O Liceu Alexandre Herculano (há
uns anos mudou para Escola Secundária e agora é também Agrupamento) tem um
século de vida. Mais ou menos, conforme se façam as contas. Em 1908, ainda sob
a monarquia, o Liceu Central da Zona Oriental do Porto mudou de nome e passou a
ser Alexandre Herculano. A construção do novo liceu iniciou-se em 1916, com a
primeira pedra colocada pelo Presidente da República Bernardino Machado. O “Lyceu”
foi inaugurado em 1921. O edifício está classificado. Tem hoje cerca de 900
alunos que frequentam o ensino do 7º ao 12º anos. Tal como mais uns tantos por
todo o país, há vinte anos que necessita de obras. Há dez que precisa de obras
urgentes. Há seis, esteve na lista das obras da Parque Escolar. Há cinco, saiu
dessa lista por decisão política, falta de verba e dúvidas sobre o programa. Há
um ano, a crise instalou-se definitivamente, começando a ser perigoso
frequentar certas partes do edifício em períodos de mau tempo. Há uma semana
que a chuva se abateu sobre a região e a cidade. Há cinco dias que chove lá
dentro. Há dois dias, os responsáveis fecharam o Liceu. Ao que parece, depois
das altercações habituais, 300 alunos vão ser “distribuídos” ou “transferidos”,
enquanto os restantes 600 poderão retomar aulas para a semana, se as salas
estiverem em condições. O Governo promete obras até 2020. A Câmara do Porto
ofereceu-se para pagar uma parte das obras, mas o Governo quer mais. O assunto
teve honra de “debate parlamentar”.
Esta podia ser mais uma história
exemplar, um conto moral sobre os costumes e a política portuguesa. Mais
importante do que a escola, os estudantes, as famílias, os professores e a
decência das instituições, mais importante do que isso tudo é a atribuição de culpas
e a oportunidade de acusação. O anterior governo foi culpado por não ter feito
a obra. O governo antes do anterior tinha sido culpado por ter deixado as
condições deteriorarem-se, por ter adiado, por não ter feito as obras. O
governo que precedeu o antes do anterior tinha sido culpado por não ter
reparado e por ter deixado apodrecer as infra-estruturas. O último governo foi
culpado por não ter feito o que devia ter feito durante quatro anos. O actual
governo, que o é há mais de um ano, é culpado por não ter já acorrido ao
problema.
A elevação moral da discussão e a
qualidade intelectual da polémica ficaram evidentes no debate parlamentar desta
semana. Poder-se-ia discutir o modelo de administração das construções
escolares, a começar pelas funções do governo central e das autarquias. Ou a
capacidade de investimento público. Ou o modo de acorrer à manutenção do parque
escolar. Mas não. Discutiu-se a culpa, insultaram-se quanto possível, mentiram
quanto imaginável. Governo e grupos parlamentares mostraram a sua crispação com
graçolas de gosto duvidoso e acusações destemperadas sem qualquer interesse,
nem político nem prático. O que realmente preocupa suas excelências é a
capacidade de atribuir culpas. Reais ou fictícias, é indiferente. O objectivo
do debate é o de mostrar para a televisão que os “outros” são mentirosos e
imbecis. A intenção é a de mostrar aos fiéis quem ganha o debate, quem insulta
mais, quem berra melhor, quem sabe mais truques…
Quem pensa que a crispação está a diminuir e
que o ambiente está a ficar sereno deveria ver os debates parlamentares. E suas
excelências, deputados e governantes, deveriam também ver, em cafés, a maneira
como a assistência olha, comenta e muda de canal. Se julgam que todos torcem
pelos seus deputados e pelo seu partido com o frenesim de quem veste a
camisola, estão muito, mas mesmo muito enganados. Estes debates parlamentares,
feitos para “aprofundar a democracia”, “garantir a transparência” e “aproximar
a política dos cidadãos”, estão a ter o efeito exactamente oposto.
Em certos dias ganham uns.
Noutros dias ganham os outros. Mas, todos os dias, perdemos nós.
DN, 29 de Janeiro de
2017