Os incêndios florestais de 2017,
especialmente os de Pedrógão Grande, entraram para a história. Os mais de 65
mortos deste desgraçado Verão ficam nos anais do último século. Há, por esse
mundo fora, em área ardida por exemplo, outros fogos mais graves. Mas, pelo
número de vítimas, já figuram entre os mais mortais de todos.
Não só por esse motivo, mas
também pela descoordenação e pela imprevisão, caso contrário não haveria este
número absurdo de mortos. Pela incompetência. Pela falha dos sistemas de
comunicação. Pela incerteza criada com as mudanças de dirigentes de última
hora. Pela incerteza da autoridade e da distribuição de responsabilidades. Pela
confusão na aquisição de telecomunicações, de carros, de helicópteros e de
aviões. Pela insuficiência de serviços profissionais. Pela tentativa de
dissolução de responsabilidades. Pela desordem na organização dos apoios à
reconstrução. Pela trapalhada na gestão dos donativos. Tudo falhou: o antes, o
durante e o depois. E só a recordação das centenas de bombeiros a trabalhar em
sofrimento impede de ser ainda mais severo.
Estes temas são sempre políticos.
Porque é a política que permite organizar a segurança, socorrer, criticar e
corrigir. Infelizmente, os responsáveis, em defesa própria, tentaram afastar a
política. E acusaram a oposição de “fazer política”. Esta quis defender-se, mas
não escondeu o ar rancoroso. O PSD e o CDS não perderam o tom ressabiado, à espera
de ver sangue para gritar ao lobo. Não houve debate sério. O Bloco e o PCP, que
quase sempre abordam assuntos difíceis, desta vez, com receio de ferir o seu
governo, calaram-se.
O clima de desconfiança cresceu,
alimentado pela gestão infeliz dos dinheiros da solidariedade. Não se sabe onde
estão. Recomeçar a vida? Reiniciar actividades comerciais e industriais? Reconstruir
as casas? Todos os dias chegam, aos jornais e às televisões, queixas de
cidadãos a perguntar pelos apoios e a garantir que nada chega. Serão só boatos?
Sucedem-se os comunicados de várias entidades, o que só aumenta o descrédito.
Nem sequer é provável que haja roubo, mas tão só incompetência, tentativa de
protagonismo e luta entre medíocres autoridades.
Como é evidente, todo este
assunto é profundamente político. Da prevenção aos sistemas de protecção, da
organização da sociedade e das autarquias aos investimentos, das compensações
aos subsídios e à reconstrução: há políticas por todo o lado. Política no
sentido de escolhas e de opções fundamentais. Infelizmente, não tivemos essa
política. O governo calou-se e criou um ónus moral sobre todos, acusando de
oportunista quem pretendeu debater. Culpado da desorganização, o governo não
quis analisar e tomar responsabilidades. Ainda tentou garantir que responsáveis
eram os governos anteriores, mas também aí recuou, quando percebeu que o
governo de Sócrates e Costa estava incluído. Na verdade, o maior esforço do
governo consistiu na procura do esquecimento. E na tentativa de mostrar que as
mortes eram inevitáveis. Ou antes, fortuitas.
A estratégia foi a de afirmar que
qualquer discussão do assunto era “fazer política” e “aproveitar”. Com os
sentimentos de culpa do PSD e do CDS, com os silêncios dos autarcas que não se
querem comprometer e com a abstenção do PCP e do Bloco, não haverá
responsabilidades nem correcção dos sistemas de ordenamento e de prevenção. A
não ser que qualquer coisa mude. A não ser que os 65 mortos tenham sido a conta
necessária para comover o país.
Porque estes problemas são sempre
políticos e é necessário, acima de tudo, ajudar e corrigir, esperava-se que o
Parlamento e outras instituições reforçassem o seu empenho na tentativa de
resolver. Mas não. Praticamente toda a gente se limitou a defender os seus e
acusar os outros. Como adeptos ou fieis, sem liberdade nem pensamento. Nem
sentido do dever.
DN, 10 de Setembro de
2017
1 comentário:
A situação é, a meu ver, a maior vergonha portuguesa. Que nem os 65 mortos mobilizam à célere e clara correcção na solidariedade em débito, para com eles e os vivos. O país que vive na alma das gentes e prontamente fez doações não encontrou correspondência na esfera política ou nas estruturas sociais. É triste assistir e saber que nos pertence espectáculo de tal pobreza e falta de escrúpulo.
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