Diz o dicionário: “Um raide é um
ataque rápido e de surpresa através de uma força de grande mobilidade”. Não
corresponde exactamente aos factos recentes que caracterizaram as últimas duas
ou três décadas. Mas o resultado parece ter sido o mesmo: a apropriação, por
forças organizadas, de grande parte dos recursos, das empresas, das
infra-estruturas e dos proventos da actividade económica. Foi uma espécie de OPA
sobre o Estado, a economia, as empresas, os empreendimentos de obras públicas,
as grandes “public utilities” ou serviços públicos, os fundos europeus… Só que
não foi pública, nem de aquisição a preços de mercado. Foi verdadeiramente a
mão baixa sobre a república.
Vendeu-se tudo. Ao que parece,
até se utilizaram, por vezes, métodos honestos. Pontes, estradas, aeroportos,
aviões, turismo, hotelaria, bancos, seguros, electricidade, energia, gás,
petróleos, cimentos, redes eléctricas, telefones, televisão, centros comerciais,
hospitais, resíduos, sucata e o que só deus sabe. Por ajuste directo, por
compras com barrigas de aluguer, por vendas a “testas de ferro”, por compra em
bolsa, por concurso “pintado”, por luvas, por PPP (Parceria Público Privada),
por autorização de Estado, por licença camarária ou por alvará oficial: por
todos estes métodos e outros que só de falar envergonha, uma parte muito
importante do património de Estado, da economia nacional e de serviços públicos
transitaram de proprietário, de nacionalidade e de organização. Quando não
foram empresas e recursos que mudaram de mãos, foram actividades legalizadas e
alvarás devidamente autorizados graças a luvas, comissões e decisões
legislativas.
Toda a gente estava metida. Ou
antes, esteve metida gente de toda a espécie. Vários governantes e não dos
menores. Deputados. Directores gerais. Presidentes de instituições. Altos
funcionários. Banqueiros e empresários. Gestores. Comerciantes. Industriais.
Jornalistas. Amigos e familiares de gente de dinheiro. Mas sempre com a
conivência do Estado, com a ajuda de políticos, sob a protecção e o conselho de
alguns bancos ou banqueiros, públicos ou privados, portugueses ou estrangeiros.
Começa agora a perceber-se a
monumental rede criada, desenvolvida e preparada para a maior operação
predadora do Estado e da economia. A ser verdade o que é publicado nos jornais,
a coberto de um famigerado segredo de justiça, que nada tem de segredo e muito
menos de justiça, estamos perante uma das maiores operações de corrupção e
crime jamais intentadas! A liberalização da economia teria sido um grande
progresso, caso não tivesse proporcionado este festim.
Já não é a primeira vez. Mas foi
talvez a altura em que se foi mais longe, desta vez quase sempre a coberto da
lei, com protecção das autoridades e com a colaboração de grande parte da
banca. E quando os políticos não ficaram a ganhar directamente, receberam “por
fora” ou “debaixo da mesa” os prémios por serviços de peculato.
É sabido que este universo de
corrupção tem estado sob averiguação. Mas tem demorado anos a investigar. De mais.
Há ou houve arguidos e detenções preventivas durante anos a mais. Não há
argumentos para defender tal situação. Quanto mais demorar, mais a justiça
perde prestígio e serenidade para julgar. E menos evidência e factos obtém. Quanto
mais for burocrática, morosa, atabalhoada e incompetente, menos crível e capaz
será.
Será que o PS, apesar do seu
passado recente e dos seus laços com tantos arguidos, tem força e liberdade
para ajudar a que a justiça apure e resolva? Terão o PSD e o CDS, mau grado o
seu currículo, capacidade para, mesmo na oposição, ajudar a deslindar? Quanto
ao PCP e ao Bloco, é difícil prever. Têm folha limpa, pela simples razão de que
não estão no governo desde há quarenta anos. Poderão pois contribuir para levar
a bom termo esta operação de justiça? É paradoxal imaginar que os partidos de
extrema-esquerda possam convencer os socialistas a consolidar o Estado de
Direito. Veremos nos próximos episódios.
DN, 17 de Setembro de
2017
1 comentário:
Estou convicta de que a maioria dos portugueses duvida, tal como eu, da justiça portuguesa. Por ser morosa em demasia e se arrastar num aparente sem vontade; por dar a ideia de ser um perigo cair nas suas garras, a arbitrariedade que parece guiá-la produz a falta de confiança na instituição. Deixou de ser, para os portugueses, uma instância forte, célere, justa.
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