Por António Barreto
A questão demográfica ameaça a Europa. E a América. E outros continentes. Até a China, parece. Já conhecemos alguns temas centrais. O envelhecimento da população enfraquece as economias, destrói o vigor das sociedades, sobrecarrega os serviços sociais e de saúde e acelera o declínio dos países. A redução drástica da natalidade agrava o envelhecimento, faz da população um recurso raro, entristece as sociedades e torna impossível a actividade económica. A crescente proporção de idosos diminui a criatividade, aumenta o conservadorismo e confirma uma espécie de passividade das populações. Sem jovens e com velhos, as sociedades estão condenadas à decadência.
É verdade que o aumento da esperança de vida é um triunfo da humanidade, da Europa e de Portugal. Quem nasceu em 1940 podia esperar viver 50 anos. Isso mesmo, 50 anos. Hoje, essa esperança é de 82. Qualquer que seja o juízo feito sobre a qualidade ou os problemas da sociedade actual, basta este facto para se ter uma noção do progresso. Para isso, contribuíram a medicina, a água potável, a urbanização, os serviços de saúde e educação, o progresso na alimentação e outros factores. Só a assistência materna é responsável por uma parte muito importante deste progresso. Tal como a água potável e as vacinas.
Não se imagina que o envelhecimento seja pior para as populações. Mas é verdade que as suas consequências podem ser gravosas para todos. É infeliz que muitas sociedades não saibam ou não possam organizar-se para viver com tantos idosos. Os quais, bem vistas as coisas, são tão gente quanto os mais novos. Todavia, a maior parte dos países não sabe ou não gosta de viver com idosos. O que muitos pensam deles, mas nem sempre dizem, é tremendo, de uma crueldade sem par: fazem pouco, dão muito trabalho, estão sempre doentes, é precioso cuidar deles, custam caro e são rabugentos. Já pouco dão e muito pedem.
Retomemos o raciocínio. Sociedades envelhecidas, sem vitalidade, sem jovens, pedem imigrantes. Em quaisquer condições. Legais ou não. A ganhar bem ou misérias. Com e sem contrato. Com e sem família. Com e sem acesso aos serviços de saúde e de educação. Uns são bem tratados, outros nem por isso. Uns são facilmente integrados, outros vivem sempre em guetos por eles próprios criados. Entre os que acolhem, uns querem imigrantes porque lhes dá jeito e lucro, outros porque acham que estão a fazer algo pela humanidade. Uns tratam os imigrantes como animais trabalhadores, outros como anjos intocáveis.
Há muita gente na esquerda que quer imigrantes, talvez tanta quanto a que não quer. Igualmente à direita: os que acolhem e integram os imigrantes são talvez tantos quantos os que os detestam e culpam de todas as malfeitorias. As realidades mais básicas apenas são aceites por poucos. Entre os imigrantes, a maioria é de pessoas como nós. Entre os residentes nacionais, a maior parte é de gente como eles. Mas há, infelizmente, entre grupos de direita e de esquerda, quem queira fazer da imigração terreno de batalha: quem exagere no racismo e na exploração, como há quem radicalize o anti-racismo e a luta de classes. A discussão e a luta são ferozes. Se há tema dado a preconceitos e à irracionalidade, é este. E é provável, é mesmo certo que, além de discussão, haja confrontos, turbulência e conflito.
A crise na demografia, na natalidade e na economia é tal que os países desenvolvidos pouco podem fazer sem imigrantes. A crise da fome, da miséria, do atraso, da corrupção e da quase permanente ditadura é de tal modo inerente aos países não desenvolvidos e não democráticos que os que fogem para imigrar fazem-no de qualquer modo. Há total descontrolo nuns países e nos outros. Há crescente dificuldade de integração. Nos países de chegada, culpam-se os imigrantes de muitos males. Nos países de partida, empurram-se os imigrantes e trafica-se com o trabalho.
Nas ditaduras e nos países autoritários, estes problemas não existem: não há imigração. Nestes países, imigrantes são os candidatos a ir embora. Mas é este, de qualquer maneira, um dos temas mais difíceis para os próximos anos nos países mais desenvolvidos e sobretudo nos países democráticos. Já se percebeu que, sem controlo de legalidade e sem integração, o conflito veio para ficar. E para aumentar.
Uma das dificuldades deste tema reside no facto de estarmos perante uma contradição fundamental dos tempos actuais. Por um lado, a globalização. Por outro, a nacionalidade. Com a primeira, pensa-se em cidadãos do mundo, sem passado nem cultura própria, todos iguais, sem fidelidades nem identidades. Isto, em mundo aberto ao comércio, às viagens e à moradia indiferente localizada em qualquer sítio. Com a segunda, pensa-se nas identidades nacionais, nas fidelidades que permitem que culturas se construam. Nestas últimas, não é difícil pensar na independência nacional que só se faz com fronteiras. Na autonomia que só se garante com leis próprias. Na liberdade que exige quem a defenda e desenvolva. Na democracia, que tem uma geografia. A ponto de se acreditar em que não há liberdade, nem democracia, sem identidade, sem cultura própria e sem independência.
A ideia de que existe e deve ser favorecida a globalização política, humana e social é própria de quem aspira a governar o mundo sem limites e sem contraditório. Pensar que os homens e as mulheres de qualquer país são iguais a todos os outros em identidades, direitos, deveres, passados, memórias e aspirações ou é ingénuo ou é disfarce para aspiração autoritária. Os melhores limites e obstáculos ao totalitarismo são as identidades nacionais. As instituições civis. As independências nacionais. As fronteiras onde devem estar. As culturas e as memórias de cada um. As tradições e as crenças. A capacidade de conhecer em quem se vota e de entender quem nos representa.
As aventuras nacionalistas acabaram quase sempre em ditadura ou guerra. E será esse certamente o futuro, se houver novas tentativas desse género. Também a dissolução das identidades e das culturas é caminho feito para o totalitarismo. Só as sociedades capazes de defender as suas instituições e as suas liberdades são capazes de receber e integrar imigrantes. Mais ou menos controlo, mais ou menos pessoas a bater à porta não são as questões essenciais. O mais decisivo é a força da comunidade capaz de proteger as suas instituições. Difícil é o ponto de equilíbrio entre a globalização e a identidade. Uma sem outra é sempre contra a liberdade.
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Público, 21.6.2025
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