Os movimentos Hamas, Hezbollah, Estado Islâmico ou Daesh, Hutis e outros grupos terroristas, assim como alguns Estados da região, seguramente o Irão e parte do Iémen, declaram expressamente que lutam pela liquidação do Estado de Israel e pela expulsão dos Judeus ou Israelitas da região. Nunca o esconderam. Nunca usaram subterfúgios ou metáforas. Por isso Israel tem todo o direito e dever de lutar pela sua vida e pela sobrevivência. Após as agressões de 7 de Outubro de 2023, Israel decidiu justamente retaliar. Tratava-se de punir os agressores, recuperar os reféns e sobretudo derrotar o Hamas. Ao fazê-lo, Israel decidiu também agredir apoiantes do Hamas, seja o Líbano e o Irão, seja o Iémen e a Síria, ou ainda o Hezbollah e outros terroristas. A ofensiva israelita atingiu dimensões e natureza totalmente desproporcionadas, configurando mesmo uma intenção deliberada para eliminar todas as expressões políticas dos palestinianos na região, em particular na Cisjordânia e em Gaza. As cidades arrasadas e mais de 50.000 palestinianos mortos configuram um massacre de população absolutamente inaceitável que nem sequer o argumento de sobrevivência de Israel justifica. Outros meios e outras acções haveria para atingir os mesmos fins. É verdade que o Hamas e outros movimentos utilizam deliberadamente os civis, as mulheres, as crianças, os idosos, os doentes, os hospitais, as escolas e outras realidades civis para se defender, como aliás diziam Ho Chi Min e Mao Tsé-Tung ao insistir que os guerrilheiros deveriam misturar-se e viver com o povo “como peixes dentro de água”. As vítimas inocentes servem para forjar argumentos publicitários e demagógicos. Mesmo sabendo isso, a estratégia israelita de devastação é política e moralmente condenável. Israel acaba por merecer tanto apoio e solidariedade, quanto censura e condenação.
Que tem o governo português a dizer sobre isto tudo? Que têm os principais partidos políticos, candidatos a formar governo, a declarar? Seguir o que diz parte da União Europeia? Imitar países europeus que se calam? Tomar posição própria e autónoma? É verdade que Portugal não tem interesses na região, nem populações envolvidas de perto ou de longe. Mas poderá ter suficientes argumentos políticos, morais e humanitários para tomar posição, afirmar os seus valores e defender os seus pontos de vista autónomos. A campanha eleitoral que terminou ontem em nada ajudou a contrariar esta absurda situação. Portugal faz parte de uma civilização e de instituições internacionais de modo que adquire deveres e valores que deve respeitar. O silêncio e a abstenção não são opções.
Algures na Europa oriental, um país independente e consagrado pelas instituições internacionais e pela ordem política estabelecida, a Ucrânia, foi agredido e invadido, estando a ser, há mais de três anos, verdadeiramente massacrado por um país muito maior, mais forte e poderoso, a Rússia, ao arrepio de todas as regras internacionais políticas e jurídicas. Portugal, pela voz dos seus últimos governos, tomou partido pelo país ofendido, juntando-se aos europeus que apoiaram e ajudaram a Ucrânia no seu esforço de defesa. Passados três anos e mais de 400.000 mortos e feridos, continua a guerra naquela parte da Europa e há sinais fortes de enfraquecimento da Ucrânia. A Rússia recebe apoio, cumplicidade ou silêncio cordial de algumas dezenas de países do mundo, em especial de um grande número de ditaduras. A Europa e a sua União, assim como o mundo ocidental e os Estados Unidos, começam a dar sinais de desconforto perante esta guerra injusta e agressiva que ameaça o futuro da Europa e da democracia. Surgem dúvidas quanto aos caminhos para a paz e quanto às condições políticas para o futuro daqueles dois países e de toda a região. Portugal, através dos seus dois últimos governos, alinhou simplesmente no apoio que a Europa ofereceu. Evitou qualquer debate sério. Absteve-se de tomar iniciativas, se é que as podia levar a cabo. Verdade é que, mesmo sem ter originalidade ou interesses próprios, Portugal deveria estar mais informado, a opinião pública mais sensibilizada e a população mais conhecedora. Os partidos políticos mais importantes deveriam trazer este tema, que afinal é do da paz e da liberdade na Europa, ao espaço público e à possibilidade de participação da população. Não o fizeram, na convicção de que não ganhariam votos e de que os portugueses não se interessam. É pena.
Estes temas internacionais, ausentes da campanha eleitoral, sugerem outra questão igualmente afastada de compromissos dos principais partidos e do esclarecimento dos cidadãos: é a da defesa nacional, da despesa pública e dos investimentos militares e de segurança, do equipamento das forças armadas, do serviço militar, do recrutamento e do envolvimento da população no esforço de defesa nacional e comum europeu. Há uma espécie de covardia generalizada. Os principais partidos políticos não querem gastar dinheiro, ou pelo menos não querem dizer que têm de gastar recursos. Não aceitam publicamente que as novas realidades europeias e internacionais exijam um enorme esforço militar e de defesa, dado que a paz, a liberdade, a democracia e as independências nacionais estão em causa e são ameaçadas. Tentam calar responsabilidades e compromissos, pois entendem que a população é avessa à despesa com a defesa e adversária de qualquer alteração no serviço de recrutamento. Não encaram sequer a discussão sobre o serviço militar e cívico, pois calculam que tal lhes faça perder votos. Escondem planos e projectos de investimentos consideráveis, na renovação técnica e no desenvolvimento, pois sabem que tudo isso implica despesa e investimento. Com receio de eventuais reacções desfavoráveis, fazem os possíveis por esconder ou esquecer a necessidade de tomar decisões urgentes sobre a armada, os submarinos e a força aérea, cujas renovações são agora de extrema urgência e de muito significativas despesas. Os principais partidos políticos, candidatos a governar, fizeram tudo o que puderam para arredar este tema das consciências dos cidadãos. Não por pacifismo, mas por covardia. E por vontade clara de reservar para si, nos gabinetes e nos corredores do poder, o direito de se exprimir e de agir em consequência.
Sem grande esperança e com pouco optimismo, aqui ficam lembretes para discussões e debates perdidos, mas que poderão ao menos ser retomados com o novo governo e o novo parlamento. Mesmo sabendo que há animais que não aprendem.
Público, 17.5.2025
1 comentário:
Consumo e descanso são os temas da política que diz representar os ideais de Abril.
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