domingo, 3 de dezembro de 2017

Sem emenda - Um Te Deum laico e republicano

Te Deum é a designação de um hino que faz parte da Liturgia das Horas da Igreja Católica. É a forma abreviada de Te Deum Laudamus, Louvamos-te, Ó Deus! O momento apropriado para cantar este hino é o final de Dezembro, quando os fiéis agradecem as benesses recebidas durante o ano decorrido. É também inspiração para músicos que cultivaram o género: Purcell, Charpentier, Mozart, Haydn, Bruckner e outros compuseram, com este título, obras-primas festejadas por crentes e não crentes.
Hoje, as coisas tomam outras formas. Dispensa-se o génio musical. Retira-se o Deus fora de moda. Antecipa-se a cerimónia para o início do novo ano fiscal. Coloca-se em cena o objecto do louvor. Rodeia-se o sujeito de uma corte bem apessoada, que até pode ser um Conselho de Ministros, em vez dos tradicionais querubins. Adjudicam-se os procedimentos a uma Agência de Imagem. Contrata-se uma Universidade “a fim de credibilizar” o exercício, segundo as palavras dos protagonistas.
Seleccionaram-se umas dezenas de figurantes por amostra calibrada, a quem se pagam deslocações, bebidas, um snack e um per diem de ajudas de custo (150 euros, segundo testemunhos). Solicita-se a um sacerdote que se ocupe do ritual. Os figurantes agem como se de um coro grego se tratasse, mas em intervenções sucessivas, não em coral clássico. Às perguntas inteligentes dos figurantes, o solista responde com desenvoltura. A fim de mostrar o espírito de equipa, vários membros da Corte são chamados a participar.
Vozes incómodas fizeram reparos. Foi-lhes dito de imediato que “no ano passado também houve”. A quem referisse que já é a segunda vez que isto se faz, foi esclarecido que o anterior governo também tinha feito algo de parecido na televisão. Aos que estranharam a inclinação dos socialistas, de Costa e de Sócrates, para a propaganda, foi garantido que as direitas, Cavaco Silva, Santana Lopes e Passos Coelho, também o faziam.
É preciso má vontade para comparar esta liturgia honesta à propaganda das direitas! Na verdade, enquanto estas tudo fazem para enganar os cidadãos, as esquerdas apenas se limitam a ouvir o povo, escutar as pessoas, tentar perceber o seu pensamento e entender os anseios profundos da população. Só com muita má fé se pode imaginar que este governo queira fazer qualquer coisa que não seja uma genuína e honrada tentativa de ouvir e de sentir o pulsar dos Portugueses, as suas críticas e as suas sugestões!
Aqueles vinte ministros não eram os patrões dos funcionários presentes no coro litúrgico e em nada intimidavam os que, livremente, pretendiam fazer perguntas: eram coadjuvantes competentes, prontos a ouvir e esclarecer. Aquela Universidade e aqueles académicos eram dedicados à ciência e à cultura, não estavam ali para obter reconhecimento e fama junto de quem decide os orçamentos. Aquela Agência de imagem desempenhou as suas funções de modo isento e com profissionalismo.
O que ali se passou não foi medíocre. Não foi armadilha, nem manipulação. Não foi a transformação da informação em publicidade empacotada. A quermesse de Aveiro é boa e genuína. É uma encenação patriótica e plural. A melhor prova de que é coisa boa reside no facto de, no ano anterior, se ter feito igual. E de dois anos antes, na televisão, organizada pelo governo da direita de Passos Coelho, ter havido coisa parecida!
Os cidadãos que ali se deslocaram prestaram um serviço ao país, dispuseram-se a representar os restantes Portugueses que não puderam estar todos presentes, deram ao governo dados autênticos, entre eleições, sobre o estado da nação. Fizeram-no de modo mais verdadeiro do que as sondagens que não permitem esta consulta de proximidade. Melhor do que o focus group a seguir aos incêndios, este Grupo é uma auscultação em comunhão. É o próprio de um governo para as pessoas, não para os números.

DN, 3 de Dezembro de 2017

1 comentário:

bea disse...

Pode até ser que tenha razão, mas continua a parecer-me folclore. Afinado e com passo certo. Mas não faz esquecer o que tem havido de desconcerto governativo.