários parecem respeitar-se. Até os rivais se saúdam. Será que se pensa que o dever foi cumprido? Ou que o direito foi exercitado? Pode imaginar-se que vingue um espírito desportivo, isto é, “vai haver quem ganhe e quem perca”? Por outras palavras, o dia de eleição, o dia de ida às urnas parece ser o mais doce e civilizado dia que a democracia oferece. Parece ser também aquele em que toda a gente sente prazer em pertencer e sente orgulho em decidir. A dignidade do cidadão está ali, naquele gesto com que deita o papel na urna. A utilidade do voto reside ali, na decisão livre e sem vigilância, no sentimento de que se tem algum poder, que se tem algo para dizer.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>stranhamente, ou talvez não, todas as atenções se dirigem para o “voto útil”. Tanto dos candidatos e partidos, como dos comentadores, dos jornalistas e dos analistas. Os partidos em primeiro lugar. Cada partido considera que o único voto útil é em si próprio. Para evitar os desmandos. Para impedir os exageros dos outros. Para liquidar as políticas dos adversários, fontes de todos os males. Uns partidos invocam o voto útil, em si próprios, para evitar a direita ou a extrema-direita. Outros, para evitar as coligações de esquerdistas e comunistas. Mas sempre voto útil. Também há os que garantem que o voto útil, em si, é o voto que obriga os outros a fazerem o que eles querem. É o argumento próprio dos pequenos partidos que afirmam que o voto útil é o que lhes permitirá obrigar os grandes a fazer as suas políticas. Já os grandes partidos consideram que votar nos pequenos partidos é inútil E que o voto útil é neles. Só eles podem garantir estabilidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em segundo lugar, os analistas e comentadores. Descobriram eles que, neste misterioso “voto útil”, se encontrava uma gazua teórica para explicar quase tudo o que não percebem. Verdade é que, entre jornalistas, comentadores e analistas, se inventou esta categoria: os eleitores do “voto útil”. Por outras palavras: o “voto útil” é aquele que não tem razão de ser doutrinária, nem emocional, muito menos cultural ou de classe. Haveria um grande grupo de pessoas, ninguém sabe quantas, que não vota por convicção ou sentimento de pertença. Vota num, porque quer evitar o outro. Porque quer derrotar um inimigo, não porque queira um amigo. Quer derrotar quem não gosta, ou quem tem poder a mais, não procura que ganhe aquele de quem gosta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O candidato apela ao voto útil porque simplesmente não sabe que mais dizer. Tem receio de afirmar que os eleitores devem trair as suas convicções ou os seus partidos tradicionais. Não ficam à vontade se lhes disserem que o voto não corresponde a crenças, muito menos doutrina. Inventaram o voto útil. O comentador justifica tudo, analisa tudo, explica tudo. Ou quase. O que não consegue explicar, como sejam as transferências de votos estranhas, as perdas de convicção ou o desgosto nos anteriores favoritos, tudo isso passa para a grande categoria de voto útil. Os candidatos não se dão conta do atestado de imbecilidade que estão a passar aos eleitores que consideram úteis. Os comentadores não percebem que estão a esconder a sua ignorância e que isso se vê.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Votar tem alguma utilidade? Tem! Nem que seja em branco. Ou nulo. Qualquer voto é bom, qualquer voto é útil. Votar é usar a liberdade, como aquelas baterias que duram se são usadas. Votar útil é votar livremente. Votar útil é escolher com autonomia. Pode votar-se na direita ou na esquerda, no grande ou no pequeno partido, no autoritário ou no democrata. No machista ou no feminista. No multicultural ou no integracionista. No branco ou no negro. No rico ou no pobre. Qualquer destes votos é útil, porque a utilidade do voto de cada um é ser o meio de afirmar a sua liberdade, de fundar a sua dignidade, de ser cidadão e de escolher.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Se há uns votos que são “úteis”, o que são os outros? Inúteis?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;">.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 9.3.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-73987226614012978052024-03-09T09:58:00.005+00:002024-03-09T09:58:41.178+00:00Grande Angular - O que é o voto útil?<p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;">Por António Barreto</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;"><o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">P</span>arece que, </b>ao contrário dos restantes, o dia de hoje é de reflexão. Serve para pensar no que foi dito e ouvido. E no que nunca foi dito. Os candidatos têm assim um dia de descanso, para fazer o que não fizeram antes: reflectir. Não servirá para grande coisa, dado que se vota no dia seguinte e já não há comícios ou acções. Os eleitores também têm o privilégio de um dia de reflexão. É inútil para o eleitorado em geral, dado que não se pode tornar público, nem partilhar com os outros os resultados dessa reflexão. Mas é um pensamento útil para nós próprios, no recato da nossa vida privada. Ajuda a esclarecer, quando é necessário. Ajuda a decidir, quando ainda há hesitação. Mesmo quando tudo leva a crer que a maior parte dos eleitores já decidiu. Ainda bem. Na verdade, o dia de reflexão parece ter sido forjado para os candidatos terem tempo de descansar, limpar espingardas, preparar as declarações de vitória ou de derrota, visitar os locais onde se vai carpir ou festejar. E preparar o que se vai dizer, à noite, na televisão, onde se joga a democracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O melhor da eleição é, evidentemente, o dia propriamente dito. Com bom ou mau tempo, cidadãos atravessam as ruas, cruzam-se nos passeios, esperam a sua vez nas filas diante das urnas e conversam. O ruído da cidade é menor do que habitualmente, os carros são mais pacíficos e as buzinas postas em descanso. Mas ouvem-se as vozes dos vizinhos, dos pais a chamar pelos filhos, dos amigos que trocam impressões sobre os resultados de “logo à noite”. Nos locais de voto, um ou outro figurão aproxima-se para votar, logo perseguido pelas televisões. Temos direito a declarações absolutamente inócuas, sempre cheias de esperança. Logo a paz se instala. Conforme os sítios, as classes e as idades, uns juntam-se para almoçar, outros para jantar. Uns reúnem-se em casa, outros em restaurantes. Logo à noite, entre o futebol, a Eurovisão, os Óscares, as telenovelas e outros desportos, as famílias dispersam-se em paz. Ficam os viciados em política que, a sós ou com amigos, passam metade da noite a ouvir comentários e ver sondagens. Alguns fazem apostas. Outros dirigem-se às televisões como se estas fossem pessoas vivas. Há uma velha crença, não destituída de razão, que diz que a verdadeira vitória eleitoral é a que se obtém na televisão durante a noite. Há evidente exagero. Mas também é verdade. São raríssimos os que já disseram: “perdemos”! São multidão os que dizem “ganhámos”! E todos dizem que fizeram o seu melhor. Já houve tempos em que a vigília durava até quase de manhã. Agora, em poucas horas sabe-se o essencial. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Neste dia, com raras excepções, mesmo os adversários parecem respeitar-se. Até os rivais se saúdam. Será que se pensa que o dever foi cumprido? Ou que o direito foi exercitado? Pode imaginar-se que vingue um espírito desportivo, isto é, “vai haver quem ganhe e quem perca”? Por outras palavras, o dia de eleição, o dia de ida às urnas parece ser o mais doce e civilizado dia que a democracia oferece. Parece ser também aquele em que toda a gente sente prazer em pertencer e sente orgulho em decidir. A dignidade do cidadão está ali, naquele gesto com que deita o papel na urna. A utilidade do voto reside ali, na decisão livre e sem vigilância, no sentimento de que se tem algum poder, que se tem algo para dizer.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>stranhamente, ou talvez não, todas as atenções se dirigem para o “voto útil”. Tanto dos candidatos e partidos, como dos comentadores, dos jornalistas e dos analistas. Os partidos em primeiro lugar. Cada partido considera que o único voto útil é em si próprio. Para evitar os desmandos. Para impedir os exageros dos outros. Para liquidar as políticas dos adversários, fontes de todos os males. Uns partidos invocam o voto útil, em si próprios, para evitar a direita ou a extrema-direita. Outros, para evitar as coligações de esquerdistas e comunistas. Mas sempre voto útil. Também há os que garantem que o voto útil, em si, é o voto que obriga os outros a fazerem o que eles querem. É o argumento próprio dos pequenos partidos que afirmam que o voto útil é o que lhes permitirá obrigar os grandes a fazer as suas políticas. Já os grandes partidos consideram que votar nos pequenos partidos é inútil E que o voto útil é neles. Só eles podem garantir estabilidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em segundo lugar, os analistas e comentadores. Descobriram eles que, neste misterioso “voto útil”, se encontrava uma gazua teórica para explicar quase tudo o que não percebem. Verdade é que, entre jornalistas, comentadores e analistas, se inventou esta categoria: os eleitores do “voto útil”. Por outras palavras: o “voto útil” é aquele que não tem razão de ser doutrinária, nem emocional, muito menos cultural ou de classe. Haveria um grande grupo de pessoas, ninguém sabe quantas, que não vota por convicção ou sentimento de pertença. Vota num, porque quer evitar o outro. Porque quer derrotar um inimigo, não porque queira um amigo. Quer derrotar quem não gosta, ou quem tem poder a mais, não procura que ganhe aquele de quem gosta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O candidato apela ao voto útil porque simplesmente não sabe que mais dizer. Tem receio de afirmar que os eleitores devem trair as suas convicções ou os seus partidos tradicionais. Não ficam à vontade se lhes disserem que o voto não corresponde a crenças, muito menos doutrina. Inventaram o voto útil. O comentador justifica tudo, analisa tudo, explica tudo. Ou quase. O que não consegue explicar, como sejam as transferências de votos estranhas, as perdas de convicção ou o desgosto nos anteriores favoritos, tudo isso passa para a grande categoria de voto útil. Os candidatos não se dão conta do atestado de imbecilidade que estão a passar aos eleitores que consideram úteis. Os comentadores não percebem que estão a esconder a sua ignorância e que isso se vê.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Votar tem alguma utilidade? Tem! Nem que seja em branco. Ou nulo. Qualquer voto é bom, qualquer voto é útil. Votar é usar a liberdade, como aquelas baterias que duram se são usadas. Votar útil é votar livremente. Votar útil é escolher com autonomia. Pode votar-se na direita ou na esquerda, no grande ou no pequeno partido, no autoritário ou no democrata. No machista ou no feminista. No multicultural ou no integracionista. No branco ou no negro. No rico ou no pobre. Qualquer destes votos é útil, porque a utilidade do voto de cada um é ser o meio de afirmar a sua liberdade, de fundar a sua dignidade, de ser cidadão e de escolher.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Se há uns votos que são “úteis”, o que são os outros? Inúteis?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;">.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 9.3.2024<o:p></o:p></i></p><p align="center" class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: center;"><i><o:p></o:p></i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-29817233936857563972024-03-02T10:14:00.001+00:002024-03-02T10:14:14.300+00:00Grande Angular - O fim dos partidos políticos<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span> fenómeno</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">não é novo. Mas é mais real do que nunca. Esta eleição veio acelerar o desaparecimento dos partidos políticos. Pelo menos, tal como os conhecemos durante décadas. A campanha está sobretudo concebida para a televisão e “as redes”. O que quer dizer preparada para as aparições dos chefes à saída dos restaurantes, as visitas dos chefes a hospitais e ao repouso dos chefes. Tudo está pensado para que os momentos importantes sejam os debates e as entrevistas de televisão dos chefes. Até os programas da manhã, que não era possível imaginá-los com política à mistura, são agora feitos de modo a que os chefes apareçam e por ali espalhem os seus talentos privados e as suas sofisticadas modéstias.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Na verdade, não estamos perante uma competição entre partidos, muito menos uma apresentação de alternativas. Estamos, isso sim, diante de um combate de chefes. E de uma passagem de modelos. Se a eleição fosse a do Presidente da República, ainda vá. Mas não é. Não se trata de cargo pessoal. Só combate de chefes. Mesmo os que elogiam o colectivo, deixam-se arrastar pelas vaidades dos duelos. Mesmo o Bloco e o PCP, tão palavrosamente elogiosos do trabalho de equipa, acabaram por tudo fazer girar à volta do chefe.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">São cada vez mais fortes os indicadores das novas tendências, as que substituem o papel dos partidos pela função dos líderes. Poderá dizer-se que não se trata de fenómeno novo. Mas novo é o facto de tal se fazer à custa da dissolução sistemática das estruturas dos partidos. Os organismos partidários são meros instrumentos do Chefe. É visível e deplorável o apagamento de estruturas partidárias. A doutrina comum, a natureza de classe, as inclinações religiosas, as tradições comunitárias e as opções doutrinárias desaparecem, deixando lugar às mais banais proclamações adjectivas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Movimentos novos e partidos tradicionais agem no mesmo sentido, no da destruição do partido como organização política autónoma e reconhecida. Pelo que não percebem das mudanças do eleitorado. Pelos erros que cometem. Por esta espécie de autismo em que os partidos vivem, na certeza de que tudo o que está mal é da culpa dos outros, da extrema-direita, dos esquerdistas, dos imigrantes, da juventude sem credo e do povo sem crença!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">S</span></b>em partidos políticos, não há democracia. É, para muitos, um princípio indiscutível. Mas não é possível deixar de pensar em todas as outras possibilidades. O que é a democracia sem partidos políticos, ninguém sabe. Mas…. Há quem pense que é possível organizar a vida política das comunidades com outras instituições e de outras formas. Teoricamente, a democracia pode ser melhor sem partidos. Com menos “rackets” organizados para capturar o Estado e as autarquias. Mas também pode ser pior, com movimentos ditos “inorgânicos” e efémeros, sem identidade histórica nem programa, sem doutrina nem valores de referência, quase só energia e protesto. E vontade despótica.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os partidos políticos podem ser fonte de racionalidade, tal como os “movimentos” são factores de irracionalidade. Os novos movimentos, associações e grupos efémeros, dependem de racionalidades ou interesses externos, ligados a uma pessoa, herói ou demagogo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há vários exemplos em Portugal. É uma realidade em crescimento. Chega, PAN, ADN, Bloco de esquerda, Nova Direita e outros pertencem a esta nova variedade. Os dois grandes partidos, PS e PSD, resistem, mas já exibem as suas fraquezas. O mais antigo, PCP, está em vias de desaparecimento, como em quase todo o mundo. O CDS já despareceu. É possível que a democracia portuguesa seja dominada, nas próximas décadas, por figuras efémeras, agentes de interesses, mafias internacionais…<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">As presentes eleições e respectiva campanha são as mais certeiras demonstrações deste caminho para a destruição dos partidos como centros de racionalidade. Uns desapareceram. Outros nasceram, mas já não são partidos políticos no sentido conhecido. Os que melhor resistem são agora obrigados a compor com movimentos, com iniciativas sem história e talvez sem futuro. Mas que são o que é hoje a política. Os que se mantêm como partidos deixaram de perceber os cidadãos. E deixaram de ter que lhes dizer. Não recebem inspiração, nem lhes dão valores, só subsídios e pensões. O tema não é evidentemente português. O mesmo acontece em vários países, na Itália e em França, ou na Europa central e oriental. Muitos são os partidos socialistas, social-democratas, democrata-cristãos, comunistas e radicais que já desapareceram.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Curiosamente, os partidos tinham mais existência, como organizações e estruturas associativas, quando tinham líderes fortes e notáveis (Soares, Sá Carneiro, Cunhal…), do que agora que parece terem dirigentes iguais aos militantes. Em certo sentido, parece poder dizer-se que os chefes muito fortes eram traços de continuidade ou faróis de reconhecimento. Os seus partidos podiam perder ou ganhar, mas eles mantinham-se por períodos razoáveis (talvez de mais, quem sabe?) e os programas duravam com eles. Hoje, líder derrotado é líder morto. Chefe que não vence vai para a rua. Líder que vence, fica e manda.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Chefes fortes de partidos fracos são más receitas para a democracia. São partidos com poucas relações com as instituições, as associações profissionais, os sindicatos, as empresas, as religiões, as universidades e outras, que reforçam as democracias e as liberdades. Chefes fortes querem dar voz ao descontentamento, ao protesto e às pulsões naturais das pessoas em dificuldade. São partidos instantâneos e fracos que não existem sem os seus líderes de momento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">De modo crescente, as campanhas eleitorais têm sido viveiros de líderes fortes de partidos fracos, o que é confirmado pelas dezenas de comentadores, jornalistas, analistas e académicos que ocupam os canais de televisão. Já ninguém quer saber da espessura política e da vivacidade doutrinária de um partido. A ideia é simples: a mensagem passa se o líder passa. O líder passa se tudo depende dele, se só ele tem voz e se os militantes se limitam às árias do coro ou às funções do papagaio. Aliás, os debates, as entrevistas e os comentários giram cada vez mais à volta das questões adjectivas. Com quem se alia? Quem rejeita? Quem exclui? De quem quer apoio? E se perder muito? E se ganhar pouco?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Convém não esquecer: os partidos fracos tornam fracos os fortes líderes.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 2.3.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-72135361360708043052024-02-24T10:01:00.002+00:002024-02-24T10:01:23.017+00:00Grande Angular - Perderam os dois. E nós também<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">combate dos Chefes</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">terminou com uma certeza: a de que perderam os dois. Basta, aliás, o facto de todos os simpatizantes (políticos, comentadores, analistas e jornalistas) de um dos dois terem apoiado e garantido a vitória do seu preferido, enquanto todos os simpatizantes (políticos, comentadores, analistas e jornalistas) do outro terem afirmado que o seu dilecto era o vencedor, basta esta pequena observação para concluir que ambos perderam. É visível e de lamentar: com raríssimas excepções, os autores dos comentários e das análises das duas ou três dezenas de debates eram aficionados. Conclusão: quem designa o “vencedor” é quem escolhe os comentadores.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Vivemos tempos estranhos! O tema mais disputado, o segredo mais bem guardado, a questão bélica mais utilizada, a <i>vexata quaestio</i> mais atraente, a grande força dos contendores e a grande vulnerabilidade dos mesmos traduz-se nas mais absurdas perguntas que se fazem um ao outro e que todos lhes fazem: se perder, o que vai fazer? Se sair derrotado das eleições, quem vai apoiar? Se ficar em segundo lugar, promete apoiar quem fica em primeiro? As perguntas mais frequentes fazem sorrir qualquer pessoa. Em vez de perguntar “o que faz se ganhar?”, pergunta-se “o que faz se perder?”. Realmente importante é o vencedor do debate, não o vencedor das eleições.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Esperava-se, em território conhecido, que todos estivessem interessados no que o vencedor vai fazer. Por exemplo, se vencer as eleições, como vai agir para salvar o SNS? Mantém uma política dita de “contas certas”? Que garante fazer com os professores, os médicos, os enfermeiros, os oficiais de justiça, os polícias e os militares? Como pensa o seu partido melhorar a situação dos agricultores? Não vale a pena esperar: não, nada, nunca! O que interessa é saber o que vai fazer o outro, se apoia o vencedor caso perca as eleições!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Também há muita gente interessada em perguntas difíceis, mas que, por o serem, seriam justamente as adequadas para uma disputa eleitoral. Como pensa que o nosso país será afectado pelos conflitos em curso, no Próximo Oriente, na Ucrânia, em vários pontos de África e no Extremo Oriente? Qual deve ser a política do Estado português relativamente a esses conflitos? Como se deve preparar Portugal para eventuais alterações da ordem internacional e da NATO em especial? Pode-se esperar sentado pelas respostas: não, nada, nunca! Importante é saber se, sem maioria, apoia os governos dos adversários.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">As grandes questões de Estado que importa tratar e resolver, como sejam a revisão constitucional, os poderes dos órgãos de soberania, o sistema eleitoral, a organização da Justiça e o conceito estratégico nacional serão também devidamente ocultadas. Que pensam os chefes dos principais partidos? Zero! Não se sabe. Não dizem. Não querem ouvir falar. Estão ocupados com questões mais importantes e decisivas para o país e a população, tais como as de saber o que vai fazer um se perder e se vota o orçamento do outro!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A defesa e a segurança, sempre vitais, mas agora, de modo brutal, essenciais, estão ausentes de tal modo que se fica mesmo com a impressão de que não sabem o que pensar nem imaginam o que devem fazer. A organização das Forças Armadas, actualmente com falta de pessoal e de envolvimento da comunidade, sem equipamento à altura, nem capacidade para cumprir as suas missões, está fora das cabeças dos candidatos. Não explicam. Não sabem. Não prometem. Não se comprometem. Mas têm urgência em saber o que fará o outro se perder e sobretudo no caso de perderem os dois.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nas questões internas, para além da habitual distribuição de subsídios e descontos, há matéria urgente. Por exemplo, a política de imigração e o controlo das populações a viver ilegalmente. Ou ainda, os prazos da justiça e o desempenho dos tribunais cada vez mais deficiente. Ou, finalmente, o aumento de criminalidade e da corrupção. Quais são os planos dos candidatos? Estão preparados para os debater diante de nós? Sentem-se capazes de assumir compromissos que não sejam as eternas frases de calendário? Não parece ser o caso. Nada disso é importante. Decisivo é saber se o que perde as eleições vai votar o programa do outro. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Fazem campanha eleitoral não para tornar público o que pensam, mas sim para agradar quem os ouve, dar a impressão de que farão o que se lhes diz, acatar quem lhes fala e dar tudo o que pedem. Os candidatos refugiam-se no novo conceito de proximidade para nada dizer e tudo prometer. E com um único propósito: incomodar o adversário, encostar o outro à parede e vencer, como se fosse luta livre.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É impressionante a sensação de receio que os Chefes transmitem! Ambos receiam perder e não serem capazes de fazer governo ou de ficarem nas mãos dos pequenos aliados. Deviam estar preocupados com a sua ambicionada maioria e com o que fazer nesse caso, mas não, estão angustiados com a sua minoria e a do outro. Parece até que nunca aconteceu em Portugal. Na verdade, maiorias de coligação ou aliança não previstas antes das eleições, não anunciadas durante a campanha e improvisadas depois, houve pelo menos três: a de Mário Soares com o CDS de Freitas do Amaral e Amaro da Costa, a de Mário Soares com o PSD de Mota Pinto (o famoso Bloco Central…) e a de António Costa com o PCP e o Bloco. Boas ou más, não estavam previstas, resultaram da necessidade. Boas ou más traduziram o sentido de responsabilidade de um ou mais partidos. Assim como foram o reflexo da vontade de poder e da ambição. Tudo dentro das regras democráticas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Hoje, parece pecado não admitir logo à cabeça que pode perder as eleições ou não dizer com quem fará coligações. Mesmo sem conhecer os resultados das eleições. Mesmo sem saber com que aliados se pode contar. Mesmo sem saber o que o eleitorado quer! Exige-se dos candidatos que digam, desde já, se votam moções de censura (sem ver o texto e sem conhecer as circunstâncias), se viabilizam orçamentos (sem conhecer o conteúdo e sem debater as opções) e se apoiam governos sem ver a exacta composição, sem conhecer o programa e sem avaliar as respectivas opções. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Portugal tem contribuído galhardamente para a transformação do debate político em luta livre sem conteúdo político. Só com adjectivos e sem discussão relevante. Elevação e respeito pelo eleitorado são géneros raros na caixa de ferramentas dos candidatos. É só minas e armadilhas.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: center;"><i>Público, 24.2.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-45842032249426575382024-02-17T09:47:00.003+00:002024-02-17T09:47:17.157+00:00Grande Angular - Campanha eleitoral: Falhas intoleráveis<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">É </span>um nariz de cera</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">conhecido: “esta campanha eleitoral não vale grande coisa, as anteriores é que eram boas”. Acontece que não é totalmente verdade. Esta pré-campanha começou muito bem. Duas vantagens são já indiscutíveis. Por um lado, os debates de chefes animaram o público que parece acorrer a ver e ouvir. É verdade que ficam a perder os partidos, as equipas e as políticas, tudo se limitando às qualidades e aos talentos dos líderes. Mas estes têm pelo menos o condão de atrair e interessar. Por outro lado, já se percebeu quais são os tabus, isto é, os temas de que os partidos não querem falar, nem assumir compromissos. Grande mérito o de mostrar o que os candidatos pretendem esconder.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em primeiro lugar, a Justiça. Nem é necessário recorrer aos tempos, longos e inacabados, de Sócrates, do BES, da PT, do BNP e de tantos outros. Depois do que se passou recentemente em Lisboa, na Madeira e em Coimbra, há cada vez menos dúvidas sobre a actuação do Ministério Público: as suas ingerências na política, as suas incompetências técnicas ou a sua rivalidade com polícias e magistraturas. Mais ainda do que isso, os últimos anos têm revelado uma Magistratura Judicial absolutamente incapaz de tratar da grande criminalidade associada ao poder político, à grande fortuna, à corrupção, ao futebol ou ao mundo dos negócios públicos ou privados. A rivalidade entre polícias não ajuda. As reivindicações dos oficiais de justiça só complicam. A culpa e o crime de vários juízes e procuradores ilustram este pesadelo, já alimentado pela criminalidade em que estão envolvidos políticos, governantes, administradores de empresas públicas, autarcas, empresários e banqueiros. Todos os casos sobejamente conhecidos e que, há anos, fazem o quotidiano da comunicação social, têm de comum as falhas e as deficiências da Justiça. Sendo que a rivalidade entre Magistrados e entre estes e Procuradores atinge as raias da obscenidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nunca vivemos, como agora, tão intensa e delicada crise da Justiça. Agravada esta pela abdicação dos poderes políticos e pela desistência dos órgãos de soberania. Além disso, a passividade dos profissionais e a ineficácia das instituições tornam tudo mais difícil. Para completar este quadro, a rivalidade entre profissionais e as lutas internas entre e dentro dos grandes corpos da justiça são tais que os direitos dos cidadãos são postos em perigo. Finalmente, é confrangedora a paralisia do governo e do Parlamento. Fica-se com a impressão de que os magistrados e os procuradores desprezam e desconfiam dos políticos e de que estes têm medo daqueles e das suas informações. Fora dos debates eleitorais, a Justiça revela bem a sua crise e a sua ameaça. O silêncio dos candidatos mostra bem o seu medo e a sua cumplicidade. Ora, está em causa a liberdade de um povo. Como é sabido, sem Justiça não há democracia. Nem liberdade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Segundo, a política internacional e as questões europeias. Como nunca desde há setenta anos, os perigos e as ameaças são enormes. As guerras em curso, as alianças antigas e novas e as crises iminentes em várias partes do mundo exigiriam esclarecimentos, empenho e compromisso por parte dos nossos políticos e candidatos. A previsível crise da NATO deixa qualquer europeu, ou qualquer português, pelo menos inquieto. O desmantelamento e a suspensão da Aliança são perfeitamente possíveis. Mesmo num pequeno país como o nosso, sem capacidade militar para influenciar o curso da história, exige-se que os governantes esclareçam o seu povo. Estão essencialmente em causa a sua liberdade, a sua segurança e a sua paz.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Terceiro, a defesa nacional e segurança europeia são assuntos estranhos e alheios às eleições portuguesa. Pela sua urgência, todas as questões essenciais à defesa e à segurança dos portugueses necessitam de pensamento e esforço colectivo. Sem capacidades para uma defesa auto-suficiente, a nossa política de defesa tem de ser sufragada e devidamente orientada, incluindo o equipamento, o orçamento, o serviço, o recrutamento e a sua organização. Nada disto merece a atenção dos candidatos. Estes têm receio das dificuldades do tema, dos sacríficos impostos, dos gastos e da própria ignorância. Está em causa a capacidade dos portugueses para integrar uma defesa colectiva e uma segurança europeia. Sem o que não passaremos de parasitas. E ninguém nos respeitará.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Quarto, as políticas de imigração e emigração. É, por causa dos preconceitos, um dos temas mais delicados. A maior parte dos candidatos receia-o. Ou prefere esconder as suas posições. Ou não quer correr os riscos de um pensamento difícil. Verdade é que Portugal vive um dos períodos, da sua história, de maior emigração para o estrangeiro. E, ao mesmo tempo, o período de maior imigração de estrangeiros. Estes dois movimentos de população traduzem quase tudo o que há de importante numa sociedade: identidade, capacidade económica, educação, rendimentos e condições sociais. O trabalho ilegal, o tráfico de força de trabalho e a residência clandestina são cuidadosamente evitados. Às dificílimas questões da “Integração Versus Multiculturalismo”, assim como do controlo dos movimentos demográficos, os candidatos, em geral, fogem espavoridos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">A</span></b>bundantemente presentes na campanha estão as dádivas, os presentes, o “bacalhau a pataco”, o “cabrito com batatas”, o “vinho a tostão” e o bodo aos pobres! O que cada partido oferece aos eleitores de aumentos ou de reduções, de benefícios ou de isenções, nem anos de orçamento comportariam. Sem fazer as contas, toda a gente oferece tudo o que lhe vem à cabeça. Evidentemente, já são contemplados a educação, a saúde, os salários, o ambiente e a segurança social. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Além do tacticismo político mais imediato e barato. Como, por exemplo, as questões de arremesso desta temporada: com quem não fazes aliança? Quem recusas? Com quem governas caso não tenhas maioria absoluta ou caso fiques em segundo lugar? Quem prometes excluir? São perguntas legítimas, mas fáceis e superficiais. Além de que retiram aos partidos, antes da eleição, liberdade de acção. Na verdade, a melhor resposta é a de simplesmente garantir que se fará o que o eleitorado quiser. Ponto final. Não é possível dizer que, nesta campanha e até agora, não se tenham abordado questões importantes. Não seria verdade. Mas é certo que as ausências são graves e significativas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i><span style="color: #2b00fe;">Público, 17.2.2024</span></i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-20916565152606350602024-02-10T10:14:00.002+00:002024-02-10T10:14:23.162+00:00Grande Angular - Perigos, ameaças e fantasmas<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">partido Chega</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">é provavelmente a maior novidade do sistema político português e da história política recente. De importância parecida, mas efémero, foi o PRD dos anos oitenta. Ainda de grande significado, o quase desaparecimento do CDS e do PCP. De menor importância, mas ainda sem que se saiba o seu futuro, o Bloco de Esquerda. Com valor e longevidade por apurar, são a Iniciativa Liberal, o PAN e o Livre. E pouco mais. O Chega, com 12 deputados e 7,5% dos votos, em tão pouco tempo, merece atenção. Em menos de cinco anos, ultrapassou o Bloco e o PCP e é o terceiro partido! Mais do que isso, os valores atingidos nas sondagens, cerca de 20% actualmente, apontam já para uma realidade de peso. Mais ainda: o lugar que este partido ocupa no espaço público, nas redes sociais, no Parlamento e nas reuniões partidárias, fazem dele um fenómeno. Para muitos, uma ameaça. Para alguns, um perigo iminente. Para todos, um espectro. Como na Europa.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Sem qualquer dúvida, este partido é nacionalista, de direita, conservador, com veios de extrema-direita e laivos de xenofobia. É populista, diz-se agora. Tem sobretudo uma inteligência intuitiva afinada: mal surge uma deficiência, uma razão de queixa, um problema social, uma incompetência do Estado ou uma qualquer crise, logo André Ventura e o seu partido “saltam”, atacam o problema e denunciam os que entendem ser os responsáveis, isto é, todos os outros, sobretudo o governo e o PSD. Fome, greves, trabalho clandestino, crime, droga, pobreza, violência, miséria nas periferias, filas de espera nos hospitais, baixos salários em todos os sectores, nada escapa ao Chega. Corrupção, nepotismo, favoritismo familiar ou partidário são talvez as principais molas que o fazem reagir com prontidão e espalhafato.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Para muitos, é um partido fascista ou neofascista. De simpatias neonazis, evidentemente. E de antepassados salazaristas. Para esses, os responsáveis pelo seu crescimento são as forças de direita, assim como os partidos socialistas que mais não fazem do que a política da direita. Para outros, são variadas as explicações para este fenómeno. Na velha tradição marxista, trata-se de obra e graça do grande capital monopolista e da política do imperialismo. As contradições do capitalismo actual e a decadência do imperialismo americano exigem partidos deste género, dizem. Contra o simplismo desta teoria, elevaram-se opiniões, com outra dimensão epistemológica: este seria um partido tipicamente da pequena-burguesia, aquela que se encontra, sem passado nem futuro, entre o mundo do trabalho e o do capital. Sem ideologia de classe, um partido como este é atraído pela demagogia anticapitalista e sobretudo pela fúria anticomunista. Outras explicações, se assim se podem chamar, filiam este partido na mais pura tradição nacionalista, anti internacionalista, anticomunista e antieuropeia. Seria um partido do passado, contra a modernidade. Já agora, um partido com raízes rurais e católicas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">O</span></b> partido Chega, pobre em doutrina e programa, oportunista e provocador como nunca se tinha visto em Portugal, beneficiando de arguto sentido da ocasião, é o resultado das deficiências da democracia. Das dificuldades do Estado providência e da democracia contemporânea. Da partidocracia reinante, à esquerda e à direita. Vive no abismo que cresceu entre os Estados e a União Europeia, por um lado, os cidadãos e as instituições, por outro. Caça e pesca nas águas turvas das comunidades nacionais em crise causada pela globalização. Nunca se ouviu justificar as suas causas na liberdade individual ou nos direitos dos cidadãos. Nunca se viu fundamentar a sua acção na democracia. O partido denuncia a democracia, não a enriquece nem alimenta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O seu mais eficaz programa diz, em poucas palavras, que deve denunciar todas as crises, dificuldades e carências. Há sempre culpados para os problemas sociais. Protesta contra tudo e todos que reputa responsáveis pelo regime actual. Como ainda não tem currículo, nem experiência política, nem tradição autárquica, isto é, como ainda não deve nada a ninguém, denuncia e acusa todos e cada um. Propõe-se, com enorme despudor, privatizar o que está nacionalizado ou nacionalizar o que privado é. Expulsar, proibir e prender são verbos que conjuga com familiaridade. É partido com a inteligência suficiente para, sem doutrina nem programa, apurar as suas artes no protesto e na denúncia. Chora diante da pobreza, geme perante a corrupção. Escandaliza-se com a corrupção dos democratas. Desespera com a intervenção europeia, a perda de independência e a submissão aos interesses internacionais. Não se sente tolhido pela Igreja, nem pela Maçonaria. Não depende de patrões ou de sindicatos. Usará a democracia enquanto esta lhe for útil, para crescer, usufruir de espaço público, denunciar democratas e vilipendiar poderosos. Se, um dia, a democracia lhe impuser o respeito pelos outros, assim como o obrigue a seguir as leis e acatar a tradição, nesse dia, o mais provável é que atire a democracia às urtigas. A sua palavra de ordem é o mais medíocre dos clichés: “limpeza”!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Incapazes de derrotar a direita, os socialistas esperam que o Chega a divida. Querem que o Chega seja o seguro de vida da esquerda, tal como o PCP foi, da direita, durante os anos de ostracismo. Os comunistas e o Bloco limitam-se a denunciar o capitalismo e a culpar os socialistas, estimando que, se estes fizessem o que eles querem, o fascismo seria derrotado. Todos os partidos, sem excepção, deram um precioso contributo para a crescimento do Chega. No governo, os socialistas trouxeram causas ao Chega. Nos hospitais, nas escolas, nas fronteiras, nos transportes públicos, nos bairros periféricos e nos centros das cidades, os democratas estão a alimentar o Chega à mão. O desdém dos partidos democráticos pelo povo e pelas vítimas, pelos pobres e pelos necessitados, é uma linha de vida do Chega. Estes partidos agem como se os eleitores do Chega não fossem cidadãos como os outros. A democracia sem tom nem som, com preocupação pelas intrigas, é uma vitamina do Chega. O Chega não é um inimigo externo, não vem de fora da sociedade, muito menos fora do país: nasce das falhas e da miséria da democracia portuguesa. Jornais e televisões colocaram-no no centro do mundo. Os partidos democráticos fizeram dele o inimigo e a ameaça. Não cessam de a ele se referir. Talvez se queixem, um dia. Mas queixam-se da sua própria obra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i><span style="color: #2b00fe;">Público, 10.2.2024</span></i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-71978200446894913562024-02-03T09:06:00.004+00:002024-02-03T09:06:33.392+00:00Grande Angular - Será chuva? Será gente?<p><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">que está a correr mal? </b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">E porquê? Num país que ainda há pouco tempo gozava de estabilidade, cooperação institucional, algum crescimento económico, contas certas e paz social, de repente, tudo se estragou. Nas ruas, ouvem-se ruídos e rumores de manifestação. Nos serviços públicos, há espera e ineficiência. Na justiça, há atraso. Na política, há corrupção. Na sociedade, há desigualdade. No espaço público, há descontentamento. Que se passa? São as elites? Será o povo? É a crise mundial? Será a guerra?</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Para explicar o mundo, os acontecimentos, a história e a política, não há nada melhor do que uma boa teoria da conspiração. Basta imaginação, não são necessárias provas. Uma boa argumentação vale todas as demonstrações. Quanto mais estapafúrdia, mais crível é. Se forem referidos poderes ocultos, religiosos, maçónicos, financeiros, mafiosos e feiticeiros, melhor ainda. Se houver militares, a verosimilhança é enorme. Se ninguém tiver pensado nisso, a força de uma explicação pela conspiração é quase absoluta. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Uma boa conspiração poupa a inteligência e dispensa o estudo dos factos e das causas. A conspiração da situação actual é, para muitos, simples e clara. O Presidente quis liquidar o governo socialista. O governo e o seu partido pretenderam liquidar o Presidente. Maçonaria e católicos entraram na dança. Os barões do PSD zangaram-se mais uma vez. Os minoritários moderados do PS querem já macular os primeiros passos dos novos dirigentes. Procuradores e juízes digladiam-se, mas, em conjunto, atiram-se aos políticos. Os 31 crimes de Sócrates passaram a 6 e são agora 22, o que nos permite avaliar o rigor e a validade das acusações.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os casos actuais, as gémeas brasileiras, as estantes do IKEA, as casas dos políticos em vários locais do país, as declarações de rendimentos e de residência oficial, as contas no estrangeiro, os dinheiros sem origem certa, tudo tem explicação em razões mais ou menos ocultas, em misteriosas personagens sinistras. Parece haver um “Deus ex Machina” que regula e promove o mal. Ou um conspirador a tecer as teias do diabo? Nestes tempos, a teoria da conspiração tem adeptos. Claro que não é verdade. Mas ocorre a tantos espíritos!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Com excepção das “contas certas” e da taxa de crescimento, tudo parece estar a correr mal. Parece cada vez mais que “há alguém por trás disto”. Tudo conjugado com as guerras e as crises “lá fora”. “Não é por acaso” é uma das frases mais vezes repetidas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Além da pura loucura e de uma concepção mesquinha da história, a principal causa de uma boa teoria da conspiração reside na ignorância. Quando não se conhecem as causas de um qualquer fenómeno, quando não se percebe o curso dos acontecimentos ou quando se desconfia sem saber porquê, esta explicação, ou antes, esta insinuação vale uma verdade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">S</span></b>ucedem-se as crises. Algumas como nunca ou quase nunca se viu. Bloqueamento das estradas. Polícias em permanente manifestação. Professores em falta. Alunos sem aulas. Serviços públicos em deslasse. Esperas inadmissíveis nos hospitais. Avolumar de casos de corrupção. Incapacidade para julgar os caos difíceis de poderosos e políticos. Impotência da justiça. Em seis meses, quatro eleições, três das quais antecipadas por razão de crise. Políticos detidos, presos, em recurso, arguidos, processados e suspeitos: há para todos os gostos como nunca aconteceu no nosso país. Episódios inéditos de má literatura política, como os casos do computador do assessor do ministro, o das gémeas e o das estantes com dinheiro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há razões mais profundas que explicam as crises actuais? Há seguramente. Para além da incerteza internacional e das guerras, assim como do mau ambiente económico europeu, há a incapacidade nacional de criar riqueza de modo consistente. A dificuldade em formar gerações de técnicos, cientistas, gestores e artistas de elevado nível. A decrescente capacidade técnica dos governos e da Administração Pública. A tentação para fazer o que é fácil e dá nas vistas, em detrimento do que faz falta. O especial talento para dar e distribuir, em detrimento de criar e poupar. A impossibilidade, por parte dos empresários privados e das instituições públicas, de criar emprego qualificado em grandes proporções. A inaptidão para suster a imigração e reduzir a emigração. A persistência, entre as elites e no seio do povo, da “cunha”, da corrupção e da trafulhice. E outras, certamente. A verdade é que todas estas explicações não explicam a coincidência no tempo das crises actuais. Esta resulta evidentemente dos efeitos de arrasto (umas puxam pelas outras) e sobretudo da falta de talento, de sabedoria, de disciplina e de orientação política para cuidar dos serviços públicos, para gerir e organizar, para liderar e manter a disciplina.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Parece fácil dizer o que precede? Talvez. Mas pense-se apenas no paradoxo dos últimos tempos. A saúde financeira é razoável. As condições económicas nacionais e internacionais, apesar das dificuldades do mundo, não eram más de todo. Havia uma maioria absoluta que podia garantir a estabilidade. Nas regiões autónomas, as coligações podiam facilmente ser sólidas. As relações entre órgãos de soberania eram excelentes. O apoio do Presidente da República ao governo e ao Parlamento era manifesto. A simpatia do governo pelo Presidente da República era sem par. As classes sociais estavam em paz. Os patrões não se sentiam mal. Os sindicatos estavam sossegados. Tudo isto ruiu. Tudo se desfez em pouco tempo. Tratou-se do maior desperdício político das últimas décadas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ao lado das causas profundas, há evidentemente as causas imediatas. E estas residem em grande parte na deficiente gestão do serviço público, das instituições e dos grandes serviços. São estas deficiências que explicam a simultaneidade das crises no Serviço Nacional de Saúde, nas escolas, na Justiça e nos tribunais, nas polícias e forças de segurança, na agricultura, na habitação e nos transportes públicos. Raramente, talvez nunca se tenha visto uma simultaneidade como esta na história recente de Portugal.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A democracia portuguesa comemora os 50 anos do 25 de Abril, os 50 anos das eleições livres e os 50 anos da Constituição, com uma desordem institucional jamais vista. Festejam-se com quatro eleições. Três dissoluções de parlamentos e assembleias legislativas. Três governos demitidos. Prisão ou acusação de vários políticos de elevada importância. Milhares de polícias na rua a manifestar. Órgãos de soberania à bulha. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Onde estão as causas? Chuva não é certamente. É gente, com certeza.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 3.2.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-8853673933093072802024-01-27T08:10:00.005+00:002024-01-27T08:10:50.953+00:00Grande Angular - Prova de fogo<p style="text-align: justify;"><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">U</span>m grupo de pessoas de direita</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">ou de extrema-direita entende levar a cabo uma manifestação. As intenções e o espírito são de ordem nacionalista, possivelmente xenófobas ou racistas. A manifestação está convocada para a zona do Martim Moniz e da Mouraria, isto é, bairros onde vivem comunidades de imigrantes, africanos, asiáticos e outros. Está também convocada, para a mesma hora e no mesmo local, uma contramanifestação. Entretanto, circula uma carta, assinada por uns milhares de pessoas, solicitando que a primeira manifestação seja proibida. Outras vozes, na imprensa, exigem também a proibição. O executivo da Câmara Municipal de Lisboa condenou, por unanimidade, a realização desta manifestação.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Uma manifestação não necessita de autorização, mas apenas de informação remetida às autoridades, a fim de, se tal for necessário, serem tomadas providências. Do ponto de vista da liberdade de expressão e do direito à manifestação, este dispositivo parece suficiente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Proibir esta manifestação é um acto grave e de sérias consequências. É a melhor maneira de abrir uma temporada de violência na sociedade. Deixá-la correr sem qualquer intervenção é igualmente gesto condenável e de maus efeitos: haverá afrontamento e violência. Deixar correr as duas, manifestação e contramanifestação, é ainda pior, é quase garantir que haja confronto físico. Em poucas palavras, qualquer destas soluções é uma má resposta ao problema.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É verdade que a situação é delicada e perigosa, ainda por cima com eleições marcadas para breve. A “questão racial” está a ser fomentada há anos, racistas e anti-racistas procuram-se mutuamente. Por ausência de políticas de imigração e de integração, pelo aumento de imigração ilegal, pela exploração de trabalho clandestino e pelas condições de vida de milhares de imigrantes, por todas estas razões, é possível prever a iminência de afrontamentos. É possível que estejamos a viver um desses momentos que marcam uma viragem, para pior, da situação e dos acontecimentos. É alto o grau de nervosismo. É garantida a vontade de mostrar forças.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Grupos e partidos nacionalistas e de extrema-direita desejam um momento dramático para dizer que “isto aqui é Portugal”! Para isso, estão dispostos a tudo. Querem choques violentos para depois afirmarem que já não se pode ser português em Portugal. Do outro lado, esquerdistas, antifascistas e anti-racistas querem uma oportunidade dramática e se possível violenta para demonstrar que “Portugal é um país racista”! Ambos ficariam satisfeitos com o confronto. Ambos receberiam com delícia a proibição da manifestação.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A discussão pública sobre a imigração e o debate sobre as respectivas políticas estão por fazer. Estes temas são difíceis, por isso mesmo urgentes. São igualmente recheados de preconceitos, o que reforça a necessidade de esclarecimento e de elaboração de políticas. Assim é que importa que não se deixem abrir feridas nem azedar ânimos, o que só tornaria mais inútil o debate nacional. Parece, pois, essencial evitar o confronto que se desenha para a próxima semana. Este e outros a seguir. Mas, evitar esse afrontamento não pode ser feito à custa dos direitos do cidadão. Por isso não é imaginável que se proíba a liberdade e o direito de expressão e de manifestação.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">A</span></b> democracia é o regime de todos, incluindo de antidemocratas. Sejam eles de extrema direita nacionalista ou fascista, sejam revolucionários comunistas e aparentados. Todos estes querem ultrapassar a democracia e criar novo regime que a elimine. É o seu direito. São livres de assim pensar e tentar convencer a população, desde que não cometam actos ilegais, como sejam a violência contra pessoas, a segregação à força, a destruição de bens, o roubo, a agressão de qualquer espécie… Isto é, que cometam actos ilegais de qualquer espécie. Nesses casos, terão de ser detidos e julgados. Mas não podem ser atacados pelas suas opiniões.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A democracia é o regime de todos, incluindo de racistas e xenófobos. Brancos, negros ou de qualquer outra origem. Os racistas e os xenófobos são pessoas frequentemente detestáveis, não escondem a sua animosidade pela democracia e têm um orgulho infundado na superioridade da raça branca. Podem defender as suas ideias. Podem publicar as suas opiniões e até divulgá-las. Não podem é agir em consequência dessas opiniões, segregar outrem de serviços e empresas, ser violentos, expulsar de locais públicos e ofender as outras pessoas. Noutras palavras, não podem cometer crimes de ofensa, agressão ou segregação, proibidos na lei em todas as circunstâncias. Mas a liberdade de expressão é intocável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A ideia de que se pode proibir alguém, racista, xenófobo ou antidemocrata, de pensar, ter opinião e divulgar os seus pontos de vista é um grave passo atrás na democracia, é uma perversão da tolerância, é um atentado contra alguns dos direitos e liberdades fundamentais da democracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O direito a manifestação de todos os cidadãos, protegido pela lei, sem qualquer autorização, é igualmente intocável. Evidentemente que se pode, por razões de segurança, condicionar esse direito de manifestação, não no essencial, mas na circunstância. Por exemplo, a hora e o local de manifestação. Este caso da manifestação nacionalista do Martim Moniz e da Mouraria parece um exemplo de escola. Evidentemente que o local traduz uma procura de afrontamento e de confronto social no que pode ser considerado uma provocação. Assim sendo, é legítimo que as autoridades nacionais e camarárias obriguem os manifestantes a alterar a circunstância (hora e local), sem renunciar ao essencial (a manifestação e a expressão de opinião). Como é igualmente legítimo que a contramanifestação seja deslocada na hora e no local. É um imperativo de ordem pública e de paz social que essas manifestações não coincidam no espaço e no tempo. Mas não se pode proibir uma nem outra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O que está em causa na próxima semana é a liberdade de expressão e o direito de manifestação. É uma real prova de fogo da democracia portuguesa. Por razões de interesse público e em defesa da paz e da ordem pública, podem as manifestações (que não necessitam de autorização) ser deslocadas no espaço e no horário, como pode ser exigido que não se realizem no mesmo sítio ou à mesma hora. Mas não podem, definitivamente não podem ser proibidas!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Se a democracia portuguesa não consegue viver com antidemocratas e com racistas ou xenófobos é porque é fraca, frágil e medrosa. A democracia defende-se com métodos legítimos e com força democrática, sem recorrer a meios ilegítimos. Sem pisar o risco.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 27.1.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-34259653390804145192024-01-20T10:19:00.003+00:002024-01-20T10:19:36.546+00:00Grande Angular - Sonho de uma noite de Inverno<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">D</span>entro de pouco mais</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">de uma semana, ficaremos a conhecer as listas completas de candidatos à Assembleia da República. São listas exclusivamente subscritas por partidos ou coligações de partidos. Movimentos, associações e grupos de cidadãos estão excluídos. Independentes também não se podem candidatar, a não ser que se submetam a fazer parte de uma lista partidária, o que quer dizer que estejam dispostos a perder a sua independência. A não ser que façam prova de fidelidade partidária, mais de dez milhões de portugueses não se podem candidatar a eleições legislativas.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O fabrico destas listas é um dos momentos mais polémicos da política portuguesa. Esse gesto traduz a realidade da vida partidária e das relações dos partidos com a sociedade. É através das listas que se pode escolher e sanear quem vai ser eleito, quem fica na vida política e quem é despedido. O dispositivo essencial das listas consiste na ordenação dos candidatos: são eleitos os que vêm à frente, são afastados os que vêm atrás ou ficam cá para baixo. Mas tudo depende, evidentemente, do número de votos que a lista recebe. Nos partidos com muita autoridade, tudo se passa sem ruído percebido pelo público. Nos partidos democráticos no poder, o clima é tenso, mas pacífico. Nos partidos democráticos na oposição, o momento é febril e adequado a ajustes de contas. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">De qualquer maneira, dos 230 deputados a eleger, 190 já estão eleitos. Já podem tomar providências, alugar casa ou reservar hotel em Lisboa. Foram as escolhas dos chefes dos partidos que decidiram o lugar em que estão nas listas e é assim possível saber já a maioria dos que são eleitos. Os cidadãos não escolheram absolutamente nada. A não ser os muito pequenos partidos que podem eleger alguns ou nenhuns deputados. Assim como os últimos 30 ou 40 deputados eleitos que vão compor os grupos e definir quem tem maioria. Na verdade, são estes que decidem a vitória eleitoral e respectiva amplitude. Justiça seja feita: o eleitorado ainda tem a escolha destes últimos deputados. Ou seja: escolhe quem vence, mas não escolhe quem o representa.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há cinquenta anos, abstiveram-se cerca de quinhentos mil cidadãos. Há vinte anos, um pouco mais de três milhões. E há dois anos, perto de cinco milhões e meio optaram pela abstenção. Melhor do que taxas e percentagens de abstenção, estes números brutos revelam um profundo mal-estar. De muitas democracias, com certeza, mas a nossa é a que nos traz aqui. Como toda a gente sabe, existe um problema muito sério, cada vez mais difícil, de legitimidade e de representatividade dos parlamentos eleitos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b> tudo poderia ser tão diferente! Poderíamos ter, neste 10 de Março, uma verdadeira revolução dentro da democracia! Poderíamos ter 230 círculos eleitorais, cada um elegendo, por maioria absoluta, um só deputado. Este seria alguém já conhecido pela comunidade, ou que passaria a sê-lo depois da campanha e da eleição. Seria um elemento da região, ou de sítio vizinho, ou mesmo vindo de longe (da capital, por exemplo) mas que se tinha apresentado localmente para ser seleccionado. Aliás, o “candidato a candidato” por um partido deveria ser seleccionado pelas assembleias dos partidos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O termo “o meu deputado” faria assim sentido para todos os deputados, com responsabilidades pessoais, contas a prestar, mandatos a receber, lutas a conduzir e batalhas a travar. O distrito de Lisboa, por exemplo, em vez dos actuais 48 deputados, uma verdadeira sociedade anónima que ninguém conhece em maioria, seria dividido em outros tantos círculos, cada um com o seu deputado, de acordo com a dimensão demográfica. O resto do país teria o mesmo tratamento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O “meu deputado” seria o que foi eleito, evidentemente, poderia ou não ser do meu partido ou daquele em quem votei. Desde que é eleito, um deputado representa todo o eleitorado, não apenas o seu partido. Esse “meu deputado” teria reuniões regulares com os seus eleitores (os que quisessem estar presentes) e teria anunciado, à porta do seu gabinete e na NET, os dias em que receberia os seus eleitores que lhe apresentariam casos e poderiam assim elogiar, criticar e fazer sugestões ou reclamações.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O “meu deputado” poderia ser um membro do partido que eu apoiaria, ou de um outro partido que teria ganhado as eleições. Mas poderia também ser de um movimento cívico, de um grupo de defesa do meu bairro ou da minha cidade. Ou de um movimento de defesa da ecologia, do género, de uma religião, dos idosos, dos doentes ou de outro qualquer grupo de referência. Poderia até ser apenas independente absoluto, sem pertença a grupo, partido ou movimento, mas claramente conhecido, até para vencer as eleições.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O mais provável é que a maioria dos deputados eleitos pertencesse aos partidos estabelecidos. São eles que têm nome e meios, profissionais de campanha, história e interesses estabelecidos, referências de classe, religião, origem ou doutrina. Mas as relações de cada deputado com o seu partido mudariam de modo significativo. Os deputados saberiam que eram eleitos pelo que eram, ou também por isso, não apenas pelo nome do partido. O que quer dizer que teriam mais força e mais autonomia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ao mesmo tempo, os partidos saberiam que se não respeitassem os deputados e a sua liberdade, estes poderiam pura e simplesmente informar o eleitorado. Além disso, quando os partidos escolhessem as suas listas, teriam de ser muito mais exigentes e seleccionar os melhores, tanto do seu ponto de vista como dos interesses das comunidades. Caso contrário, perderiam a eleição. Ou os candidatos em questão apresentar-se-iam por eles próprios. As listas partidárias teriam de ser as melhores e não apenas o rol dos fiéis, dos que causam menos problemas à direcção do partido e dos que fazem o que lhes mandam e só isso. Os independentes e membros de associações ou movimentos teriam assim um duplo papel: o de serem bons representantes do povo e o de obrigarem os partidos a seleccionar melhor.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Tal como noutros países, este sistema eleitoral poderia funcionar a duas voltas, isto é, todos concorrem à primeira e, à segunda, passam os dois primeiros ou os que estão acima de uma fasquia determinada. Quer isto dizer que um deputado é sempre eleito com mais de 50% dos votos, o que confere legitimidade e consolida as maiorias. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Não há milagre. Nem soluções mágicas. Mas os que se queixam de falta de proximidade da democracia, de afastamento dos políticos, de reduzida transparência do processo democrático e da legitimidade decrescente em tempos de abstenção em permanente aumento, deveriam pensar duas vezes. O sistema está feito para afastar, não para chamar.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 20.1.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-67697977783570567122024-01-13T08:20:00.001+00:002024-01-13T08:20:23.656+00:00Grande Angular - Santos e diabos. Polícias e ladrões.<p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">O</span></b> <b>Partido Socialista </b>é, cada vez mais, o partido do regime. Está a ficar parecido com o que foram, durante uns tempos, o Partido Conservador britânico ou os partidos Gaullistas franceses. É o partido da democracia portuguesa. Não era esse exactamente o sonho de Mário Soares, mas foi o de Sá Carneiro e a obsessão de Cavaco Silva. Os dois últimos falharam. Nunca estiveram tão próximos de ser o partido do regime como o PS de hoje, herdeiro de Guterres e de Sócrates, filho de Costa e de Santos. O que é uma vantagem para os socialistas e certamente um motivo de orgulho. Mas os benefícios para a população são muito discutíveis. Até porque não é partido do regime quem quer e só porque quer. É também preciso que o deixem ser.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O grande sonho do PS consiste em transformar-se numa espécie de PRI mexicano, o Partido Revolucionário Institucional! Só o nome é um programa! Único na história a juntar, na mesma designação, revolução e instituição! O PS conseguiu meter tudo dentro. Do liberalismo ao socialismo, passando pelo corporativismo. Tanto ajuda, apoia, subsidia e controla a economia privada como a empresa pública. Foi o maior obreiro da Constituição, mas também o seu mais importante revisor ou revisionista. Dentro de si cabem todos. Há lugar para todos e acredita em tudo, desde que esteja no poder e que os seus dirigentes desempenhem as primeiras funções.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Na verdade, dentro do PS, há de tudo. Santos e demónios. Polícias e ladrões. Virtuosos e bandidos. Maçons e católicos. Rigorosos e trafulhas. Por isso se sucedem a si próprios, por isso se alternam. Neste PS, está o público e o privado. O nacional e o estrangeiro. O judeu e o palestino. O americano e o russo. Guterres e Sócrates. Costa e Santos. Tudo cabe no PS que consegue sempre mudar de pele sem mudar de corpo. Melhor ainda, o PS é capaz de criticar, com aparente inocência, o que está mal no país e não corre bem por sua própria responsabilidade. Com enorme sentido da oportunidade, faz o mal e a caramunha.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Sempre o PS teve uma predilecção pelos serviços públicos. É o seu melhor lado, a sua primordial inspiração. Acontece que é crente, mas não praticante. O estado actual em que se encontram muitos serviços púbicos faz-nos pensar em ciclos de bancarrota ou situações depois de catástrofe natural. As cidades são esvaziadas, é o termo, dos seus habitantes tradicionais. Nas ruas de Lisboa e Porto, regressam os mendigos, os sem abrigo e os despejados sem capacidade económica. A crise da habitação parece planeada pelos especuladores. O caos do Serviço Nacional de Saúde é inimaginável. É escandalosa a absoluta falta de previsão das necessidades, dos meios, dos profissionais e dos recursos para a saúde. Tal como a incapacidade para gerir a escola pública, que parece em permanente desastre.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">O</span></b> partido e os seus dirigentes revelaram um excepcional talento para adoptar todas as políticas possíveis. Sucessivamente ou, se for necessário, ao mesmo tempo. Aliaram-se com a direita, com o centro e com esquerda, com a mesma sinceridade. É o único partido que já se coligou com quase todos os outros: CDS, PSD, PCP e Bloco, sem falar nos governos provisórios onde estavam em circunstâncias excepcionais. Nacionalizaram e privatizaram com igual alegria. Tiveram tantas políticas económicas, agrícolas e industriais, quanto os ministros que nomearam e não foram poucos. Com igual firmeza, foram centralistas, descentralizadores e regionalistas. Construíram incansavelmente o Serviço Nacional de Saúde, que estão em vias de destruir ou deixar decair com cuidadosa minúcia. Tiveram várias políticas de educação, ao sabor dos ministros, com cujas ideias, as boas e as más, navegaram alegremente. Foram campeões do endividamento e brilharam pelo modo como reduziram o mesmo. Levaram o país à bancarrota e pediram assistência financeira internacional. Quando havia recursos, gastaram tudo o que havia para gastar e foram, depois, autores dos primeiros grandes programas de austeridade. Defendem a abertura de fronteiras, são tolerantes e amigos dos imigrantes, mas os seus governos são os que mais permitiram o desenvolvimento do tráfego de mão-de-obra ilegal e a sobre-exploração de trabalhadores estrangeiros.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os socialistas podem gabar-se de ter estado em todas, de terem sido responsáveis por tudo! Foram favoráveis a pelo menos quatro localizações diferentes para o aeroporto de Lisboa. Tal como apoiaram, hesitaram e combateram o TGV ou, antes disso, as auto-estradas. Nacionalizaram e privatizaram a TAP com igual destreza.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O novo secretário geral, Pedro Nuno Santos, anunciou ao que vinha. Depois de um enorme elogio ao antepassado António Costa e ao seu tempo histórico, garantiu que tudo isso, Costa e o seu tempo, estava acabado. Terminado. Ultrapassado. E prometeu que agora tinha chegado a sua vez. A “nossa” vez, como disse. Com singela delicadeza, anunciou tudo o que de novo e diferente quer fazer, tendo denunciado tudo o que anteriormente fez e em que colaborou.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O partido de regime necessita de apoio popular. Hoje, na imprensa e na comunicação, tem-no como ninguém. Pedro Nuno Santos, depois de obra mal feita e antes mesmo de obra nova, tem o favor da imprensa como raros políticos recentes. Depois de, na oposição, ter ameaçado os alemães e os banqueiros europeus, é agora, ao comando do partido, um doce e sensato aliado da finança internacional, do capital estrangeiro e das empresas europeias. O seu programa económico, saído directamente da universidade, anunciado no encerramento do congresso, é uma declaração de paz e de rendição à economia europeia e ao capitalismo internacional, mesmo se na versão moderna, sistémica e tecnológica. Prepara-se para fazer, à direita, o que a mão esquerda não vê.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nem sempre é mau haver um partido de regime. Ou antes, um partido de regime não tem só más consequências. A democracia cristã em Itália, o partido Gaullista em França e o PRI no México, por exemplo, desempenharam essas funções durante uns anos e garantiram ciclos importantes na história dos seus países e na consolidação democrática. Mas também tiveram péssimas consequências políticas e sociais, sem falar na corrupção a pior chaga dos partidos de regime. Na verdade, a constituição de uma “grande família” de regime e partido é muito negativa para as liberdades e a honestidade. E tenhamos consciência de que, em democracia, um partido destes é assim porque os votos querem e os outros o deixam ser.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 13.1.2024</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-52272693104962568822024-01-06T11:31:00.001+00:002024-01-06T11:31:06.829+00:00Grande Angular - O PS: Dualidade e duplicidade<p> <span style="color: #2b00fe; font-family: arial; text-indent: 35.4pt;"><b>E</b></span><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; text-indent: 35.4pt;"><b>m Congresso</b> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; text-indent: 35.4pt;">este fim de semana, os Socialistas portugueses bem podem ter orgulho na sua história. Fundado em 1973, o partido tem praticamente a idade da democracia portuguesa. Ao longo de cinquenta anos, é seguramente o primeiro responsável pelo estabelecimento da democracia em Portugal. Não se esquece, com certeza, Ramalho Eanes e os militares do 25 de Abril e do 25 de Novembro, nem o papel pessoal de Mário Soares. Além de, durante períodos curtos, mas significativos, a Aliança Democrática, o PSD, Sá Carneiro e Cavaco Silva terem dado também grandes contributos. Mas é indiscutível que a parte mais importante cabe ao PS.</span></p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"><o:p></o:p></span><p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Este venceu quase uma dezena de eleições, esteve em outros tantos governos, elegeu dois Presidentes da República do partido e um fora do partido, teve duas maiorias absolutas, já governou sozinho em minoria e em maioria, já fez governos de coligação com toda a gente, com a direita do CDS, com o centro direita do PSD e com as esquerdas bloquistas e comunistas. Foi o partido que solicitou a plena adesão à CEE (então Comunidade Económica Europeia). Deixou o seu nome associado à Constituição e às suas revisões, assim como às principais leis do país.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Mais e melhor do que todos os outros, os socialistas souberam, alternada e sucessivamente, mas também em simultâneo, aliar-se à Igreja e à Maçonaria, numa muito difícil, mas conseguida pirueta política. Em grande parte, as instituições públicas conhecidas e criadas nas últimas décadas foram conseguidas e estabelecidas por este partido. É, de muito longe, com perto de centena e meia de presidências de municípios, o partido dominante do poder autárquico. A sua força política contrasta favoravelmente com a maior parte dos partidos socialistas europeus que se encontram em plena decadência doutrinária e eleitoral.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Elástico, do ponto de vista ideológico e programático, a sua maior virtude reside na dualidade, no facto de tudo fazer para combinar liberdade com igualdade, Estado com privados, o individual com o colectivo e o mérito com a discriminação positiva. Esta dualidade, interessante e positiva, compara com a duplicidade do partido, as suas tendências para fazer uma coisa e dizer outra e a de virar à esquerda cada vez que quer governar à direita. Duplicidade também nas contas públicas, com as mais sólidas contribuições para os défices e os mais dolorosos esforços para a sanidade das contas certas. Por três vezes, teve de pedir assistência financeira internacional, tendo sido, uma vez, o responsável pela mais profunda bancarrota financeira portuguesa do último século. Em poucas palavras, a dualidade é de louvar, já a duplicidade é de lamentar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">A duplicidade pode ter vantagens a curto prazo, mas, no conjunto e historicamente, é o triunfo da desorientação e uma das causas do atraso relativo da economia, da sociedade, da cultura e da política. Fez a Constituição, é o seu principal autor, mas deixou fazer normas ridículas de que nos queixámos durante décadas e de que ainda hoje sofremos as consequências.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Aparentemente respeitador da sociedade civil e do livre associativismo, oscila entre a absoluta tolerância e o dirigismo despótico perante os grupos privados, as associações e as instituições. É, por um lado, defensor da transparência democrática nos processos de recrutamento para o Estado, de obtenção de benefícios e subsídios e de licenciamento e autorizações, que considera, justamente, essencial à liberdade e ao mérito. Mas também é, por ouro lado, o partido com mais clientes seus nomeados e beneficiados e com mais cunhas e favores que considera a justa recompensa da ética republicana, isto é, do espírito de “quem ganha, alcança”! Ou de “quem ganha eleições, manda!”. Ofende, sem escrúpulos, as ordens profissionais e as Forças Armadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Sempre preocupado, justamente, com o progresso da educação e da cultura, que considera motores da igualdade e indispensáveis elevadores sociais, o partido deixou sistematicamente degradar o ambiente escolar, deteriorar a situação dos professores e instaurar-se um estilo indisciplinado no processo pedagógico. E deixou crescer uma orientação anticientífica e anti cultural, cujas principais vítimas são evidentemente as famílias das classes trabalhadoras e dos grupos mais desfavorecidos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">É seu o maior contributo para o crescimento da magistratura e para a definição dos campos e competências das várias magistraturas (judiciais e do ministério público), ao mesmo tempo que parece ser o partido com mais envolvimentos em processos de corrupção e nepotismo. Por outro lado, é também notória a sua paralisia ou a sua abstenção diante da crise de justiça que se agudiza há anos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Os socialistas são, inequivocamente, os autores e os principais responsáveis pelo SNS, Serviço Nacional de Saúde, mas são também eles que presidem, no momento actual, ao período do seu maior declínio. Tudo fizeram para tornar compatíveis as duas medicinas, as duas saúdes, a pública e a privada, mas acabaram por se desentender com ambas!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Com provas dadas, no discurso e na legislação, de uma atitude excepcionalmente tolerante e solidária, não o incomoda ter vivido e governado o período de maior exploração de mão-de-obra clandestina e de mais intenso tráfico de imigrantes ilegais. Favorável, retoricamente, à integração de estrangeiros imigrantes, tudo faz e deixa fazer para o progresso multicultural dos “guetos” e das comunidades segregadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Considera-se traído por todos os seus aliados. Foi derrotado no Parlamento pela esquerda e foi derrubado pela direita. Perdeu com a direita, mas com a cumplicidade e a ajuda da esquerda. Foi derrotado em Belém por presidentes que tinha ajudado a eleger.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">Em geral, os congressos partidários deixaram de ser locais de debate e confronto. Ainda menos de reflexão. São agora, ainda por cima com a eleição directa e prévia do líder, liturgias de consagração. Deste congresso, nada resultará. Já se sabe o essencial. O objectivo é o de preparar a campanha, trocar números de telemóvel e mostrar-se ao eleitorado. O futuro destes socialistas, com a nova direcção, ser-nos-á servido logo a seguir às eleições de Março. Para já, de uma coisa podemos estar certos: o PS é capaz de tudo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;">.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 0.0001pt; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe; font-family: arial; font-size: medium;"><i>Público, 6.1.2024</i></span></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-31995306511822679582023-12-30T08:10:00.001+00:002023-12-30T08:10:00.124+00:00Grande Angular - A festa acabou<p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">F</span>oi bonita a festa! </b>Enquanto durou. Ano sim ano não, com uns problemas pelo meio, a verdade é que os 50 anos depois de Abril foram inesquecíveis. Geralmente para melhor. Com a pesada excepção das centenas de milhares de portugueses que viviam no Ultramar e que foram maltratados pelos homens e pela história, quase toda a gente vive melhor, vive mais, com mais conforto, mais decentemente e com mais dignidade. Saúde, esperança de vida, alimentação, educação, igualdade entre cidadãos, conforto e facilidades de vida quotidiana: em todas estas áreas, há razões para festejar. Com as excepções e as contradições de uso, é difícil encontrar serviço, dispositivo, bem ou equipamento que não se tenha generalizado: esgoto, água corrente, luz, electricidade, aquecimento, gás, estradas, automóvel, telefone, televisão, computador, vestuário, divertimento, cultura, vida nocturna e férias anuais.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nestes 50 anos, fez-se a União Europeia, coisa nova e diferente, bonita de ver, numa Europa que viveu um inédito período de 70 anos sem guerra. O mundo democrático pareceu, a partir de certa altura, vencer. O número de países que queria ser democrático aumentava. Mesmo quando não o eram, reclamavam-se de tal qualidade. O apartheid ruiu. O comunismo desfez-se.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É verdade que as antigas colónias portuguesas se entregaram à guerra civil, como nunca no tempo português, tendo morrido centenas de milhares de pessoas, talvez mais de um milhão. É também verdade que noutros países africanos, Congo, Ruanda e Nigéria por exemplo, milhões de pessoas morreram. Mas a tendência geral era a da democracia e do desenvolvimento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Tudo está hoje em causa. Guerra no mundo. Cada vez menos democracias. Os países em evidência são autocráticos. O terrorismo islâmico passa por virtude inocente. O imperialismo russo é aceite como inevitável. Qualquer que seja o resultado ou a situação na Ucrânia, ficaremos, em 2024, pior, muito pior. Qualquer que seja a evolução da situação em Gaza, na Palestina e em Israel, o mundo ficará pior e mais perigoso.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">No horizonte, o Irão, a Rússia e a China, a que se acrescentam a possível eleição de Trump, os erros dos democratas europeus e a ascensão da extrema-direita fazem um planeta mais insuportável e ameaçador.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b> Portugal… Uma oligarquia socialista dominante tem vindo a ocupar o país e as instituições. Acrescentou-se e ultrapassou uma clique social democrata que durante alguns anos se banqueteou. Ambas se adicionaram à cleptocracia corporativa que só aparentemente tinha desaparecido.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O estado lamentável em que se encontram os serviços públicos parece irrecuperável. O SNS está a ser metodicamente destruído. Se fosse deliberado, não teria sido tão eficaz. Assim, só por incompetência. Com efeitos semelhantes, a loucura que se apoderou do sistema educativo e das escolas públicas transformou a educação numa farsa em vias de subdesenvolvimento. A venda desbragada de património nacional, das terras às águas, das empresas à habitação, tem transformado o país, não num primor de eficiência, mas sim num universo de vida airada e descalabro.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Houve jeito para distribuir, faltou o talento para produzir. Houve vontade de educar, não existiu competência para ensinar. Multiplicaram-se direitos, reduziram-se os deveres. A festa acabou. Mal e tristemente. Se ao menos, em vez de festa, tivéssemos trabalho, estudo, organização, gestão, igualdade e democracia…. Então sim, valeria a pena a festa ter acabado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A festa acabou, mas não a democracia. Este ano, há eleições. Poderia ser o princípio de qualquer coisa. A nossa escolha é o essencial. Pode, evidentemente, votar-se num partido pelas más razões. Por reflexo condicionado. Por consciência de classe. Por medo. Por convicção religiosa. Por dívida pessoal. Por repetição a que se chama coerência. Mas… as melhores razões não são essas. São, isso sim, as que decorrem do que se quer, do que se precisa e do que se pensa que é melhor para o país. É possível, mas não necessário, que estas razões nos conduzam a votar de modo diferente, de cada vez. Daí não deveria vir mal ao mundo. A competição partidária e a concorrência eleitoral são os melhores instrumentos de escolha.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">U</span></b>ma regra de ouro é a de não votar em alguém simplesmente pelo que é ou parece. Ou porque é um hábito. Aliás, em Portugal, hoje, nenhum partido merece que se vote nele pelo que é. Nem a direita, nem a esquerda, com currículos pouco recomendáveis após as últimas décadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O PS tem muito pesadas responsabilidades na degradação da vida nacional. Contribuiu, mais do que os outros, para os êxitos dos últimos 50 anos. Mas esse facto não desculpa a deterioração sistemática dos serviços públicos, a perda de capacidade para criar riqueza de modo consistente, nem a partilha de autoria e de culpas em todos os processos de corrupção e nepotismo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O PSD tem enormes responsabilidades no declínio da vida nacional, tanto da economia como da cultura, da sociedade e da política. Depois de, com mérito indiscutível, ter contribuído para a consolidação da pertença europeia e para a afirmação democrática da direita portuguesa, este partido desinteressou-se da independência nacional e da afirmação da empresa portuguesa pública ou privada.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em conjunto, PS e PSD, deixaram afundar o Serviço Nacional de Saúde e a educação pública. Um a vegetar na mais inacreditável desordem que se possa imaginar. Outra entregue à futilidade lúdica e a exibir os piores resultados de sempre.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O PCP, sempre o mesmo, tão irredutível e seguro de si! É-lhe indiferente ter 20%, 10% ou 3% dos votos, ou 40, 20 ou 5 deputados. Garante que tem sempre razão contra a população que não vota nele, que é quase toda. Persiste em afirmar que representa todos os trabalhadores, que a história sempre lhe deu razão. Até à derrota final. Até ao desaparecimento eleitoral.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Bloco, moralmente superior e arrogante, convencido, presunçoso como poucos, firme na sua beatitude política e seguro da sua virtude ideológica, nunca fez nada de jeito que lhe dê qualquer espécie de currículo, qualquer folha de serviços prestados à sociedade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Chega não merece o voto só porque protesta, denuncia e ataca. Não é convincente, não tem políticas, não dá sinais de qualquer género de competência ou de saber. Utiliza as mais baratas receitas disponíveis, do nacionalismo ao grito dos descamisados.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A IL parece saída de uma produção laboratorial. É só mais um partido, sem currículo nem experiência, a vender camisolas de lã no deserto.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nas próximas eleições, o momento é calhado, mais propício do que nunca, para votar de acordo com compromissos, em vez de repetirmos os gestos do sonâmbulo. Votar em compromissos é melhor do que votar em rebanho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">.</span></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-79863179599173058382023-12-16T09:35:00.003+00:002023-12-16T09:35:48.918+00:00Grande Angular - Estranha crise<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">E</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">ste fim de semana, os socialistas vão escolher o seu novo secretário geral. O eleito será, logo a seguir, candidato a Primeiro-ministro. Não é seguro, mas é possível que, depois, seja também Primeiro-ministro. O mais interessante, nesta eleição, é o facto de, entre dois dos mais sérios responsáveis pela política do governo desde há oito anos, a alternativa ser estranha. </span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Pode facilmente pensar-se que não houve, nem há, crise política muito séria. É possível entender esta eleição simplesmente como rivalidade pessoal. Não custa a acreditar que os socialistas estejam persuadidos da bondade deste governo durante oito anos, para já não pensar nos seis anteriores de José Sócrates. Imagina-se que os socialistas não estão convencidos de que são eles os responsáveis pela grave crise dos serviços públicos fundamentais (saúde, educação, justiça…). É tudo possível. Na verdade, com a eleição deste fim-de-semana, os socialistas apagam os erros recentes e consideram-se prontos para um novo e virginal recomeço. As próximas eleições nacionais, as legislativas, serão bem diferentes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A escolha do novo Secretário-geral sugere uma decisão entre dois mundos, dois estilos e duas pessoas. É possível. Mas não será, como deveria ser, uma escolha entre duas políticas. Teremos, do lado de José Luís Carneiro, a sonolência democrática, a gestão conservadora e a obediência às regras. Do lado de Pedro Nuno Santos, será o sonho ideológico, a exaltação adolescente e o puro abuso de poder. Um gere, o outro faz. Não se sabe bem o quê, nem quando, nem como. Mas, no mundo despolitizado, estes vícios são virtudes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Que querem eles fazer para acudir ao desastre do Serviço Nacional de Saúde? Como pretendem lutar contra a crise da habitação? Que farão a favor da igualdade social? Quais são as suas ideias e os seus planos para tratar da instabilidade e da ineficácia da educação? Como querem tratar do investimento privado? Quais são as suas políticas para a Justiça, a segurança e as polícias? Como explicam a profunda crise, inédita nas últimas décadas, nos serviços públicos? Não se perca tempo: não sabem. Ou não dizem. Ou não querem que se saiba.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;"> <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A competição é adjectiva. Estão em causa procedimentos, processos e intenções. Além das aparências e da imagem, visivelmente diferentes, algo os separa radicalmente. José Luís Carneiro sonha com o partido bem-comportado, capaz de diálogo, com provável preferência pelas políticas centrais, eventualmente mesmo as do “bloco central”, entidade detestada pela vida política nacional. Pedro Nuno Santos anseia por um partido de rupturas políticas e fracturas sociais, idealiza a grande coligação das esquerdas, vive para os restos da revolução que confunde com sonhos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os dois candidatos esforçam-se por ser solidários com o governo e a maioria a que ainda pertencem e de que são, aliás, dos mais responsáveis. Mas não querem ser identificados com esse governo. Mas também não querem ser acusados de detractores. Gostariam de ser considerados como alternativas críticas a esse governo, sem que se perceba muito bem que o são. Ambos querem ser alternativas a António Costa e ao governo actual. Mas ambos sonham com o apoio de António Costa e o respeito pelo governo actual. Já toda a gente percebeu que tanto um como outro farão a diferença, mas não querem que se saiba.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É uma eleição adjectiva. Quem é mais à esquerda? Quem é mais dialogante? Quem ocupa melhor o centro? Quem está com mais capacidade para fazer alianças? Quem combate melhor o grande fantasma da próxima eleição, o Chega? Quem é mais alternativo, fazendo crer que é a continuidade? Quem é mais continuador, dando a entender que é a ruptura?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">M</span></b>uito mais estranho do que esta eleição socialista é a crise nacional. Em certo sentido, a eleição socialista é parte da crise nacional. Poderá um dia figurar nos anais da história como a “crise italiana”. Só que não se sabe se florentina, se siciliana. Verdade é que esta crise nasce e desenvolve-se por exclusiva vontade dos seus protagonistas e dos seus perpetradores.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É uma crise inútil, resultado das últimas versões do semipresidencialismo e da competição entre órgãos de soberania (magistratura incluída…). É difícil perceber, hoje, quem será a principal vítima desta crise, se o Governo de São Bento, se o Presidente de Belém. Mas podemos ter a certeza de que se trata de crise inútil e de paixões menores. Ainda não se conhecem os factos e as datas com indiscutível certeza. Mas já se percebeu que grande parte destas operações foi de denúncia premeditada, de revelação calculada e de sentido apurado de circunstâncias e de cronologia. Ninguém sai bem destas histórias. Dos “Influenciadores” às “Gémeas brasileiras”, as trapalhadas foram tais que nos envergonham.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Corrupção, cunhas, favoritismo, nepotismo e amiguismo, há de tudo em quantidade. E mais uma vez há a fragilidade da justiça, a vulnerabilidade dos sistemas de honra e a debilidade dos procedimentos honestos. A vida política portuguesa parece feita e imaginada por um espírito mau, diabólico e maquiavélico, que quis criar as condições para a destruição da democracia. A eleição proporcional, o estabelecimento da disciplina de voto, a hegemonia dos partidos, a perversão semipresidencialista e a fraqueza das instituições civis são estímulo à corrupção e protecção dos corruptos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É uma crise para ficar na história. Não se percebe quem ficou a ganhar. Nem quem perdeu. É mesmo provável que não haja realmente vencedores. Todos perdem, a começar pelos portugueses. O que é que Marcelo Rebelo de Sousa vai retirar destas crises? O que é que António Costa vai lucrar? O que é que os ministros, os partidos políticos e as instituições ficaram a ganhar? Pode repetir-se: todos ficaram a perder. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Têm medo da revolução? Do regresso dos comunistas e dos soldados revolucionários? Receiam a extrema-direita e os fascistas? Abominam os justicialistas e os virtuosos de vão de escada? Assustam-se com o crescimento do partido Chega? Vivem apavorados com o surgimento e o crescimento de grupos e partidos estranhos, extremistas, vingadores, puros e totalitários? Têm pesadelos com poderes autoritários e purificadores que destroem as liberdades públicas? Vivem apavorados com a hipótese de surgirem no horizonte movimentos de salvação? Então olhem para onde devem, para a ausência de justiça, para a opacidade do sistema político, para o privilégio partidário, para o segredo de Estado, para a corrupção e para o nepotismo. Olhem e vejam-se ao espelho.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 16.12.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-14410083815330249572023-12-09T10:05:00.001+00:002023-12-09T10:05:15.491+00:00Grande Angular - Uma tragédia<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">E</span>m Gaza,</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">encontramos muitos dos condimentos que fazem uma verdadeira tragédia. O sofrimento ilimitado. O sentimento de inevitabilidade. A sensação de que os deuses não se entendem entre si e nem sequer eles conseguem evitar a dor e a morte. A ideia de que mesmo os heróis são impotentes e não evitam o seu destino dramático.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ali perto, por razões idênticas, Jerusalém é outro sinal vivo dessa tragédia. Uma das mais impressionantes criações da humanidade está condenada, como sempre esteve. Os seus dramas são eternos, como sempre foram. E não têm solução, como nunca tiveram. A não ser remendos temporários e frágeis, quase sempre impostos pela força.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os protagonistas da tragédia regem-se por princípios de exclusão mútua. Se deixam de se excluir, morrem. Se continuam a excluir-se, vivem na dor e no drama. Contra as suas próprias vontades, a fatalidade impõe-se: a guerra ou a morte! E ninguém escapa à sua sorte.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O massacre hediondo levado a cabo pelo Hamas, a 7 de Outubro, foi o sinal de partida para mais um doloroso episódio de morte e chacina cujo fim não se antevê. E que, como sempre, depende de fora, das potências, dos financiadores, dos clientes, dos mandantes e dos fornecedores. Mas não se pense que aqueles povos são meros instrumentos, simples marionetes. Não. Já se percebeu que também agem pelas suas forças e pelas suas cabeças.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Israel tem o direito de ripostar e o dever de se defender. Atacado da maneira miserável como foi, em morticínio particularmente sádico, Israel luta simplesmente pela sua sobrevivência como Estado e pela vida dos seus cidadãos. Ao defender o melhor, a sua existência, Israel também defende o pior, a política dos colonatos, por exemplo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Israel e os Judeus constituem um exemplo único: há quem queira destruir o Estado, eliminar os Judeus e liquidar aquele povo. Os Islamitas que o pretendem não se escondem atrás de retórica cínicas: é o que querem e afirmam-no. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O actual governo de Israel respondeu, com justo furor, mas ultrapassou os limites: sem distinguir entre culpados e inocentes, entre terroristas e civis, entregou-se também a um massacre da população palestiniana. Gradualmente, o Governo israelita afasta o seu Estado da democracia, enquanto a Palestina e os seus aliados islâmicos se fortalecem, como sempre fizeram, fora da democracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O terrorismo islâmico e que inclui a Al Qaeda, o Jihad islâmico, o Isis ou o Daesh, o Hamas, o Hezbollah e outros menos noticiados, representa actualmente o pior que a humanidade propõe e conhece. O Hamas comete alguns dos piores horrores da vida contemporânea: a tomada de reféns inocentes, a execução de prisioneiros e de reféns e o esconderijo militar a coberto de creches, escolas, lares e hospitais. O chamado “escudo humano”, feito de reféns, hospitais e crianças, tem como objectivo claro ter vítimas para contar, motivos para sensibilizar a opinião mundial, oportunidade para filmar e fotografar a miséria e a violência infligidas por Israel. Acontece que, sabendo isso, Israel não poderia nem deveria bombardear tais sítios e massacrar os civis que lá se encontram. Ao fazê-lo, condena-se a si próprio.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Uma vaga de anti-semitismo no Ocidente surpreendeu muita gente. Na verdade, os europeus e outros ocidentais, pouco disponíveis para apoiar os Judeus e condenar a mortandade de 7 de Outubro, têm revelado uma formidável energia activista para protestar contra Israel e apoiar os Palestinianos em geral, o Hamas em particular. E não se pense que, nessas manifestações, se trata sobretudo de imigrantes muçulmanos. Os europeus, cristãos ou ateus, têm revelado uma constante solidariedade. Nunca a chaga do anti-semitismo europeu foi extinta, há muito não era tão visível como agora. Mas Israel deu alguns contributos para este anti-semitismo: as suas indiscriminadas acções de guerra são bons exemplos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O totalitarismo islâmico é visível e activo onde quer que seja: nos movimentos de resistência, nos grupos e partidos terroristas, nos regimes confessionais, nos Estados do petróleo e até nas madraças. Sem eleições, sem parlamentos democráticos, sem sondagens e sem liberdade de imprensa, nunca saberemos o que pensam realmente os seus povos. Do outro lado, de Israel, temos eleições, parlamento e imprensa livre. Mesmo nessas circunstâncias, Netanyahu é apoiado no Parlamento. Parece evidente que, com ele e com as ditaduras islâmicas, é frustrada qualquer esperança de solução equilibrada e pacifica, mesmo temporária, mesmo frágil.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É de qualquer maneira legítimo perguntarmo-nos qual é o apoio real dos povos do Próximo-oriente, de Israel, da Palestina e de Gaza às políticas actuais de Israel e da Palestina. É bem possível que uma grande parte das populações da região seja favorável à guerra e à destruição do outro, do adversário e do inimigo. O ódio em vigor naquelas paragens é tal que custa acreditar que se trata apenas de opiniões das elites militares, dos dirigentes políticos, dos dignatários religiosos, dos vendedores de armamentos e dos comerciantes de petróleo. Há muito mais. É por isso que é tão difícil. Ambos os lados, a ditadura islâmica e a democracia israelita, parecem apoiar a guerra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Hamas sabia o que estava a fazer. Sabia muito bem que iria desencadear uma resposta violentíssima. Como sabia que iria perder milhares de militantes e dirigentes, toneladas de armamento, quilómetros de esconderijos e centenas de refúgios. Tinha a certeza de que, com as suas forças, era impossível destruir Israel. Previa evidentemente a destruição de Gaza pelas armas israelitas. Mesmo assim, tomou a iniciativa. É um facto incompreensível.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Como não é possível acreditar que Israel nada soubesse do que se passava. Que não percebesse que, durante anos, milhares de militantes, de milicianos e de terroristas treinavam e se preparavam. Que centenas de quilómetros de túneis eram escavados. Que milhares de toneladas de armamento eram preparadas, fabricadas e importadas para o território. Não é crível pensar que Israel não sabia. Também este facto é incompreensível. Parece que ambos, Israel e o Hamas, queriam a guerra!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A luta pela dignidade palestiniana e a luta pela sobrevivência israelita são incompatíveis, contraditórias e adversárias. A luta pelos dois Estados é uma solução. Parece mesmo ser a única solução. Impossível. Que ninguém quer. Talvez que, por isso mesmo, seja a única pela qual vale a pena lutar.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 9.12.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-35140747654719538742023-12-02T17:49:00.003+00:002023-12-02T17:49:56.347+00:00Grande Angular - Vésperas sicilianas<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">E</span>leições! </b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">É do melhor que a democracia tem a oferecer. São ricas a despertar sentimentos e emoções. Ânimos e medos. Entusiasmos e mentiras. Ciúmes e alianças. Por vezes, também, razão e responsabilidade. É possível que as eleições não sejam necessariamente bons momentos criativos, nem sequer boa fonte de soluções. Mas uma coisa é certa: sem eleições, não há democracia. Em períodos de calma ou de agitação. Em ocasiões de paz ou de conflito. A eleição é sempre um passo solene. Mesmo quando não traz imediatamente soluções.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A preparação de eleições, já o sabemos há muito, provoca o melhor e o pior nos políticos. E em muitos eleitores também. As vésperas das eleições são momentos particularmente pródigos em surpresas, em pulhice e em revelações sórdidas. Neste nosso tempo, nada nos faltará, como já se pode ver.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Todas as eleições são importantes. E decisivas. Mas há umas mais do que as outras. Temos diante de nós uma dessas, tão essencial quanto todas as outras, mas mais determinante do que muitas. Tão perigosa nos seus resultados, como nos seus processos. Por razões nacionais e por motivos internacionais, estas eleições vão decorrer em momento de enorme tensão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">No mundo, é aflitiva a dificuldade em estabelecer acordos vitais, como sejam os relativos ao clima. Alguma coisa se fará, tarde ou cedo, mas será insuficiente. É inquietante a impossibilidade de se chegar a um acordo mundial razoável. A divisão do mundo não estava assim há décadas. Mau prenúncio!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Na Ucrânia e na Europa Oriental, em Israel, na Palestina, no Mediterrâneo e no Próximo Oriente, as coisas vão de mal a pior. Estes conflitos tiveram a capacidade de dividir o mundo. Dentro da União Europeia. Entre a Rússia e os Estados Unidos. Entre os Estados Unidos e a China. Entre a democracia e a autocracia. E temos ainda um quadro geral de dificuldade económica, de regresso ao proteccionismo, de aumento das desigualdades sociais e entre países.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>m Portugal, não teremos evidentemente qualquer influência nos problemas acima referidos. Muito menos nas soluções. Mas todos aqueles terão enormes consequências em Portugal. Como o agravamento da situação económica e o descontrolo dos movimentos migratórios.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Neste quadro geral, imprevisível e ameaçador, vamos a eleições. Inesperadas. Atabalhoadas. Eleições que provocarão, inevitavelmente, alterações no panorama político. Mas também causarão mudanças na definição programática dos partidos e respectivas direcções.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">São grandes os riscos que corremos com estas eleições. O primeiro é o da divisão do país e do eleitorado como raramente foi o caso. Talvez como nunca. Paradoxalmente, as experiências de maioria absoluta (Cavaco Silva, José Sócrates e António Costa) não dividiram o país em dois blocos. Foi sempre possível ver, à direita ou à esquerda, uma salutar diversidade. Que tinha como principal efeito o de não misturar as esquerdas (democrática e não democrática) nem as direitas (democrática e não democrática). Agora, o desastre da divisão está na esquina da rua. Na direita e na esquerda, as forças de aglomeração crescem e ganham importância. Apesar da boa fama de que goza esta divisão, conhecida como bipolarização, a consolidação dos dois blocos é anúncio de catástrofe. Se as direitas (democráticas e não democráticas) e as esquerdas (democráticas e não democráticas) se unirem, temos desastre à porta.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Muita gente refere a probabilidade da fragmentação partidária. Quer isto dizer, a redução do peso eleitoral dos dois grandes partidos e a multiplicação dos pequenos e médios. Diz-se que esta situação torna o país ingovernável. Pode ser verdade, o que é mau. Mas pior ainda será o estabelecimento de blocos federados, à esquerda e à direita. Com uma agravante: sem força dominante, estes blocos são o reino da chantagem e das artimanhas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Risco é ainda a impossibilidade futura da revisão constitucional. A que estava em curso não era grande coisa, nada queria fazer de essencial (o sistema eleitoral, por exemplo), mas havia uma energia salutar. Tudo isso acabou. Para recomeçar, seria necessário um esforço do centro político, desde que este exista no Parlamento e tenha eco no eleitorado. O que parece pouco provável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">A </span></b>reorganização dos dois grandes partidos já está em curso. No PSD, a conversa é a de uma maioria abrangente, no PS é a de uma estratégia de união das esquerdas. Ninguém se esforça por uma maioria absoluta. Também é verdade que ninguém a merece. Verifica-se o esvaziamento doutrinário dos dois partidos, que será combatido por uma reafirmação de programa e de prioridades. Vão estar em causa as preferências internacionais (UE, NATO, CPLP, Ucrânia, Israel, Palestina e EUA), as políticas de imigração, o papel da empresa privada, o Serviço Nacional de Saúde, a política de educação, a Segurança Social e a Justiça. Que ninguém duvide: os dois grandes partidos e os eventuais grandes blocos vão rever tudo isso. Para o melhor e o pior. A social-democracia e o socialismo democrático preparam uma revisão profunda. Feita mais por pressão do oportunismo eleitoral do que por evolução doutrinária.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Risco também é o de se proceder a um reforço dos lados negativos do semipresidencialismo, isto é, do conflito entre órgãos de soberania e da interferência do Presidente da República. Os sinais dados pelos primeiros mandatos de Mário Soares e de Marcelo Rebelo de Sousa são hoje longínquos e parecem pertencer à ficção. Tal como num vulcão adormecido, o pior do semipresidencialismo, os seus inúteis conflitos, volta à actualidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">As eleições, sobretudo as controversas, são oportunidades para as mais inesperadas operações. Este ano, estamos bem servidos. Intervenções de ministros estridentes não faltaram. Manobras com grandes serviços e empresas públicas foram muitas. Iniciativas inusitadas dos altos poderes judiciais surpreenderam toda a gente. Tremores nos grandes processos adiados, Operação Marquês, Face Oculta, Influencers, Sócrates, Salgado, Pinho, Berardo e outros sucedem-se.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Parece ser neste universo pré-eleitoral, de revisão disfarçada e de reorganização partidária, que se pode incluir a revelação do caso das “Gémeas brasileiras”. Ou toda a gente se portou mal, ou toda a gente mentiu, ou ambas as coisas. Raramente se viu em Portugal história mais mal contada. É possível que, entre os mencionados, haja inocentes. Mas nem esses conseguem defender-se com clareza. Confirma-se: vésperas de eleições, tempos de traições!</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 2.12.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-69473123660211266412023-11-25T17:52:00.001+00:002023-11-26T17:52:48.978+00:00Grande Angular - 25<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">H</span>oje, 25 de Novembro,</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> é dia de festa. Apesar de ser data controversa e detestada por alguns. Mas é natural que haja opiniões diferentes relativamente ao 25 de Novembro, sua importância e sua recordação. Ainda bem! Foi mesmo para isso, também para isso, que se fez o 25 de Novembro: para permitir que se tenham opiniões diferentes. Também há muita gente que não aprecia especialmente o 25 de Abril, mas tal não basta para que se apague a data.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os que perderam, nesse dia de Novembro de 1975, choram e fazem o possível por esquecer. São, em geral, comunistas, outros de extrema-esquerda e militares revolucionários. Desses, uns estão hoje no PCP, alguns no Bloco de Esquerda e outros em sítio nenhum. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os que ganharam recordam com prazer, às vezes com orgulho. Uns estão hoje nos grandes partidos da democracia, o PS e o PSD, alguns em todo o sítio e outros em parte nenhuma.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Mas há grupos especiais e que merecem referência. Alguns militares moderados do MFA (Movimento das Forças Armadas) e uns tantos socialistas venceram então e têm vergonha hoje. Fazem o possível por esquecer. Não querem que se recorde, pois tal pode “abrir feridas”, dizem. É este grupo que merece ácida reflexão.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A polémica alimenta-se de ridícula comparação: qual é a data mais importante, o 25 de Abril ou o 25 de Novembro? É tão idiota a ideia que nem apetece perder tempo. Por todas as razões, o 25 de Abril é a principal data, a mãe de todas. Mas também há o 25 de Abril de 1975, dia das primeiras eleições livres, as constituintes, que revelaram a fraqueza dos revolucionários e afirmaram a vantagem dos democratas, assim como desviaram, para os eleitores, os poderes que se limitavam aos activistas. E ainda há o 25 de Abril de 1976, dia das eleições legislativas, alicerce do Estado democrático em vias de fundação. Entre estes 25, há o de Novembro, o motivo das polémicas, mas que entra, de pleno direito, nesta espécie de galeria. Neste último dia, derrotaram-se os revolucionários que queriam uma ditadura e que procuravam explicitamente impedir a democracia parlamentar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ao lado destas datas, ainda é possível acrescentar o 1º de Maio de 1974. É talvez o dia das maiores manifestações da história do país. Com a particularidade de não se manifestar contra ninguém, mas com a intenção de festejar a liberdade. Foi nesse dia que o “golpe de Estado” se transformou em levantamento popular. Foi nesse dia que a liberdade se socializou. Foi nesse dia que se percebeu que a democracia não seria outorgada, nem de cariz militar ou hipotecada aos movimentos revolucionários, antes seria de todos, do soberano, do povo. Ainda demorou muito. Ainda houve riscos, tentativas revanchistas e tentações totalitárias para implantar regimes de farsa, como uma “democracia avançada”, eufemismo para ditadura. Tivemos isso tudo, mas foi o 25 de Novembro que estabeleceu as fronteiras. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">É </span></b>possível que, sem o 25 de Novembro, não houvesse necessariamente ditadura comunista ou militar. Era muito arriscado, mas teoricamente possível. O problema é que o maior risco ainda era a guerra civil e a divisão definitiva de portugueses. Nesse sentido, ao contrário do que se diz hoje em certas instâncias, o 25 de Novembro não é fracturante. Não foi na altura, nem a sua comemoração o é hoje. Pelo contrário, o 25 de Novembro impediu uma fractura radical, violenta e ameaçadora.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Além de tudo o mais, o 25 de Novembro contribuiu para um dos mais importantes traços da democracia portuguesa: afastou uma revolução e impediu uma restauração, sem vingança, sem novos presos, sem novas interdições, sem adiamentos eternos de eleições e sem vagas promessas de democracia. Deste ponto de vista, o 25 de Novembro e a democracia que se seguiu fizeram algo de único ou de raro na história recente: derrotaram uma revolução e não fizeram prisioneiros nem proibições. E muito menos mortos e feridos. A vaga das democracias europeias dos anos 1990 e seguintes deu exemplos notáveis de instauração pacífica do novo regime. É verdade. Mas não resultaram de processos exclusivamente internos, de revolução e derrube de ditaduras. Nem travaram uma revolução em curso. Na verdade, o apodrecimento do comunismo começou, sem revolução, na União Soviética e contagiou vizinhos e clientes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Sabe-se que há gente de direita que vibra mais com a correcção de Novembro do que com início de Abril. Como há muitas pessoas de esquerda que sonham com o que se perdeu em Novembro. Tudo isso é normal e previsível. O problema não é o de quererem comemorar uma data e outra não. Nem o de saber por que querem festejar ou de que modo pretendem recordar. Os gostos discutem-se, é bom que assim seja. O problema também não é o de não querer comemorar. O problema é o de quem quer que os outros não comemorem. De quem não reconhece o valor nacional de uma data libertadora (Abril ou Novembro). E de quem quer impedir que as instituições democráticas festejem o que democrático é.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Como é sabido, os despotismos e as vocações ditatoriais, de esquerda ou direita, são muito exigentes na semântica. O politicamente correcto, por exemplo, é em parte uma luta por uma semântica aceite e outra condenada. Também neste caso estamos perante uma destas armadilhas de vocabulário. Para os candidatos a déspotas, Novembro não rima com democracia. Por isso, estes esforços incansáveis de pessoas e partidos contra a comemoração de Novembro em sede oficial, nas instituições. Chocante, todavia, é ver tantos que a Novembro muito devem aceitar o ditame comunista contra a vitória democrática daquela data. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Alguns socialistas, em especial, têm enorme jeito para acrobacia e outras artes de contorção. Um partido que cresceu, em 1975, graças à luta contra o comunismo, acabou por não ter remorsos numa aliança com aquele partido. De modo parecido, um partido que sobreviveu graças ao 25 de Novembro, não vê com bons olhos os que o querem assinalar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em Portugal, em 1975, Novembro salvou Abril. Salvou a liberdade e a democracia. Permitiu a Constituição e as eleições. Prometeu o pluralismo, que garantiu. Não vingou, não matou, não prendeu, nem proibiu os responsáveis pela deriva autoritária e revolucionária. Sem Novembro, teríamos talvez a ditadura ou uma a guerra civil. Mas não a liberdade.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><b> </b></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 25.11.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-6163587593963673762023-11-18T09:01:00.001+00:002023-11-18T09:01:49.254+00:00Grande Angular - Corrupção e impunidade<p> <span style="color: #2b00fe; font-family: arial; text-align: justify;">Por António Barreto</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">N</span>os anos a vir </b>e nos seguintes, assim como na história futura, esta semana, estes tempos e os próximos ficarão para sempre. Inesquecíveis. De triste recordação. E de inquietação crescente. Entraram em crise elementos básicos da confiança e da esperança. A certeza das instituições, a serenidade das elites e a segurança da justiça falharam. Ou não deram garantias. O Estado de Direito foi posto explicitamente em crise.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Descobrem-se em abundância casos de corrupção e favoritismo. São ordenadas detenções apressadas e mal fundamentadas. Reinam as fugas de informação e as violações do segredo de justiça. Uma reunião confidencial do Conselho de Estado, um dos últimos redutos da serenidade, é desvendada. O Primeiro ministro demite-se de modo incompreensível. A dissolução do Parlamento não é cabalmente justificada. As decisões do Ministério Público e da Procuradora Geral revelam ligeireza e leviandade. Um Parlamento dissolvido, a prazo, aprova um orçamento de Estado, a correr, antes de partir para campanha eleitoral. Um governo demitido, a prazo, aprova aumentos da Função Publica e do salário mínimo. Um ministro demitido, a prazo, pretende resolver, à pressa, a crise dos médicos e da saúde.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Primeiro-ministro e outros governantes sugerem que, em certos casos, a necessidade política e as exigências da vida económica podem obrigar a ponderar o sentido da aplicação da lei. Parece que basta o rigor legal na decisão, sendo que a aplicação prática das leis obedeceria a outros critérios, designadamente do interesse público definido pelos próprios políticos. É possível que nunca se tenha ido tão longe, nas últimas décadas, no desrespeito pelo Estado de Direito.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">P</span></b>or vezes importa tomar um pouco de distância. Como se pode corrigir? Que se pode fazer para melhorar, punir e prevenir? Pouco. Muito pouco. Talvez nada a curto prazo. Talvez alguma coisa a longo prazo. Com outras gerações. Mais leis, não vale a pena. Já temos e a mais. Formar novo pessoal político e novos magistrados? É possível. Demora décadas e coloca sempre o problema existencial: quem forma o pessoal e quem forma os formadores? Liquidar a democracia? Não resulta, pois já sabemos que a ditadura e o populismo são, sempre e em todo o sítio, piores do que a democracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A nossa democracia não conseguiu, nas áreas da corrupção e da justiça, ser melhor do que a ditadura. Tem mil vantagens. É superior em muitos aspectos, na liberdade, nos direitos individuais, na dignidade das pessoas, na cultura, na educação, no trabalho e na saúde. Mas na justiça e na corrupção não consegue ser melhor. Até porque, com o capitalismo, a democracia e a sociedade aberta, há mais corrupção e mais interesses. Mais e mais democratizados. O nacionalismo demagógico, o justicialismo virtuoso e a ditadura puritana são sempre e serão piores do que a democracia. A história de Portugal e do mundo demonstra-o nitidamente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">A</span></b> situação, na justiça e na política, por causa da corrupção e do favoritismo, está má. E vai ficar pior. E não tem cura tão cedo. Pessimismo? Nem por isso. Realismo, talvez. A sociedade e as instituições não são melhores do que as classes dirigentes e ilustradas. Nem melhores do que os políticos. E estes não são melhores do que a sociedade em que têm origem. E é mesmo isso que é crítico, é esse o problema: das classes dirigentes, das elites, esperava-se mais e melhor!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Portugal sofre, há décadas e séculos, de peste de país pobre, de povo sem liberdade e de país dependente do Governo. Sem liberdade, sem democracia, sem imprensa livre, sem empresas poderosas, sem mercado e sem sociedade aberta, cultiva-se facilmente a corrupção, o nepotismo e o favoritismo. A “cunha” e o “jeitinho” fazem parte do quotidiano. A “palavrinha” e o “empenho” são modos de vida. A nomeação de parentes e de correligionários também. Passar à frente nas filas de espera ou nas competições é usual. Abrir concursos “com fotografia”, isto é, que só podem ser ganhos por pessoa certa, é uma arte. Rechear os gabinetes com assessores, consultores e especialistas, pagos pelo erário público, mas para benefício do próprio, é aceitável.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">As modalidades de pequena e média corrupção abundam e são bem conhecidas. Uso privado de carros de função, realização de obras domésticas à custa de dinheiros públicos, nomeação de filhos e afilhados, pagamento de refeições caras, luvas de grandes negócios, estágios e cursos superiores em instituições reputadas, percentagens depositadas “lá fora” e avenças estranhas, de tudo um pouco, os portugueses conhecem bem. Infelizmente, parece que também vivem bem com isso. O que é triste e desesperante é verificar que os raros mecanismos de combate à corrupção e ao favoritismo são a inveja e a concorrência. Quando são vários os predadores e só uns os beneficiários, é quase certo que os outros arranjarão maneira de denunciar. Em nome do bem público, alegam.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O problema, não sabemos bem se sobretudo nosso ou se partilhamos com outros, é o da dualidade de conceitos. Por um lado, como no futebol, o que os “nossos” fazem está bem, o que é da autoria dos “outros” é condenável. Mais inquietante é a diferença moral entre a esfera privada e a partidária. Para muitos, a verdadeira corrupção é aquela de que se aproveitam os indivíduos, as suas famílias e os seus amigos. O que é para proveito pessoal é condenado e pode ser exposto. O que é para uso do partido não tem o mesmo tratamento: a “ética republicana” e a legitimidade política garantem que é justa a distribuição de despojos e razoável o benefício partidário. Quer isto dizer que, para muitos, as eleições democráticas conferem uma legitimidade a toda a prova, que se sobrepõe a outros critérios morais ou legais. Por outras palavras, quem está no poder, usa-o.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É este sentido de legitimidade que explica, em parte, o facto de tantas pessoas inteligentes, sabedoras, por vezes competentes, eventualmente cultas e experientes terem comportamentos condenáveis sem recear a lei ou a opinião. É o pior de tudo: o sentido da impunidade. A certeza de que o voto dá direitos e de que a democracia oferece vantagens pessoais e partidárias. O “quero, posso e mando” do soba ou do ditador não é pior do que o “quero, posso e mando” do democrata eleito…</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 18.11.2023<o:p></o:p></i></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-51280858896477472532023-11-11T08:00:00.001+00:002023-11-11T08:00:00.136+00:00Grande Angular - Um verdadeiro desastre!<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">É</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">o maior desbaratamento</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> da história da democracia portuguesa. O governo tinha tudo o que era preciso. Um Primeiro-ministro hábil e habilidoso. Uma maioria absoluta. Um partido de governo coeso e unido. Um Presidente da República cooperante e colaborador como nunca se tinha visto. As esquerdas destroçadas. O Chega a subir, não de mais, mas o suficiente para diminuir o PSD. Uma oposição tépida e desorientada. Um Programa de financiamento europeu de montante inimaginável. Uma situação económica e financeira melhor do que se esperava ainda há pouco tempo. O erário público com uma folga confortável. A admiração, o respeito, a necessidade e a dependência das academias, da administração, das instituições e da imprensa. A colaboração do capital internacional. A atenção dos empresários. E os autarcas em fila de peditório.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Por isto tudo, não se percebia bem a razão pela qual o governo não conseguia tratar da situação social que não corria muito bem. As lutas e as greves nos hospitais, nas escolas e nos tribunais persistiam e os respectivos ministros não conseguiam tratar nem dialogar. Os serviços públicos em geral davam claros sinais de que se aproximava o colapso, com enormes prejuízos para a população. Os aumentos do custo de vida e a inflação ameaçavam o bem-estar de grande parte das famílias. A crise na habitação atingia alturas de quase calamidade. Alguns ministérios ressentiam-se da mediocridade dos seus ministros, com relevo para a saúde, as infra-estruturas, a educação e a justiça. O governo sabia distribuir, mas não organizar e criar.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Em oito anos de governo, várias perturbações gravíssimas ameaçaram tudo. A pandemia dominou a vida pública durante dois anos. A guerra na Ucrânia destruiu a paz europeia, com efeitos nefastos para todos os países. Agora, a guerra na Palestina e em Israel revelou novas ameaças para o mundo, cujas consequências estão ainda longe de ser medidas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Não foram, todavia, as dificuldades sociais internas nem as perturbações internacionais que deram cabo do governo e da estabilidade política. Foram questões morais, foi a falta de seriedade, foi o nepotismo partidário, foi a incompetência de vários ministros, foram os escandalosos abusos de poder dos ministros nas questões do aeroporto, da TAP, do lítio e de outros grandes projectos. Foi a auto-suficiência de ministros e de dirigentes partidários que se sentiam capazes de tudo, do melhor e do pior e que julgavam que podiam tratar da felicidade dos outros e da riqueza de alguns. Foi a incapacidade de servir o país e os cidadãos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A causa da crise não foi social, nem económica, muito menos internacional. Foi o mau governo. O bem e o mal andam de braço dado! O que parecia um bom governo era feito de maus ministros. Em certos casos, gente vaidosa e prepotente. Noutros, medíocres fantasmas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>sta crise surpreendeu toda a gente. Não só a crise, como também o modo como muitos reagiram. Alguns comportamentos das autoridades deixaram perplexos os cidadãos. O Presidente da República aceita o pedido de demissão, mas não demite, para já. Anuncia a dissolução do Parlamento, mas não dissolve, por agora. Apesar de anunciar a sua intenção de demitir o governo e dissolver o Parlamento, marca eleições! Será que estamos perante a criação de novos dispositivos constitucionais, tal como a declaração de intenções?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Presidente da República afirma que é necessário aprovar o orçamento de Estado e promulgar várias leis e dispositivos legais necessários à economia. Por isso, afirma que demite e dissolve, mas só o fará daqui a umas semanas! Entretanto, o governo e o Parlamento exploram o mais possível este extraordinário período de terra de ninguém e de tempo de todos. Sem orçamento de Estado aprovado, depois de aceite o pedido de demissão do Primeiro ministro e de marcadas as eleições sem dissolução prévia, o Conselho de Ministros aprova, a correr, o maior aumento da história do salário mínimo! Antes de estar aprovado o orçamento de Estado, já depois de o pedido de demissão do Primeiro ministro ter sido aceite e depois de o Presidente da República ter declarado que dissolveria o Parlamento, o Conselho de Ministros aprova aumentos salariais para a Função Pública.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Esta crise ainda revela fenómenos estranhos. Um Primeiro ministro, cuja pedido de demissão foi aceite, propõe ele próprio o seu sucessor! O Parlamento é ignorado em todo este processo. O partido maioritário é marginalizado. O grupo parlamentar do partido maioritário é ignorado pelo chefe do partido, pelo Primeiro-ministro e pelo Presidente da República. O presidente não se sente obrigado a pedir ao partido maioritário (e não apenas ao Primeiro ministro demitido…) que indique, se for capaz, um novo Primeiro-ministro, como se faz em países com experiência democrática. Todos concordam, estranhamente, com a ideia de que o governo da nação não é do Parlamento, nem do partido maioritário, mas sim do chefe do partido.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Outros factos surpreendentes são visíveis para todos. Circulam nos jornais, nas televisões e nas redes centenas de transcrições de interrogatórios, de declarações, de despachos confidenciais e de escutas telefónicas. A Procuradora geral da República utiliza formas sibilinas e estranhas à clareza do Direito e ao respeito pela dignidade das pessoas, com o que desencadeia uma crise política sem precedentes. Se não tiver razão, deve ser banida e afastada. Se tiver razão, tem de mudar o seu estilo, dado que o actual não é próprio da democracia e da justiça.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Mais ainda do que noutros tempos, vamos ter meses sem governo pleno, sem Parlamento completo, sem orçamento a sério, sem novo programa… O próximo governo vai querer mudar e alterar. Não há costumes nem tradição suficientes para poder viver uns tempos sem governo ou com pouco governo. Tudo depende do Estado e do governo. Vão ser precisos meses para demitir, dissolver, convocar, realizar congressos, estabelecer listas de candidatos, sanear uns, promover outros, fazer campanha, eleger, apurar, formar governo e ir ao Parlamento. Sem orçamento, sem autonomia financeira e sem autoridade de serviço público. Há países onde é possível viver meses e meses sem novo governo e sem novo parlamento em plenas funções. Aqui, não. Os prazos legais são absurdos. Os costumes obsoletos. As regras fantasmagóricas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É assim que os portugueses vivem.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 11.11.2023<o:p></o:p></i></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p> </o:p></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-50181792344943569782023-11-04T08:46:00.001+00:002023-11-04T08:46:21.200+00:00Grande Angular - Uma reforma de papel<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span></b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">novo sistema</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> de controlo de estrangeiros e de imigração entrou em vigor há dias. É provável que a causa desta reforma das instituições ligadas às migrações seja o homicídio de um candidato ucraniano ao refúgio (ou imigração). O caso teve lugar nas instalações do SEF, no aeroporto, há cerca de três anos. Se assim é, a boa notícia é a de saber que as autoridades reagem com preocupação a esta lamentável ocorrência. A má notícia é a de ver que se aproveita a situação para fazer reformas aparentemente fundamentais. Este género de resposta, em cima do acontecimento, é raramente equilibrado e eficaz, mostra inquietação, mas na verdade revela má consciência.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Aprovada a respectiva lei há mais de dois anos, só agora o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a que pertenciam os culpados pelo homicídio, está extinto. Foi substituído por vários organismos. O AIMA (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) surge à cabeça. Mas funções muito importantes são delegadas ou transferidas para a PSP, a GNR e a PJ, assim como para o IRN (Instituto dos Registos e Notariado). Além destes, são definidas competências para as autarquias, o SSI (Sistema de Segurança Interna) e a nova UCFE (Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros).<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Ainda é cedo para avaliar estas reformas. Também é cedo para ter uma ideia sobre este novo sistema. Mas já é possível exprimir dúvidas. Uma é evidente: uma autoridade que necessita de centralidade de planeamento, eficácia e capacidade de resposta acaba por ser pulverizada. As diversas funções são distribuídas por várias instituições. A ponto de se ter também criado um gabinete de coordenação entre todos, isto é, o Gabinete de Coordenação e Gestão Integrada de Fronteiras!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A nova legislação e o novo sistema foram apresentados a público, há dias, com aparato. A Ministra anunciou pomposamente “um novo paradigma” e referiu-se aos méritos de Portugal na recepção de estrangeiros e subsequente hospitalidade, uma verdadeira “referência de humanismo e respeito pela dignidade humana”. O facto de Portugal ter adoptado um sistema único na União Europeia, diferente de todos os outros países, parece não ter suscitado dúvidas. É sempre assim, quando se diz que somos diferentes dos outros! Mas a verdade é que, numa área como esta, que inclui circulação entre países, aceitação de refúgio, regras de Schengen, valor dos passaportes, travessia de fronteiras e títulos de residência, seria bom que, em vez de brilhar pela diferença, nos ilustrássemos pela adopção de sistemas experimentados e consagrados. Mas as autoridades preferem a vaidade, talvez injustificada, de termos “um modelo único na Europa”! <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">De qualquer maneira, convém estar atento. A concepção de reformas dos governantes nacionais, talvez especialmente dos socialistas, envolve sempre reformas globais, abordagens “sistémicas” e teorias grandiloquentes. As promessas imediatas referem a necessidade de legalizar, renovar e autorizar mais de 600.000 candidatos até Março de 2024! Como se fosse possível! Destes, mais de 350.000 são “pendências”, isto é, atrasados e ilegais à espera. Como é possível acreditar na boa fé e na eficácia de governantes que, em oito anos de governo, deixaram apodrecer a situação deste modo, com centenas de milhares de ilegais e atrasados? Pretende o governo esconder o facto de que é ele o principal responsável por esta situação?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>sta reforma, burocrática e de fachada, evita tudo o que é essencial. Na verdade, as políticas portuguesas para as migrações limitam-se a banalidades abstractas. Acolhimento generoso, regresso dos portugueses à pátria, direitos dos imigrantes, vantagens do multiculturalismo, tolerância, etc. As questões difíceis e que deveriam estar no topo das definições estão em geral afastadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Portugal opta pela porta aberta a todos? Quantos imigrantes podem entrar em Portugal? Há limites? Se sim, quais? E quem os define? Interessam-nos imigrantes de todos os continentes? Ou preferimos de países com os quais temos relações estreitas? Podemos fixar montantes ou fasquias para certas nacionalidades? Temos uma política igual para todos ou preferimos os originários de países de língua portuguesa? Há prioridade para trabalhadores desqualificados e indiferenciados ou para técnicos e pessoal qualificado? Portugal deve exigir contrato de trabalho prévio e residência assegurada antes de dar acolhimento? Podemos expulsar os ilegais ou devemos legalizar todos os que entrarem no país? Se os portugueses preferem emigrar para certos países, é justo que também possam preferir certos nacionais em detrimento de outros? Aceitamos que vivam em Portugal dezenas de milhares de ilegais?<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Convém notar que, na história dos movimentos migratórios, há constantes bem interessantes. Os emigrantes vão dos países pobres para os ricos. De países sem emprego para onde há trabalho. De países onde há trabalhadores, mas não trabalho, para os que têm trabalho, mas não trabalhadores. De países em guerra para locais de paz. De países sem liberdade para democracias. De países atrasados para mais avançados. Portugal, tal como outros, tem a particularidade de estar em duas posições, a de atrasado e a de desenvolvido. Dezenas de milhares de portugueses partem todos os anos para a Europa e as Américas, enquanto dezenas de milhares de estrangeiros chegam de África, da América Latina e da Ásia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Tentar controlar ao pormenor estes movimentos de população é do domínio da fantasia ou do impossível. As sociedades e o mundo têm uma margem de liberdade e de imprevisto que não se pode dominar ou extinguir. Mas é possível medir e avaliar, tentar orientar e adequar acontecimentos às necessidades. Fixar quantitativos, preferir nacionalidades de origem, valorizar as qualificações, exigir a legalização e o contrato de trabalho, punir a ilegalidade e o tráfico de força de trabalho e recusar a entrada aos criminosos são atitudes e opções aceitáveis e convenientes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Nos tempos actuais, as migrações estão no centro das preocupações europeias. E talvez mundiais. O pior que pode acontecer, a Portugal, à Europa e a outros países, é deixar correr. A pretexto da “porta aberta” e do “acolhimento generoso”, cometem-se verdadeiros crimes políticos e deixa-se desenvolver o conflito, o crime e o tráfico. As velhas e doces ideias da liberdade de circulação e da escolha de local de vida e de residência, ligadas à cultura e ao trabalho, são postas em causa por esta negligência irresponsável.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p align="center" class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: center;"><i>Público, 4.11.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-82834768334415856612023-10-28T10:35:00.001+01:002023-10-28T10:35:11.193+01:00Grande Angular - No círculo do Inferno<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">O</span> secretário geral </b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">das Nações Unidas, António Guterres, teve uma frase infeliz, pouco cuidadosa, susceptível de interpretações contraditórias, erradas ou equívocas. A não ser, evidentemente, que ele quisesse dizer exactamente o que disse. Se for esta última hipótese, o assunto é mais grave e o tema mais importante do que um mero deslize de linguagem. Com efeito, tal quereria dizer que o Hamas tem explicação e motivos para fazer o que faz. Ora, quem tem explicação e motivos tem, sempre ou frequentemente, desculpa. O massacre de 7 de Outubro teria assim as suas raízes nas decisões das Nações Unidas de 1947, na opressão israelita, na desigualdade social, nos colonatos e na pobreza do povo palestiniano. O que quer dizer que, além do Hamas, também o Hezbollah, a Jihad, a Al Qaeda, o Irão e a Síria têm desculpa e justificação. O que significa que também a Alemanha nazi, os Estados Unidos, Israel, a Rússia, o Congo e o Ruanda têm explicação e justificação. O que se aplicaria ainda a Hitler, Mengele, Eichmann, Estaline, Mao Tsé Tung e Pol Pot. O que nos ajuda a perceber as causas do comportamento de Al Capone, Pablo Escobar e Jack o Extirpador. De acordo com o argumento inicial, toda esta gente, todos estes povos e os respectivos governos foram sempre meros agentes históricos, veículos sociais, protagonistas involuntários, sem responsabilidades pessoais, sem culpas de partido ou de grupo, sem livre escolha dos seus actos. Todos os comportamentos sociais e políticos teriam assim justificação. O que é diferente de explicação. O que diminui a culpa e a autoria. E reduz as responsabilidades.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Evidentemente, não deveria ser necessário dizê-lo, tudo tem as suas origens e as suas causas. Como tudo tem o seu contexto e a sua circunstância. Cada momento da história de um povo tem as suas grandezas e as suas misérias. Mas nada permite que as glórias e os sofrimentos passados justifiquem e desculpem os crimes de hoje, as agressões, os massacres e as violações do direito internacional. O massacre de 7 de Outubro não tem justificação nem desculpa. É um acto de pura agressão e de mortandade. Como tal tem de ser julgado. A responsabilidade não é de 100 anos de pobreza palestiniana, nem de 50 de colonatos. É, sim, das escolhas e das decisões dos dirigentes do Hamas e dos seus aliados.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><span style="color: #2b00fe;"> Compreende-se a reacção de Israel, que pretende justamente liquidar um movimento político que proclama a destruição de um Estado e de um povo. Mas, pela mesma ordem de ideias, não se compreende que esse mesmo Estado recorra a meios condenados pelo direito internacional, tal como o bombardeamento sistemático de populações. Não por causa do passado, nem da história, nem do contexto. Mas simplesmente por causa da humanidade e da vida. Nem um nem outro se justificam. A pobreza não desculpa o 7 de Outubro. Como os pogroms não perdoam o bombardeamento.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">G</span></b>lobalmente, no universo das rivalidades, no panorama das relações internacionais, estou do lado de Israel. Não porque esteja sempre de acordo com os seus governos. Não porque aceite tudo quanto fazem. Também não por tudo o que são e defendem. Nem por serem brancos. Nem ainda por terem sido vítimas de perseguições, de expulsões e de massacres. Mas apenas e tão só porque, tudo somado, Israel está mais do lado da liberdade e da democracia do que os outros países seus rivais, adversários e inimigos. Em caso de divergência e luta, não é a cor da pele, a religião, a tradição, a etnia e a língua que me fazem tomar partido ou simpatizar com uns, em detrimento de outros. É o lado da liberdade e da democracia. Em caso de conflito, nenhum critério, pele, língua, etnia ou religião, me faz tomar partido por um qualquer país, em qualquer parte do mundo, Rússia, China, América ou África. Mas a democracia, sim. Não tenho dúvidas: em última instância, Israel fará sempre mais pela democracia do que o Hamas, o Hezbollah e os governos do Irão, da Síria ou da Rússia. Como também não tenho dúvidas em condenar a política do governo de Israel e de Netanyahu relativamente aos colonatos, ao reconhecimento do Estado da Palestina e ao embargo contra Gaza. Mesmo assim, estas políticas não são argumento suficiente para ter uma qualquer simpatia por quem quer destruir o Estado de Israel. E nem mesmo a compaixão pela sorte do povo da Palestina me faz acreditar no Hamas e desejar a extinção de Israel.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Mais do que uma moda, é um vício do pensamento. Tudo justificar pelo contexto, tudo explicar pelas origens e pelas causas, tudo desculpar pelo sofrimento de alguém. O assassino é filho de alcoólico, os seus actos necessitam ser compreendidos pela condição paterna. O ladrão cresceu na barraca, os seus gestos compreendem-se pela origem social. O desordeiro nasceu numa colónia, a sua conduta tem essa explicação. O traficante de droga é filho de pais divorciados, a falta de amor explica as suas acções. O violador é de uma família de capitalistas, os seus procedimentos têm essa justificação. O activista viveu sob domínio, pode cometer actos de terrorismo. Vítimas da colonização, da prisão dos pais, da etnia de origem, da condição da família, dos bairros de nascimento, da falta ou do excesso de religião dos progenitores, tudo é invocado para explicar e justificar. As escolhas de cada um, individuo, grupo, comunidade ou povo, têm sempre explicação e justificação. O crime é filho da miséria, da pobreza e da submissão. A violência é o resultado directo da desigualdade. Um povo historicamente perseguido tem o direito de perseguir outros. Uma comunidade submissa tem autoridade para destruir outras. Noutras palavras ainda: as opções de cada um não são as opções de cada um, são o resultado das origens. Os gestos dos indivíduos, das classes e dos povos não são as suas decisões livres, mas tão só os resultados dos processos históricos, das condições sociais e dos percursos de vida. Este é o reino da indiferença, da ausência de lei, da incerteza da responsabilidade e da marginalização dos indivíduos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É também o reino da neutralidade, doença da humanidade, tal como diria Dante: é o local mais quente do Inferno, mais insuportável, reservado para os neutros, para os que escolheram a neutralidade em tempos de crise e de confronto. Reservado também para os obcecados com o compromisso. Não necessariamente o equilíbrio razoável, mas o compromisso entre tudo e todos. Ora, não há equidistância entre paz e guerra. Entre democracia e ditadura. Entre liberdade e totalitarismo.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 27.10.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-70043708316477889512023-10-21T10:08:00.003+01:002023-10-21T10:08:40.646+01:00Grande Angular - O fogo, a razão e o sentimento<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">H</span>á momentos na história</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">em que a razão se encontra cercada por anéis de fogo: quase com estas palavras, foi um pensamento que nos deixou Marguerite Yourcenar a propósito de outros tempos e outros locais. Eram tempos de combates de morte, em que se afrontavam religiões e se digladiavam impérios e senhores. Momentos desses repetem-se ao longo dos tempos, nunca muito parecidos, a não ser na devastação do mundo, na destruição da razão e na perda de humanidade. Tivemos disso durante o século XX. Parece agora, neste novo século que se iniciou com esperança e confiança, que entramos gradualmente, mas depressa de mais, numa dessas épocas perigosas. Na Ucrânia e na Palestina, na Europa de Leste e no Próximo Oriente, tal como em partes importantes de África, chegámos a um desses momentos com todos os perigos já detectados. Aumentam as guerras, cresce o terrorismo, recua a democracia, diminui a coexistência e agrava-se a rivalidade entre países. Apesar de insuficiente, o retrato é aterrador.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Por mais que tentemos arranjar um “lado” e definir os “bons” e os “maus”, sabemos, no nosso íntimo, que encontrar lados já é mau caminho e que identificar os bons e os maus é um gesto recheado de mentira e de riscos. Também sabemos, para agravar as coisas, que é importante tomar partido, ser solidário, condenar quem o deve ser e apoiar os justos que o merecem. Mas nada disto é simples. Nem durável. Apoiar o lado da democracia, da liberdade e dos direitos humanos é imperioso. Mas sabe-se que, deste lado, os perigos, as distorções e as perversões são mais que muitos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Condenar países ou nações é absurdo. É como condenar religiões. Ou povos. Mas pode condenar-se um governo, um partido ou um movimento, sem necessariamente condenar um Estado ou um povo. Condenar o Hamas, pelo terrorismo, não implica condenar os Palestinianos. Castigar o Hamas ou o Hezbollah não significa castigar os povos respectivos. Tal como condenar Netanyahu e as suas políticas não implica condenar Israel nem os Israelitas, muito menos os Judeus.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Aliás, em relação aos países ocidentais, está bem mais estabelecido que a condenação dos governos e das políticas não significa criticar as nações e os Estados. O governo italiano, o primeiro-ministro espanhol, o partido independentista catalão, o governo americano ou o presidente francês podem e devem ser criticados sem piedade, o que não quer dizer que queiramos destruir ou aniquilar os respectivos Estados. Criticar a política europeia ou americana actual não implica que queiramos pôr em causa a América como nação ou a Europa como União!<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">E</span></b>stas verdades simples parecem não se aplicar ao Próximo Oriente. A amálgama entre Estados, povos, religiões, governos e dirigentes políticos é a destruição do espírito, a tradução exacta do clima de guerra e de irracionalidade. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Toda esta questão do Próximo Oriente não é evidentemente apenas a questão do Próximo Oriente. É também da rivalidade entre as grandes potências ou entre vários países directamente interessados e vizinhos. É ainda uma questão de recursos financeiros, de petróleo e de gás. E do comércio de armamento. E um problema de nações, religiões, famílias, dinastias e tribos. Estes últimos factores, que envolvem identidade, são os que transformam os conflitos em guerra e morte. Poder político e recursos económicos são já letais em si. Com as identidades nacionais e as religiões, quase tudo deixa de poder ser possível.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Por toda a evidência diante dos nossos olhos, nos jornais e nas televisões, mas também por tudo quanto sabemos e se passou nos últimos anos, desde 1948, e nas últimas décadas, desde finais do século XIX, e desde sempre há dois mil anos, esta questão de Israel, da Palestina e do Próximo Oriente não tem solução durável. Poderá ter arremedos de equilíbrio temporário, mas o conflito e a guerra regressarão sempre.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A maior parte dos “defensores” dos Palestinianos, designadamente os governos do Irão, da Síria, da Rússia e de vários países árabes da região, não quer saber dos Palestinianos para nada, a não ser para servir de pretexto, isco, carne para canhão e causa piedosa. Os heróis são os Hamas, as vítimas são os Palestinianos. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O Hamas, o Hezbollah, a Jihad islâmica e outros movimentos e partidos têm como objectivo central da sua existência a liquidação dos judeus e do Estado de Israel. Acessoriamente, fazem tudo o que podem para evitar que os projectos de dois povos vizinhos e de dois Estados viáveis tenham uma qualquer hipótese de concretização. Derrotar estes movimentos, sem massacrar o povo palestiniano, é condição essencial para o desenvolvimento de qualquer hipótese de paz.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O governo de Netanyahu é hoje um dos grandes obstáculos à paz na região. Em nome da sua sobrevivência, ele e os seus governos fizeram tudo o que puderam para tornar o Estado palestiniano inviável, para desenvolver os colonatos com pura agressividade militar e para manter o povo palestiniano arredado de um tratamento digno. A oposição israelita a Netanyahu, que tanto se manifestou e exprimiu nos últimos meses, é uma das raras esperanças de paz para a região.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É indispensável que o corredor humanitário seja permitido. É imperioso, até por uma questão de dignidade humana, levar água, alimentação e medicamentos aos Palestinianos em necessidade e sofrimento. É intolerável que o governo de Netanyahu impeça que esta ajuda chegue a quem dela necessite. É verdade que muitos “terroristas” quererão aproveitar este corredor. Mas também é possível permitir que a ajuda chegue sem que isso signifique que se está a alimentar o terror.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Se os Palestinianos forem massacrados, nunca mais a região viverá em paz. E a Europa também não. Se Israel for liquidado, será uma das maiores derrotas da história da democracia. Os países ocidentais, com os Estados Unidos e a União Europeia à cabeça, não têm feito o suficiente e o necessário, longe disso, para obrigar o governo israelita a aceitar a coexistência e a vizinhança de dois Estados viáveis. O governo russo tem feito tudo o que pode para impedir as soluções de viabilidade, para manter o clima de confronto e de guerra em potência. Tal como alguns governos vizinhos, do Irão e da Síria, por exemplo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O que precede não tem provavelmente nenhuma novidade. É tão só uma maneira de evitar o fanatismo, de defender a paz, de reclamar compaixão e de condenar o belicismo. Sem ilusões. Apenas com uma réstia de esperança.</span><u><o:p></o:p></u></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 21.10.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-69556705128982745912023-10-14T08:21:00.001+01:002023-10-14T08:21:00.142+01:00Grande Angular - As guerras, os refugiados e as migrações<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">M</span>ais uma vez,</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> Israel está a ser miseravelmente atacado por terroristas. Mais uma vez, os Palestinianos vão ser a principais vítimas. O Próximo Oriente vai ser novamente sítio de desordem e de horror, de sangue e de morte. Para lá da região, grande parte do resto do mundo vai sofrer graves consequências desta guerra. O terrorismo inicial foi o que foi, terrorista. A reacção de Israel está a ser desproporcionada. Na continuação, haverá mais desproporção, que é o próprio das guerras. Não se conhecem guerras equilibradas, proporcionadas e com a justa medida! Se fossem, não eram guerras. Mesmo reconhecendo que Israel tem o direito e o dever de se defender do terrorismo e da guerra não provocada, é previsível que a resposta acrescente violência à violência.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É possível que esta guerra e suas consequências tenham efeitos sobre a política israelita, sobre um futuro governo e sobre as políticas ulteriores. E que mudanças políticas em Israel sejam inevitáveis. Como talvez se possa acreditar em que um ou outro grupo terrorista sejam definitivamente derrotados. Mas de uma coisa podemos estar seguros: no mundo actual, a liberdade e a democracia estão ali em causa. Como na Ucrânia. Espera-se, todavia, que o mundo ocidental e democrático, geralmente apoiando Israel, não se deixe também arrastar para aprovar as políticas erradas do governo israelita.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A infame ofensiva do Hamas contra Israel provocou milhares de vítimas inocentes. Por falta de preparação e excesso de presunção, a derrota do governo de Netanyahu está também na origem de milhares de vítimas igualmente inocentes. A reacção das Forças Armadas de Israel provocou já milhares de mortos e feridos sem culpas. É provável que esta guerra dure ainda bastante tempo e é possível que se alargue geograficamente. Não está fora de questão que outros países, Estados vizinhos ou distantes e outros movimentos políticos, incluindo milícias, mercenários e grupos terroristas intervenham e se envolvam no conflito. Dadas as circunstâncias da guerra e a configuração do meio geográfico, vai ser, ou já é elevadíssimo o número de mortos e feridos civis, de crianças sem protecção e de idosos indefesos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É provável que as consequências desta guerra sejam terríveis, durante anos, para vários povos e muitos países. Tudo leva a crer que os efeitos económicos, políticos e sociais sejam destruidores e que a paz naquela região e no mundo esteja ameaçada e periclitante. É possível prever consequências muito negativas e efeitos devastadores para as sociedades e as economias europeias, ocidentais e outras. Tudo o que se pode prever quanto a conflitos locais e regionais, graves perturbações económicas e aumento da pobreza e da desigualdade acontecerá. Mas será ainda pior do que se imagina hoje.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">U</span></b>ma coisa é já clara nos espíritos: tal como em todos os conflitos locais e regionais, entre os efeitos imediatos e desmesurados pode contar-se o exponencial aumento de refugiados e de migrantes. Como sempre e em todas crises políticas nacionais ou internacionais, sobretudo nas que envolvem violência e guerra, há refugiados, há milhares de famílias à procura de paz e de casa, dezenas de milhares de crianças sem nada nem sequer pais e mães. Também haverá, certo e seguro, às dezenas ou centenas de milhares, simples candidatos à emigração. Os países europeus e da América do Norte, assim como alguns asiáticos, já se ofereceram para ajudar. Portugal também o deveria fazer, seja isoladamente, seja, de preferência, no quadro do esforço europeu. Mas, espera-se, com uma intenção política clara: a de separar a questão da emigração do problema dos refugiados de guerra.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Portugal não tem influência neste conflito, nem força política suficiente para se envolver. As questões militares estão fora do nosso alcance e dos propósitos actuais do Estado português. Também não temos peso suficiente para uma qualquer intervenção de carácter económico. Sobra, evidentemente, a eventualidade do contributo humanitário, essa sim, possível. Os emigrantes, as vítimas, os feridos, os sem abrigo, as crianças sem escola, os idosos sem sítio e os refugiados serão aos milhares. Um dos mais felizes destinos para tantos será, novamente, o dos campos de refugiados (alguns parecidos com campos de concentração) espalhados pela região. Neste capítulo, Portugal pode contribuir com significado. Afastar os campos e acolher crianças desalojadas e sem família, idosos desamparados e doentes ou feridos, pode ser um contributo real e humanamente significativo para um mundo decente.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Portugal tem uma larga experiência nestes domínios demográficos e populacionais. Uma longa e vastíssima vida de emigração, mas também, recentemente, um conhecimento directo da imigração. Além de um violento drama de repatriamento de portugueses. Tratou-se, histórica e actualmente, de movimentos descontrolados, sempre ao sabor das ondas, sempre com experiências dolorosas e perigosas. Então como hoje, na emigração de portugueses ou na imigração de estrangeiros em Portugal, o descontrolo, o acaso, a ilegalidade e a exploração foram quase regras. Mas há agora memórias e conhecimentos para mudar de atitude, para tornar humanos estes movimentos demográficos, para ajudar uns e outros, emigrantes e imigrantes, a usufruir de uma vida decente. Sabemos já que o controlo dos movimentos e das deslocações pode contribuir de modo decisivo para manter a realidade dentro das possibilidades. Como sabemos que esse controlo, com apoio e acompanhamento, pode ser crucial para evitar a exploração e a marginalidade criadas pela ilegalidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Toda a Europa, além de outros países, está à beira de conhecer e de viver episódios perigosos de conflitos raciais, culturais, religiosos e políticos directamente ligados com as migrações descontroladas. Estas resultam de situações económicas e sociais conhecidas, de desastres de toda a espécie, mas também de guerras e conflitos. Intervir depois dos acidentes e dos incidentes é sempre negativo e perigoso, para não dizer inútil e ineficaz. Esta situação de guerra, tão perto de nós, pode ser uma oportunidade para mostrar que aprendemos com a história. Impõe-se uma acção solidária e humana, como também um esforço de controlo dos acontecimentos. Portugal tem o direito de escolher as populações que quer receber. Como faz actualmente com brasileiros e falantes de língua portuguesa. Pode fazê-lo também com crianças e vítimas da guerra. Palestinianos e judeus sobretudo.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 13.10.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-8630463084725621942023-10-07T09:00:00.003+01:002023-10-07T09:00:42.286+01:00Grande Angular - Datas, comemorações e liturgia<p> <b style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="font-size: 18pt;">E</span>m grande parte,</b><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"> </span><span style="color: #2b00fe; font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">e cada vez mais, as comemorações nacionais servem para enviar recados. Dos Presidentes da República, dos Primeiros-ministros, dos Presidentes de Câmara, dos chefes militares… De todos os que têm ou julgam ter qualquer coisa a dizer, alguém a quem atacar ou alguma coisa a criticar. A ideia de que comemorar a República deveria ser comemorar a República é muito pouco seguida. Os que comemoram pretendem endereçar flechadas a amigos e inimigos. Aliás, o número de oficiantes é cada vez maior, pois é uma maneira de marcar território. Também aumenta o número de oficiosos, perante a diminuição do público. Este último, diante do absoluto desinteresse dos procedimentos, é reduzido. Até fisicamente, na praça habitual, cresce a distância entre oficiais e público.</span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Comemorar a República, hoje, é totalmente destituído de significado. Aliás, a própria origem do fenómeno é já de si suspeita. É verdade que a Monarquia, em 1910, estava pelas ruas da amargura, a merecer substituição. Mas, assassinatos de chefes de Estado e de governo, guerras civis durantes anos, prisões arbitrárias e terror de Estado, desordem nas ruas, falência económica e financeira e instabilidade de regime não são propriamente razões para comemorar o que quer que seja. Se acrescentarmos a perseguição religiosa, a repressão dos sindicatos e a participação trágica e caricata de Portugal na 1ª Guerra mundial, teremos um quadro quase completo do que comemoramos hoje. Pobre país que necessita de tão medíocres e tão equívocos factos para se festejar! Louvar a República, durante a ditadura, poderia ter sentido. Hoje, é inútil e desajustado.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">É verdade que as liturgias nacionais são sempre assim. Convenções, vacuidade de pensamento e inutilidade da política levam a que se estabeleçam regras geralmente artificiais. Às vezes, como no caso do 10 de Junho, nem sequer há factos incontestados para comemorar: são meros acasos oportunistas. Outras vezes, são datas e factos razoavelmente travestis. Mesmo o derrube da ditadura, a 25 de Abril, ocorrência certa e segura, serve sobretudo para ajustar contas em público, mas com ar de cerimónia e boa educação. Outras datas, como a do 25 de Novembro, são vergonhosamente apagadas, pois não servem os intuitos inconfessáveis dos poderosos do dia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">O 5 de Outubro serve para alguns titulares de cargos oficiais e de partidos distribuírem punhaladas e indirectas. Mesmo se, como raramente acontece, com qualidade literária, os discursos do 5 de Outubro são perfeitamente inúteis. Até quando têm sentido da oportunidade, as proclamações do 5 de Outubro morrem no dia seguinte.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">A</span></b>pesar de tudo o que se diz, mau grado boas intenções e não obstante a virtude de alguns discursos, a verdade é que o 25 de Abril é cada vez mais a data de arremesso da esquerda contra a direita, enquanto o 25 de Novembro é o ricochete da direita contra a esquerda. O que os socialistas estão fazendo é inaceitável. Eles querem separar o que sabem ser contínuo: o 25 de Abril iniciou, o 25 de Novembro salvou e as eleições fundaram. É pena que assim seja, pois são todas boas datas. Já os nefastos 28 de Maio, 28 de Setembro e 11 de Março, apesar de haver quem as queira recordar, morrem devagar na sarjeta da história. O 1 de Dezembro já não existe, a não ser para nostálgicos de outras gestas. O 1 de Maio é um dia de férias, não um feriado. O 11 de Novembro, que já foi data, é um esquecimento. Sobram as datas religiosas e similares que, essas sim, pelas romarias, ainda têm clientes e seguidores. As festas do Senhor dos Passos, da Senhora da Agonia e do Avante têm mais apelo e carisma do que qualquer data nacional, oficial ou patriótica.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Por mais pesados que sejam os discursos, não é possível deixar de pensar na sua inutilidade. E no facto de serem vícios de liturgia e oportunidade. Até as candidaturas aos partidos e a futuras eleições são tema e pretexto. Comentadores e jornalistas estão à espera de uma só coisa: dos recados, das indirectas e das mensagens cifradas. Ouviu-se o Presidente da República, mas pensava-se no Primeiro-ministro. Escutava-se o Presidente da Câmara, mas a presença era a do líder do PSD. Ouviram-se todos, a pensar no partido Chega.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Comemorar é hoje fazer discursos! O mais penoso, nestas cerimónias, são os lugares-comuns. São em menor quantidade no 5 de Outubro, só há dois oradores. Mas a sua densidade é mesmo assim elevada. Os “clichés” mais habituais repetem o “mantra” mais famoso: não podemos esquecer os jovens. Outros divagam sobre as necessidades de fazer pedagogia: ensinar a democracia nas escolas e explicar a toda a gente, sobretudo os mais jovens, os feitos da democracia e a bondade da República! No dia em que os virtuosos republicanos tenham ensinado a democracia aos jovens e tenham publicado manuais sobre a democracia, nesse dia, final e felizmente, a democracia vencerá! Este último 5 de Outubro, um pouco mais denso e de mais recorte literário do que habitualmente, não escapou à tradição. Com mais condimentos: os próprios oradores desvalorizaram o poder da palavra, sugerindo que era a acção que podia salvar a democracia. Avisaram contra os perigos e garantiram que a democracia corria perigos. E alertaram para os riscos do atraso de reformas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Estas longas listas de lugares-comuns, de frases repetidas sem pensar e de fórmulas de retórica vazia são um inimigo mortal da inteligência, é evidente, mas também da liberdade. Uma das maneiras de destruir a democracia consiste em alimentá-la de lugares-comuns. Ou em deixar que os rituais percam razão e sentido, deixem de ser úteis ao equilíbrio das sociedades e da vida em comum.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há rituais necessários. Como os que servem propósitos e fazem com que se respeitem regras. A democracia é isso mesmo: uma convenção que se deve respeitar. Desde que não seja destituída de razão, uma liturgia serve objectivos. Entre outros, o de recordar a origem das normas e dos valores. Ou então, tornar comuns certos hábitos. A força dos rituais é tal que, por vezes, nem é necessário recorrer à lei. Há costumes que se impõem por si, porque são úteis e porque ajudam na vida colectiva. Recordar ou comemorar pode ter essa intenção: a de dar uma vida e um presente. Mas é muito fácil perder de vista a origem e a função das regras. Quando os rituais não são mais do que isso mesmo, só rituais, algo está errado. É, sobretudo a perda de sentido. Esse é o grande perigo: a vacuidade da política.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><i>Público, 6.10.2023</i></p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-267863663911790384.post-47290080546174557862023-09-30T10:26:00.001+01:002023-09-30T10:26:22.921+01:00Grande Angular - A Europa em perigo<p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">N</span>ão é a luta de classes</b> que ameaça a Europa e a paz. Nem o espectro do comunismo, reduzido agora à ínfima espécie. Pode ser que a globalização acelere a decadência europeia. Mas é sobretudo, uma vez mais, como quase sempre na história, a questão nacional que ameaça. As nações, os Estados nacionais e as ambições dominadoras manifestam-se e não se encontram respostas neste formidável arranjo que é o da União. Talvez seja a mais sólida aliança política pacifica da história recente, mas hoje revela-se frágil e insegura. Incapaz de progresso federal, aliás arriscado. Mas também inapta para resolver as perenes questões nacionais. Sem ultrapassar esta velha certeza: a de que a democracia é de pertença ou nacional.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Do Brexit à Catalunha, da Irlanda à Escócia, da Padânia à Polónia e da Península Balcânica ao Mar Negro, sucedem-se os sinais alarmantes de conflitos inevitáveis. Ou antes, dificilmente reparáveis. Agora, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, com os conflitos na Arménia e no Azerbaijão, com as candidaturas de mais nove países à União, com as dificuldades húngaras e polacas e com as vagas descontroladas de emigrantes africanos e asiáticos, a Europa conhece um período de vulnerabilidade como já não se sentia há muitas décadas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Há uma espécie de regresso do nacionalismo que cria a intranquilidade. Todas as pulsões antidemocráticas e antieuropeias procuram no populismo nacionalista a sua energia. Com uma razão certa: a Europa e a sua União não têm sabido conciliar o espírito federal com a tradição nacional. As votações tão significativas das correntes nacionalistas em França, em Espanha, na Itália e na Alemanha, por exemplo, além da Hungria e da Polónia, são sinais de que o nacionalismo está em ascensão. As manifestações de crise das democracias e do sistema europeu têm sido tonificantes para a direita nacionalista. Nos programas de muitos partidos, é o nacionalismo o motor retórico, não a antidemocracia.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Desde os anos cinquenta que, por duas ou três vezes, os europeus conseguiram o que sempre pareceu impossível: conciliar, com paz e democracia, aspirações federais com tradições nacionais. Nem sempre foi fácil, várias vezes a Europa (o Mercado comum, a CEE, a CE, a UE…) esteve à beira do colapso. Mas talvez nunca, como agora, os perigos fossem tão grandes, as ameaças tão letais e os inimigos tão importantes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Os dirigentes europeus têm o hábito de desvalorizar os problemas. É o que eles entendem por acalmar os espíritos. Mas esta maneira olímpica de considerar que graves são os problemas a longo prazo, como as alterações climáticas, para os quais tudo é urgente e nada imediato, pode levar facilmente ao desastre. No Brexit, em Barcelona, em Lampedusa, em Marselha e em Kiev está de facto a jogar-se tudo. É nestes sítios que a Europa morre devagar. É nestes locais que renasce o nacionalismo na sua vil espécie. Pior mesmo só o nacionalismo imperialista de Moscovo, que também é uma ameaça contra a Europa.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Com as más recordações da história e com a justificada repulsa do nacionalismo, os dirigentes europeus não conseguem encontrar o seu caminho. A resposta não é “mais burocracia europeia”, “mais fundos de coesão”, “mais indemnizações e subsídios” … Já se percebeu que esses argumentos, válidos durante décadas, não valem o que valiam. Parece evidente que só respostas que preservem o espírito nacional e as tradições culturais, em combinação com a ideia europeia, terão o condão de interessar aos eleitorados descrentes.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;"><b><span style="font-size: 18pt;">F</span></b>az parte da ortodoxia considerar que o patriotismo é bom e o nacionalismo mau. O primeiro significaria amor à pátria e à comunidade, assim como solidariedade para com os seus iguais. Enquanto o nacionalismo, tendo o mesmo ponto de partida, a nação, significaria o sentimento de superioridade de uma comunidade de cultura e etnia, com exclusão de outras. A nação, como tal e com esta designação, é recente, tem poucos séculos, serviu de base para a afirmação dos Estados modernos. Já a pátria, como sentimento de pertença, tem muitos séculos, talvez milénios. É muito fácil afirmar-se patriota e detestar o nacionalismo. Mas a verdade é que têm ambos a mesma fonte, a mesma etimologia e raízes afins.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A esquerda tem tendência a dizer-se patriota, mesmo quando é nacionalista. A direita prefere considerar-se nacionalista, mesmo quando não é patriota. Os russos em geral, e os comunistas em particular, sempre se disseram patriotas, até porque o seu Estado tem muitas nações submetidas. Mas o nacionalismo russo é uma das grandes ameaças contra a paz na Europa. Os nazis, pouco interessados em compor com outras nações, consideravam-se nacionalistas, sem remorsos e com orgulho. Cultivavam o espírito conquistador, como os russos sempre fizeram. Os revolucionários franceses foram nacionalistas e patriotas sem escrúpulos nem hesitação. Portugueses, espanhóis ou italianos oscilaram, ao longos dos tempos, entre o nacionalismo e a patriotismo. Já os ingleses foram sempre as duas coisas, além de imperialistas.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Como é evidente, não há um patriotismo europeu. Muito menos nacionalismo. Pode haver, é certo que há, um orgulho europeu, que a União tem sabido cultivar, com cautela e sabedoria. Mas sem grandes resultados. Na verdade, o patriotismo de cada nação europeia é mais forte. Em tempos de crise, como actualmente, a situação é ainda mais dedicada: na verdade, os argumentos políticos contrários à ordem estabelecida socorrem-se do nacionalismo para se oporem. Aí se fundam várias espécies de populismo.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify;"><o:p><span style="color: #2b00fe;"> </span></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">A Europa da democracia e da liberdade e a Europa da grande cultura e dos direitos humanos só se defendem se conseguirem combinar os seus impulsos federalistas com os seus sentimentos nacionais. Só o alcançarão se souberem defender a nação, sem nacionalismo. E se souberem proteger a sua cultura sem xenofobia. E se perceberem que ter pátria é melhor do que ser apátrida.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;"><span style="color: #2b00fe;">Que existe de comum entre a guerra da Ucrânia, a crise económica internacional e o desastre migratório do Mediterrâneo? Aparentemente, nada. Na verdade, muito. A Europa está a perder, vive cada vez mais dependente, nas últimas décadas, da força americana, da indústria chinesa, da energia russa, da mão de obra asiática e africana, dos produtos alimentares e das matérias primas de todo o mundo. Parece que a Europa encontra satisfação na sua vocação de parque temático e de atracção turística. A sua força é o seu passado. Não o seu futuro.</span><o:p></o:p></p><p class="MsoNormal" style="font-family: Calibri, sans-serif; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">.<o:p></o:p></p><p><i style="font-family: Calibri, sans-serif; text-align: justify;">Público, 30.9.2023</i> </p>António Barretohttp://www.blogger.com/profile/18382026217475604915noreply@blogger.com1