Não se pode dizer que tenha sido
deliberado, mas a greve geral da Função Pública desta semana, convocada pela
CGTP, com o distraído apoio do Bloco, é uma maneira de comemorar o centenário
da Revolução de Outubro que agora se celebra, entre o Outubro gregoriano e o
Novembro ortodoxo. É um dos mais importantes acontecimentos da história
contemporânea, um dos mais sanguinários episódios do século XX e uma das mais
negras páginas da história da Liberdade!
Os centenários costumam ser
gloriosos! Este não é o caso. Na Rússia, na China, em Cuba ou na Coreia, a
passar-se alguma coisa, serão demonstrações melancólicas e pífias. Em Portugal,
há uns filmes de Eisenstein na televisão, uns livros reeditados de Alvaro Cunhal
e uns breves escritos de políticos portugueses ligados ao Bloco. É pouco, mas é
o que há. Mais importantes são as traduções de autores de renome, Pipes, Service,
Conquest, Carrère D’Encausse, Furet, Sebag Montefiore, Figes e Fitzpatrick,
entre outros.
A maneira portuguesa de comemorar
a Grande Revolução consiste bem mais na existência de um Governo socialista
apoiado pelo PCP e pelo Bloco. É um dos raros exemplos, talvez mesmo o único,
em que colaboram três das mais antigas variedades de comunistas, Trotskistas,
Estalinistas e Maoistas. Não directamente, pois não se sentam à mesma mesa, mas
através do mediador PS. As relações entre os três foram sempre venenosas e
violentas. Da Catalunha a Pequim, de Coyoacán a Havana, de Hanoi à Manchúria,
as relações entre estas três tendências do marxismo-leninismo foram pautadas
pela extrema violência e pelo assassinato puro e simples. O facto de se
encontrarem associadas ao governo socialista, ele próprio com uma tradição de
hostilidade por parte daquelas espécies comunistas, é digno de atenção. O que
torna este caso ainda mais curioso é a sua insignificância na política
internacional. Na verdade, já quase não há Estalinistas. Maoistas ainda existem
em quantidade, mas na China, pois claro. E Trotskistas encontram-se em extinção
rápida. Na verdade, as três liturgias são quase inexistentes.
Portugal é caso único na Europa e
raro no mundo. Os resultados eleitorais são fascinantes. Um pouco mais de 8%
para os estalinistas do PCP; mais de 10% para os trotskistas e maoístas do
Bloco; e uma coligação de ambos, separadamente, com os socialistas, constitui
uma singularidade tão especial quanto um último exemplar do Dodo. Como naqueles
filmes do parque jurássico em que animais extintos são trazidos à vida
contemporânea.
A centenária revolução legou à
humanidade uma formidável obra política, cultural, social e ideológica: o
comunismo real. Este teve uma enorme influência nas vidas dos povos e dos
Estados. Ao fim de cem anos, essa incontornável realidade do século XX jaz no
“caixote do lixo da história”. Desapareceram o “homem novo” e o “futuro
radioso” com custos e perdas que se elevam a dezenas de milhões de mortos pela
força bruta, pela fome deliberada e pela doença! E dezenas de milhões de
prisões, de deportados, de execuções e de assassínios.
Portugal é um dos raros sítios do
mundo onde há comunistas (estalinistas, maoístas e trotskistas) activos,
reconhecidos e a exercer funções em regime democrático. Minoritários, mas, ao
que dizem, com esperanças de aumentar a sua influência no governo socialista.
Há dois anos que se iniciou um ensaio de participação no poder. Se esta
experiência trouxesse uma verdadeira conversão dos comunistas à democracia, à
Europa, aos direitos individuais, à liberdade e à iniciativa privada, Portugal
assistiria a um fenómeno interessante para o nosso futuro. Se acontecesse o
contrário, isto é, a conversão dos socialistas às crenças dos seus aliados e à complacência
com as liberdades reduzidas, a democracia vigiada e o primado do Estado, então
sim, estaríamos em presença de um acontecimento único na história dos povos e
da Europa.
DN, 29 de Outubro de
2017
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