É uma graça comum: as que se realizam hoje, na Alemanha, são as verdadeiras eleições europeias. E assim será. Depois das legislativas e presidenciais de vários países, sobretudo da Grã-Bretanha, da França e da Holanda, assim como diversas autárquicas, a União fica renovada eleitoralmente. Ainda falta a Itália, mas não parece que daí venham mudanças radicais. Os resultados da Alemanha são previsíveis. O ano de 2017 acabará sem que os processos eleitorais tenham produzido novos perigos. Não houve crise. Mas também não parece que haja resolução dos problemas que tínhamos no início do ano. Aliás, com a saída da Grã-Bretanha, com os ventos da Catalunha e da Escócia e com as ameaças da Hungria e da Polónia, terminaremos o ano em pior estado do que quando o começámos.
Há sempre quem diga que a liderança politica é condição necessária e suficiente para o progresso e a estabilidade. E que a falta de liderança é bastante para criar a incerteza, eventualmente o declínio. A Europa dos nossos dias é a negação de tais ideias simples. A liderança alemã é assumida (embora não ostensivamente), indiscutível (apesar de criticada), reconhecida (mau grado a resistência) e temida (até pelos amigos). A dimensão humana e territorial, a localização geográfica, o produto nacional e a robustez da indústria fazem da Alemanha o líder europeu sem par. A sua capacidade de organização, a dedicação ao trabalho e o seu realismo confirmam e reforçam os seus atributos. O que lhe falta, flexibilidade, cultura e força militar constitui uma deficiência séria, mas não é obstáculo à assunção dos seus poderes e da sua força.
Só que… Esta liderança é capaz de condenar a União ao que poderá ser, a prazo, o declínio da Europa. Da Europa como continente coeso, como organização e como agrupamento de países livres. Na verdade, a liderança alemã, que já foi relutante (como disse T. Garton Ash) e agora desejada, nunca será aceite de boa vontade pelos parceiros e, se o for, é com reserva mental. Pela força excessiva, pela história e pelos hábitos, a Alemanha não será bem vinda como líder incontestado. E poderá facilmente conduzir a rejeições antigas e a perturbações novas.
A União Europeia começou francesa. Depois, fez-se franco-alemã. A seguir, simpatizou com a Grã-Bretanha. Para logo experimentar as delícias mediterrânicas e as surpresas orientais. Depois, a França entrou em declínio. A Grã-Bretanha foi à vida. O Mediterrâneo quis aproveitar-se. De repente, a União ficou alemã, uma das razões contra as quais se fez há décadas. Sem o peso fundacional francês, sem a criatividade liberal inglesa, sem a simpatia americana e sem a ameaça soviética, mas com os velhos problemas de identidade, com as dívidas soberanas e com as perdas de produtividade, a União desaparece ou fica alemã e… desaparece!
A Europa foi… Já quase só se fala da Europa e da União no passado. É justo reconhecer que a UE ajudou Portugal. Deu um prazo e uma oportunidade à democracia. A UE reforçou o Estado e a sociedade. Ao fim de uns anos, a UE não dá mais contributos directos ou indirectos para a democracia. A UE não é ela própria democrática. Não é exemplo de democracia. Mas uma democracia vive melhor na União Europeia do que fora dela. Para Portugal, fora da União, tudo será mais difícil.
A Europa a que aderimos era um continente politicamente atraente e economicamente promissor. Além de ser uma garantia cultural e um futuro científico. Já havia, talvez, nos anos oitenta, sinais de inquietação, mas, para todos os efeitos, o horizonte europeu seduzia com razão qualquer país, a começar por Portugal, saído de uma ditadura, de uma guerra e de uma revolução. A Europa a que pertencemos hoje está politicamente em declínio, em dificuldade e na incerteza. Em qualquer caso, a perder pujança, ritmo e sentido.
Uma coisa é segura: temos uma liderança certa de uma Europa incerta!
DN, 24 de Setembro de 2017
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