Excelente ideia a da construção
de um memorial situado à beira Tejo, entre a Ribeira das Naus e o Campo das
Cebolas, locais onde, segundo consta, o tráfico de escravos tinha assento. Não
se sabe se a proposta, feita por uma associação, será aprovada e concretizada.
Nem qual será a sua forma ou configuração. Mas a ideia é boa. Sobretudo se for
mais do que um memorial passivo e inerte. Se for um museu, um local de reflexão
ou um centro de referência. Várias instituições desse género, nos Estados
Unidos, em Inglaterra, na Holanda, em Angola e no Senegal, mostram como se pode
fazer. Genocídios, holocaustos, massacres, autos-de-fé, deportações violentas,
assassinatos em massa, Goulag, campos de concentração e outras formas de
exercício de poder e violência devem ser estudados. Para que não se esqueça. Espera-se,
aliás, que esta iniciativa tenha melhor sorte do que um projecto de lei de
criação de um Museu dos Descobrimentos, a construir na Cordoaria, apresentado
há mais de trinta anos e, infelizmente, nunca realizado.
O tráfico de escravos e a
escravatura foram, à luz do que somos hoje, fenómenos horrendos que a
humanidade conheceu, durante séculos e em quase todas as latitudes. Da Índia à
China, do Egipto à Mesopotâmia, de Roma a Berlim, de Lisboa ao Rio de Janeiro e
da Costa do Marfim aos Estados Unidos. Centenas de milhões de escravos foram
vendidos, comprados e transportados entre continentes e em várias direcções,
conforme as geografias. Para estes fluxos de mercadoria humana, Portugal também
contribuiu de modo significativo, com especial incidência no tráfico estabelecido
entre África e as Américas. Terá mesmo sido, no Atlântico e durante três ou
quatro séculos, um dos seus protagonistas e principais beneficiários.
Em poucas palavras, a escravatura
e o tráfico de escravos marcaram tempos e povos. Ainda hoje, em certos países
africanos ou muçulmanos, há práticas, legais ou não, equiparadas à escravatura.
Provavelmente, foi a África o continente que forneceu mais escravos. Segundo os
valores morais contemporâneos, o tráfico está mesmo entre os piores traços da
evolução da humanidade. Juntamente com os trabalhos forçados, a tortura, o
assassinato, o genocídio e a conquista, a escravatura foi mais um capítulo da história
que o progresso combateu durante décadas e para o qual foi conseguindo
remédios, interdições, castigos e sobretudo condenação moral e jurídica.
O processo histórico foi tal, até
ao presente, que a escravatura se encontra erradicada em grande parte do mundo.
Na maior parte do mundo, talvez seja possível afirmar. A libertação dos
escravos, a abolição da escravatura e a emancipação dos servos e escravos
transformaram-se mesmo em objectivos centrais dos defensores do progresso e do
melhoramento dos povos. A abolição da escravatura está a par de outros grandes
movimentos da humanidade como os direitos humanos e a igualdade. Tal como a
democracia, a cidadania e a liberdade religiosa, a escravatura e a respectiva
abolição merecem um memorial.
Se for, evidentemente, um
memorial que explique, que dê contexto e enquadramento, que informe, que nos
ajude a compreender. Não um memorial que se limite a condenar os negreiros e os
Portugueses… Não um memorial de autoflagelação que, por razões de oportunismo
histórico e demagogia política, pretenda afirmar que o colonialismo dos
Portugueses foi mais cruel do que o dos outros, que o racismo dos Portugueses é
pior do que o dos outros, que a escravatura dos Portugueses foi mais hedionda
do que a dos outros, que a escravatura organizada pelos europeus e pelos
brancos foi mais dolorosa do que a dos Árabes, dos Chineses, dos Indianos ou
dos Africanos…
E também não um memorial que,
conforme sugerido por alguns proponentes, terá de ser feito por artistas
africanos ou descendentes de africanos… Isso é racismo! Puro e simples!
DN, 26 de Novembro de
2017
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