É uma história sem fim feliz.
Qualquer que seja o desenlace, ficaremos a perder. Portugal e o seu povo ficarão
sempre a perder. Evidentemente, se Justiça for feita, poderemos sempre dizer
que ressuscitámos, que a Justiça é a nossa Fénix. Se os culpados forem expostos
e condenados e se as vítimas e os contribuintes forem pelo menos moralmente
ressarcidos (nunca o serão financeiramente…), será possível dizer que, bem lá
no fim, a Justiça prevaleceu. Se assim for, poderá também afirmar-se que será
possível, depois do desastre, aprender com os erros. É uma consolação.
Mas ficaremos a saber que duas ou
três (ou mais…) operações politicas e financeiras de assalto ao Estado, a
algumas das melhores empresas portuguesas, aos recursos de milhões de
depositantes, credores, accionistas e investidores se desenvolveram durante
anos. O que aconteceu com a cumplicidade de um ou dois partidos políticos, com
a participação activa de alguns dos “melhores” banqueiros portugueses, com a
intervenção maliciosa de um governo, com a colaboração dolosa de vários
gestores privados e públicos. Tudo isto perante a incapacidade ou falta de
poderes das entidades fiscalizadoras, diante do silêncio das instituições e a
coberto de uma comunicação social geralmente mal preparada e dependente. Vários
bancos foram liquidados. Diversas empresas destruídas. Um grupo de insaciáveis
sem escrúpulos tomou conta!
As instituições não tiveram
poderes para intervir com firmeza e honestidade. As instituições, por responsabilidades
objectivas ou subjectivas, não agiram quando deviam, não perceberam o que
estava a acontecer. Umas não puderam, outras não quiseram.
Falhou a opinião pública, falhou
a imprensa e falharam as instituições. Os governantes não falharam, porque eram
cúmplices ou protagonistas. Mas o Parlamento falhou, porque não cumpriu os seus
deveres. Nem quis saber. Os partidos não falharam, porque aproveitaram. Ou
falharam, porque não perceberam.
Primeira hipótese: encontramo-nos
diante de uma colossal operação de destruição de pessoas, partidos,
governantes, empresas e bancos, a comando de concorrentes ocultos e de
abomináveis forças de conspiração. Nessa versão, falham o regime, a democracia
e a Justiça. Segunda hipótese: uma monumental operação de expropriação e
assalto ao Estado, por parte de políticos, gestores e banqueiros, destruiu
empresas e grupos, fez literalmente desaparecer dez a vinte milhares de milhões
de euros. Nesta versão, falham o regime, a democracia, o sistema político, o
Parlamento, as instituições e o capitalismo português.
Convêm não esquecer que não se
sabe onde pairam cinco a dez mil milhões “desaparecidos”, mas que se encontram
depositados a recato em contas de famílias, seus mandatários, cães e gatos. A
que terão de se acrescentar cinco a oito milhares de milhões de outras histórias
mal acabadas, como a do BPN. Convém ainda não esquecer que as actuações de
políticos, banqueiros, bancários, gestores e empresários relativamente às PPP,
aos SWAPS e aos golpes em quase todos os bancos portugueses estão fora da
alçada deste processo Sócrates barra Salgado barra Espírito Santo barra PT.
Perdeu o regime e perdeu
Portugal. Que ninguém pense que, com excepção do ladrão, alguém vai ganhar e que
o fim será feliz. Não. Ou perde a economia, o mercado e a banca. Ou perde o
mais importante partido político da democracia, o seu líder durante seis anos e
o seu único Primeiro-ministro com maioria absoluta. Ou perde a democracia e o
seu sistema político que conviveu com parasitas da política ou das finanças,
deixou pulhas roubar o Estado e permitiu que velhacos roubassem depositantes,
credores e accionistas de boa fé. Ou perde a democracia e o seu sistema de
Justiça que não consegue organizar um serviço capaz de investigar eficazmente,
arguir dentro de prazos decentes, julgar em tempo e dar sentenças a horas. Ou
perde o regime cuja classe dirigente é incapaz de governar com honestidade e em
democracia.
Ou perdemos tudo, que é o mais
provável.
DN, 15 de Outubro de
2017
1 comentário:
Creio mesmo que sim, que já perdemos tudo. Há hipóteses que não deveriam existir. Só a suposição já mancha, destrói, emparcela com os piores quem julgávamos ao abrigo da vilania. Mina a confiança nas instituições e nas pessoas, faz o povo pensar que a política é apenas um jogo perverso e ele um joguete nas mãos de quem pode e se deixa corromper. E depois de suspeição deste género, ainda que em alguns casos não provada, só a memória curta nos pode ajudar. Mas ter memória curta é defeito e não qualidade.
Enviar um comentário