sábado, 28 de junho de 2025

Grande Angular - Depressa e mal

 Há políticos assim: consideram que o maior valor do governo é fazer, fazer depressa, decidir, decidir já, não se arrastar em discussões, estudos e preparação. “Nós fazemos”, “somos fazedores”, gostam de dizer. E comparam-se, não com quem prepara bem as decisões, mas com quem nada faz e se perde em conversas intermináveis. O que facilita, evidentemente. Comparar com quem faz pouco e mal tem o condão de encandear os pobres de espírito. Com esta tosca inspiração, o novo governo começou a fazer. Entre as primeiras decisões anunciadas, contam-se medidas relativas à defesa, à imigração e à nacionalidade ou naturalização. Preparadas a correr, mal elaboradas e preocupadas com a aparência. Destinadas a espantar a opinião, a incomodar o PS e a calar o Chega.

 

Para a defesa, são anunciados aumentos de despesa. Não se diz porquê, nem para quê, sobretudo agora que a guerra e a paz estão em causa. Diz-se simplesmente que se alcançarão os 3.5% do PIB daqui a pouco e 5% daqui a dez anos. Para já, são 2%, com um aumento de pouco mais de mil milhões de euros, promessa feita há anos e nunca cumprida. O destino é simples: “equipamento, recursos humanos e reforço de infra-estruturas”. Percebe-se imediatamente que nada estava preparado. E que estes grandes rótulos são deliberadamente vagos. E servem para tudo. Diz-se quanto se gasta, depois se verá em quê. Não se diz o que é prioritário. Nem o que é necessário para o país. Nem os sectores considerados estratégicos. Por exemplo, servem os aumentos para o mar (Armada, marinheiros, fuzileiros, submarinos, equipamento…), para a Força Aérea, para corpos especiais de intervenção multilateral ou para alargar o recrutamento? Destinam-se à componente nacional da defesa ou para o contributo internacional e atlântico? E mais dúvidas haverá.

 

Não será este o momento adequado a uma reflexão que actualize o Conceito estratégico nacional, assim como a obsoleta Lei de Programação Militar? A nova política americana, as fracturas dentro da NATO e da UE e as guerras no Próximo Oriente e na Ucrânia não são motivos suficientes para que os organismos e instituições dedicados à defesa nacional se empenhem em debater e redefinir, antes de fazer despesas? Parlamento (e seus principais partidos), Presidente da República, Conselho de Estado, Conselhos Superiores Militar e de Defesa, além de outras instituições, deveriam já estar mobilizados para debater, empenhados em chegar a conclusões sérias, que o tempo é curto, as necessidades grandes e a urgência muita. E as matérias politicamente sérias e complexas. Apesar de ser verdade, não basta dizer que é a NATO e os EUA que mandam.

 

O que se pretende gastar é tanto que justifica o tempo necessário para bem decidir. O orçamento é tão importante que exige convergência dos principais responsáveis e representantes. Portugal não tem dinheiro para tudo. Nem sequer tem muito dinheiro. Gastar um pouco em tudo significa que não tem prioridades nem conceito. Prometer gastar sem saber em quê é mostrar que não existe política nem objectivos. Prometer gastar na rotina, como dantes, equivale a ter a certeza de que não se quer aproveitar a oportunidade para rever o nosso esforço nacional. Por outras palavras, significa que o governo entende que as opções de defesa não são de política geral, não dizem respeito ao país, nem traduzem opções importantes para o nosso futuro. Parece que estas decisões têm um objectivo central: o novo governo quer agradar a alguns dos seus parceiros e à NATO, quer mostrar-se como bom aluno. Assim, transforma a defesa nacional num assunto de contabilidade e num negócio de esquina. A defesa nacional merece mais. O nosso país também.

 

Também a nacionalidade, a naturalização e a imigração foram objecto da iniciativa apressada do governo. Os motivos parecem evidentes: receio do Chega, previsão de comparações com Trump e a reunião da NATO. Também podemos pensar no reflexo pacóvio de tentar sensibilizar a população com temas “nacionais”, defesa e nacionalidade! Certo é que foram anunciadas regras novas para a legalização de imigrantes, a naturalização e o agrupamento de famílias. As propostas são muitas e variadas, umas conhecidas, outras inéditas. Umas sensatas, outras absurdas. Em certos casos, estão mesmo em causa a constitucionalidade, a justiça e a moral.

 

Uma nova regra em especial merece discussão: a perda de nacionalidade como castigo para certos crimes cometidos por naturalizados. Pensa-se no que Trump faz a muitos estrangeiros, designadamente Açorianos e Madeirenses. A questão merece discussão séria, juízo moral e jurídico, reflexão cultural e política. A nacionalidade não pode ser moeda de troca, não é aval de comércio ou licença de caça, não se pode dar e retirar conforme os comportamentos das pessoas. Admitem-se condições severas para a obtenção de autorização de residência e para a obtenção de nacionalidade. Usar a nacionalidade como castigo não é aceitável. 

 

Outros aspectos merecem reflexão. Usar critérios culturais para obtenção de autorizações de residência e nacionalidade é muito discutível. Uns, com licenciatura e doutoramento, currículo académico e científico e estrelato em futebol ou música, teriam aberta a via rápida, seriam desejados. Outros, simples trabalhadores, teriam a vida difícil, os prazos longos e as concessões incertas. Nesta área, teríamos ainda a novidade das provas de cultura, História de Portugal, democracia e cidadania. Seria exigido o conhecimento da língua, o que parece aceitável. Mas a cultura portuguesa? Provas de cultura e história? Podiam começar pelos portugueses. E também podiam perceber o que se faz aos portugueses, em iguais circunstâncias, no estrangeiro. Assim, o governo prepara-se para criar dois sistemas de legalização, de reagrupamento e de naturalização: um para as elites e outro para os indiferenciados. Isto é, dois sistemas de direitos. O que não é aceitável. Moral, jurídica e politicamente inaceitável.

 

Mas o pior deste procedimento é a pressa, a falta de preparação e a ausência de vontade de envolver uma boa parte da população, um grande número de instituições e vários partidos. A defesa e a nacionalidade são coisas sérias. Com elas não se brinca. Nem se faz política barata.

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Público, 28.6.2025

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