O fantasma do Bloco Central atemoriza a política. Aterroriza grande parte de eleitores. E faz tremer todos os partidos políticos. Os pequenos, em geral, porque assim seriam excluídos. Os pequenos de esquerda, em particular, porque seriam afastados da frente unida. Os pequenos de direita, do mesmo modo, porque não haveria aliança nacional. O PS e o PSD, pela simples razão de que aspiram a ser maioritários e ficar sozinhos.
Por outro lado, divulgada pelos partidos e pela comunicação social, há a má reputação do Bloco Central (e, acessoriamente, das coligações de governo). Isto é, o Bloco Central é alfobre de defeitos. Em primeiro lugar, o nepotismo e a corrupção. Coligados, os dois principais partidos dividem entre si lugares e distribuem-se alvarás e autorizações. Rateiam projectos entre os seus simpatizantes. Recompensam os financiadores dos respectivos partidos. E adjudicam, com generosa mão, os autores dos grandes projectos europeus. Segundo dizem os seus detractores, haverá, a dois, mais corrupção, do que com um partido sozinho. Juntos, serão cúmplices, dizem. Nenhum fica fora para denunciar. Ambos estão dentro para partilhar. Não se percebe muito bem esta hipótese de dois serem mais corruptos do que um. Na verdade, dois podem vigiar-se, enquanto um só não se sente sequer moderado nas suas tentações.
Por outro lado, o Bloco Central destruiria a capacidade democrática de afrontamento de ideias, de acordo com as doutrinas e as raízes sociais de cada partido. Com este apagamento da diferença, perde-se uma das mais importantes riquezas da democracia que é justamente a diversidade e a diferença. Isto seria verdade se uma coligação não fosse temporária e se não respeitasse o que cada partido pensa e pretende. Uma coligação é um compromisso, não é uma conversão.
Outro argumento, entre os mais importantes, é o do espaço deixado livre para o crescimento dos extremos, designadamente da extrema-direita. Um Bloco Central descaracteriza, em simultâneo, a esquerda e a direita moderadas, permitindo que as extremas cresçam. Na actualidade, este é, sem dúvida, o argumento mais frequente. Se o PS e o PSD voltassem a criar um Bloco Central, de imediato o Bloco de Esquerda, o Livre e o PCP ocupariam toda a esquerda. E, do outro lado, o Chega teria assim espaço e oportunidade para crescer e ameaçar a democracia moderada. Com o Bloco Central, dizem, o fascismo e os populismos estariam mais próximos.
Este argumento é o mais fantasmagórico de todos. Não resiste a qualquer demonstração. Se esse governo for bom, governar bem e incluir ministros competentes e sérios, não se vê por que diabo a extrema-direita iria crescer. Se tal governo não for corrupto, for ao mesmo tempo determinado e democrático e saiba ouvir as populações e sentir as suas necessidades, não há espaço para extremos, para partidos radicais nem para partidos populistas. Se, pelo contrário, for corrupto, não souber governar, não ouça a população, favoreça minorias, proteja os favorecidos e não seja justo, então sim, há razões para despedir esse governo de coligação ou de Bloco Central. Na verdade, o que precede aplica-se a qualquer governo de minoria ou maioria, com ou sem coligação.
Todo o sistema político português foi concebido em obediência a vários princípios, o que é natural, mas também a uma espécie de fobia da representatividade e de governos de maioria parlamentar, com ou sem coligação. Tudo parece ter sido feito, nos costumes, nas leis eleitorais e nas regras constitucionais, para promover os governos de minoria. Por exemplo, os governos e os respectivos programas não têm de ser obrigatoriamente aprovados pelo Parlamento. Os governos minoritários parecem protegidos e os maioritários temidos. Aprovar planos e orçamentos sem maioria efectiva, mas com faltas de deputados ou simplesmente abstenções, é outro dos truques inventados para facilitar a vida das minorias, para tornar desnecessárias as negociações a sério, para arredar a necessidade de governos de maioria e programa. Votar moções de censura e de confiança por reflexo condicionado, aprovar programas de governo por determinação partidária e nada ter a dizer sobre importantes nomeações e designações de altos funcionários são características do nosso Parlamento. A história das últimas moções de censura e de confiança, assim como da abortada criação de uma comissão de inquérito, é bem o testemunho das deficiências da nossa prática parlamentar. Diz-se que o nosso sistema foi inventado para defender a estabilidade e a governabilidade. Possível. A verdade é que faz exactamente o contrário: promove a instabilidade.
Mais do que um Bloco Central, o que, muitas vezes, parece útil e necessário é uma maioria parlamentar e um governo de coligação. Isto é, um governo de maioria e com voto positivo favorável. O resto são “arranjinhos” sem significado e que denotam logo oportunismo e segundas intenções. São de desconfiar todos os arranjos para evitar os acordos, as regras transparentes e as intenções claras.
As coligações são, por definição, temporárias. São de curta duração, uma legislatura, por exemplo. Durante períodos de necessidade, uma coligação, ou um Bloco Central, com programa e acordo, encontra compromissos para as questões de oposição e conflito, promovendo pelo contrário os temas de entendimento. As coligações são geralmente soluções de necessidade e de duração limitada, dependem dos problemas, dos protagonistas e da conjuntura.
As coligações têm ainda, podem ter, uma consequência importante, inestimável mesmo, para Portugal. Consiste na importância acrescida do Parlamento, da actividade parlamentar, da negociação e do debate. O que, em Portugal, não é de desprezar. Na verdade, há anos e décadas que o Parlamento perde importância, qualidade e competências. E não é só ou não é sobretudo por causa dos vencimentos dos deputados. É muito mais. Os deputados sentem e sabem que não têm poderes próprios. Não têm funções autónomas. Não são verdadeiramente eleitos pelos cidadãos, são designados pelos chefes do partido. Deles, pouco ou nada depende. Estão conscientes de que dependem do Governo e o Governo não depende deles.
Há regras tão simples que tanto podem ajudar a democracia! Aprovar positivamente um governo com a maioria dos deputados eleitos. Aprovar orçamentos da mesma maneira, sem os artifícios das abstenções. As próximas eleições vão provavelmente pôr à prova os partidos. É possível que a questão da coligação e do Bloco Central seja crucial. Esperemos.
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Público, 19.4.2025