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AO DENUNCIAR A CNA E A CAP, o ministro Jaime Silva usou os lugares comuns habituais: acusou-as de defender interesses político-partidários! Uma de extrema-esquerda, outra conservadora. Para um ministro de um governo partidário, não é mau. Depois de levar uns açoites, corrigiu: referia-se aos dirigentes, não às associações. A diferença é, como se vê, radical. A CAP suspendeu a sua presença no conselho de concertação. O Primeiro-ministro acudiu e tomou conta das negociações a fim de conseguir assinar o acordo. Sócrates fez bem, o ministro merecia, aliás há muito tempo, o despedimento. Sócrates fez mal e deu um sinal do que poderá ser no futuro: quem se zangar com os ministros, tem como recompensa uma graduação.
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Jaime Silva é um daqueles ministros que não são políticos; um daqueles políticos de um governo socialista que não são socialistas e que não cumprem um programa partidário, mas sim um programa nacional, sem preferências políticas, sem doutrina, só para bem do país. Ainda há criaturas assim. Julga-se impoluto e pensa que os outros são parvos. Este ministro tem brilhado pela sua dedicação a Bruxelas e às políticas europeias. Vindo de lá, para lá deve voltar, um dia, com a satisfação do dever cumprido. Sabe tanto da política comum que se transformou numa espécie de embaixador da União. O que quer dizer, literalmente, um carrasco da agricultura portuguesa, assim como das pescas e da floresta. Tem motivado a ira crescente dos agricultores e dos pescadores, a quem responde com discursos processuais e incompreensíveis. Paga mal e pouco, atrasa-se e não tem orientações que não sejam as directivas europeias. É mais um na linha de executantes da política comum e que, metodicamente, vem desmantelando grande parte da agricultura, das pescas e da floresta. Faz bem em financiar as grandes empresas agrícolas, as que têm tecnologia, competência e dimensão. Faz muito mal em não olhar pelas centenas de milhares de explorações, de lavradores e suas associações e cooperativas que não têm acesso à técnica e à qualificação. Em vez de pensar que muitos destes poderiam ser formados e preparados para aproveitar os recursos, este ministro, assim como os que o antecederam, prefere arranjar uma maneira doce de os matar, de os retirar da actividade e de abandonar terras, mares, recursos e pessoas. Jaime Silva tem vindo a liquidar as hipóteses de aparecimento de novas gerações de agricultores e pescadores, mais jovens, com formação, melhores qualificações e uma visão empresarial da sua actividade.
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Desde os anos setenta, após o pedido de adesão à Comunidade Europeia, quase todos os governos concordaram em meia dúzia de linhas gerais. Era necessário obter a maior quantidade possível de fundos e ajudas. Era urgente gastar depressa esses subsídios. Como não havia fundos que chegassem, foi preciso escolher. As comunicações, especialmente as auto-estradas, as infra-estruturas em geral, a energia, certos equipamentos colectivos e alguma indústria mereceram o privilégio. Depois vieram certos sectores menos evidentes, a formação profissional (que esteve na origem de tanto desperdício!), a educação, o turismo e a cultura. Assim como os dois grandes “pacotes”, o aeroporto e o TGV. Com o andar do tempo, os apoios europeus foram-se multiplicando e diversificando, sendo cada vez mais claro que o importante era dar a muita gente e que os critérios de utilidade a prazo não eram os principais. Neste quadro, há muito tempo que se percebeu que houve uma troca: a agricultura, a floresta e as pescas pelas auto-estradas e as infra-estruturas. Este era o interesse da União Europeia e dos grandes países parceiros, não o de Portugal.
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É certo que, para a agricultura, vieram muitos milhões. A aplicação dos dispositivos da política comum dava esse resultado. Alguns desses recursos foram bem utilizados por grandes empresas modernas. Muitos foram mal utilizados, apenas com perspectiva de curto prazo, colheita após colheita, de modo errático. Mais ainda serviram para retirar pessoas da actividade agrícola e piscatória: abater barcos, fechar empresas e liquidar explorações. Percebe-se a tentação política. A União Europeia não queria mais produção agrícola, nem florestas, muito menos pesca. Os dirigentes portugueses queriam dinheiro rápido, resultados visíveis e “modernização palpável”. E ficavam perplexos perante a imensa tarefa que representava a mudança da agricultura, da floresta e das pescas, com estruturas obsoletas e populações desqualificadas e idosas distribuídas por centenas de milhares de pequenas e muito pequenas parcelas, explorações e empresas. Estas políticas conduziram ao que temos hoje: uma agricultura impotente, umas pescas insuficientes e em deterioração e uma floresta desordenada e pouco produtiva.
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Importamos a maior parte do que consumimos. Mesmo em certos casos (leite, por exemplo) em que parece termos chegado à auto-suficiência, a verdade é que tal não corresponde à realidade. Com efeito, as nossas produções de carnes, ovos e leites dependem de uma colossal importação de cereais e rações. Hoje, a nossa “balança alimentar” é gravemente deficitária. Daí não viria mal ao mundo, se tivéssemos produtos industriais e serviços para pagar as importações. Mas a verdade é que nos faltam esses produtos que permitiriam equilibrar a balança.
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Temos uma área marítima de fazer inveja. Está globalmente subaproveitada, qualquer que seja o ponto de vista: ecológico, económico, científico, energético, de navegação ou turismo. Sem falar nos portos e na construção naval. Portugal tem uma superfície florestal interessante. Tem a maior área do mundo de montado e é o maior produtor de cortiça, mas não se conhece um esforço proporcional dedicado à investigação e ao melhoramento do sobreiro, da azinheira e do sistema de montado. O mesmo pode ser dito do pinheiro, da oliveira e de outras espécies. Portugal não tem clima para a agricultura tradicional, nem para a agricultura europeia. Mas as condições naturais são favoráveis a certos tipos de cultivo, como sejam a floresta, as culturas arbustivas, as plantações permanentes (a vinha, por exemplo), certas pastagens, os prados sob montado e outras espécies, nomeadamente as que podem beneficiar dos Invernos amenos e das Primaveras temporãs. A hortofruticultura tem também, em certos casos, excelentes condições. Nestas áreas, assim como nas do regadio, da correcção de solos, da vinha, da vinificação, da investigação científica, da formação profissional e do processamento industrial, há espaço e necessidade para investimentos colossais, a longo prazo e muito produtivos, sem danificar o ambiente. O ministro Jaime Silva pensa que não. E outros antes dele. Coitados: limitam-se a dizer o que lhes mandam dizer. Em Bruxelas, por causa da política comum. Em Lisboa, por causa das estradas.
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Jaime Silva é um daqueles ministros que não são políticos; um daqueles políticos de um governo socialista que não são socialistas e que não cumprem um programa partidário, mas sim um programa nacional, sem preferências políticas, sem doutrina, só para bem do país. Ainda há criaturas assim. Julga-se impoluto e pensa que os outros são parvos. Este ministro tem brilhado pela sua dedicação a Bruxelas e às políticas europeias. Vindo de lá, para lá deve voltar, um dia, com a satisfação do dever cumprido. Sabe tanto da política comum que se transformou numa espécie de embaixador da União. O que quer dizer, literalmente, um carrasco da agricultura portuguesa, assim como das pescas e da floresta. Tem motivado a ira crescente dos agricultores e dos pescadores, a quem responde com discursos processuais e incompreensíveis. Paga mal e pouco, atrasa-se e não tem orientações que não sejam as directivas europeias. É mais um na linha de executantes da política comum e que, metodicamente, vem desmantelando grande parte da agricultura, das pescas e da floresta. Faz bem em financiar as grandes empresas agrícolas, as que têm tecnologia, competência e dimensão. Faz muito mal em não olhar pelas centenas de milhares de explorações, de lavradores e suas associações e cooperativas que não têm acesso à técnica e à qualificação. Em vez de pensar que muitos destes poderiam ser formados e preparados para aproveitar os recursos, este ministro, assim como os que o antecederam, prefere arranjar uma maneira doce de os matar, de os retirar da actividade e de abandonar terras, mares, recursos e pessoas. Jaime Silva tem vindo a liquidar as hipóteses de aparecimento de novas gerações de agricultores e pescadores, mais jovens, com formação, melhores qualificações e uma visão empresarial da sua actividade.
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Desde os anos setenta, após o pedido de adesão à Comunidade Europeia, quase todos os governos concordaram em meia dúzia de linhas gerais. Era necessário obter a maior quantidade possível de fundos e ajudas. Era urgente gastar depressa esses subsídios. Como não havia fundos que chegassem, foi preciso escolher. As comunicações, especialmente as auto-estradas, as infra-estruturas em geral, a energia, certos equipamentos colectivos e alguma indústria mereceram o privilégio. Depois vieram certos sectores menos evidentes, a formação profissional (que esteve na origem de tanto desperdício!), a educação, o turismo e a cultura. Assim como os dois grandes “pacotes”, o aeroporto e o TGV. Com o andar do tempo, os apoios europeus foram-se multiplicando e diversificando, sendo cada vez mais claro que o importante era dar a muita gente e que os critérios de utilidade a prazo não eram os principais. Neste quadro, há muito tempo que se percebeu que houve uma troca: a agricultura, a floresta e as pescas pelas auto-estradas e as infra-estruturas. Este era o interesse da União Europeia e dos grandes países parceiros, não o de Portugal.
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É certo que, para a agricultura, vieram muitos milhões. A aplicação dos dispositivos da política comum dava esse resultado. Alguns desses recursos foram bem utilizados por grandes empresas modernas. Muitos foram mal utilizados, apenas com perspectiva de curto prazo, colheita após colheita, de modo errático. Mais ainda serviram para retirar pessoas da actividade agrícola e piscatória: abater barcos, fechar empresas e liquidar explorações. Percebe-se a tentação política. A União Europeia não queria mais produção agrícola, nem florestas, muito menos pesca. Os dirigentes portugueses queriam dinheiro rápido, resultados visíveis e “modernização palpável”. E ficavam perplexos perante a imensa tarefa que representava a mudança da agricultura, da floresta e das pescas, com estruturas obsoletas e populações desqualificadas e idosas distribuídas por centenas de milhares de pequenas e muito pequenas parcelas, explorações e empresas. Estas políticas conduziram ao que temos hoje: uma agricultura impotente, umas pescas insuficientes e em deterioração e uma floresta desordenada e pouco produtiva.
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Importamos a maior parte do que consumimos. Mesmo em certos casos (leite, por exemplo) em que parece termos chegado à auto-suficiência, a verdade é que tal não corresponde à realidade. Com efeito, as nossas produções de carnes, ovos e leites dependem de uma colossal importação de cereais e rações. Hoje, a nossa “balança alimentar” é gravemente deficitária. Daí não viria mal ao mundo, se tivéssemos produtos industriais e serviços para pagar as importações. Mas a verdade é que nos faltam esses produtos que permitiriam equilibrar a balança.
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Temos uma área marítima de fazer inveja. Está globalmente subaproveitada, qualquer que seja o ponto de vista: ecológico, económico, científico, energético, de navegação ou turismo. Sem falar nos portos e na construção naval. Portugal tem uma superfície florestal interessante. Tem a maior área do mundo de montado e é o maior produtor de cortiça, mas não se conhece um esforço proporcional dedicado à investigação e ao melhoramento do sobreiro, da azinheira e do sistema de montado. O mesmo pode ser dito do pinheiro, da oliveira e de outras espécies. Portugal não tem clima para a agricultura tradicional, nem para a agricultura europeia. Mas as condições naturais são favoráveis a certos tipos de cultivo, como sejam a floresta, as culturas arbustivas, as plantações permanentes (a vinha, por exemplo), certas pastagens, os prados sob montado e outras espécies, nomeadamente as que podem beneficiar dos Invernos amenos e das Primaveras temporãs. A hortofruticultura tem também, em certos casos, excelentes condições. Nestas áreas, assim como nas do regadio, da correcção de solos, da vinha, da vinificação, da investigação científica, da formação profissional e do processamento industrial, há espaço e necessidade para investimentos colossais, a longo prazo e muito produtivos, sem danificar o ambiente. O ministro Jaime Silva pensa que não. E outros antes dele. Coitados: limitam-se a dizer o que lhes mandam dizer. Em Bruxelas, por causa da política comum. Em Lisboa, por causa das estradas.
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«Retrato da Semana» - «Público» de 29 de Junho de 2008
Esta coluna interrompe agora por algumas semanas.