O debate público sobre a
protecção de dados prossegue. Os mails cruzados a este propósito, diariamente,
por pessoas e organizações, são às dezenas e às centenas. Todos tentam
proteger-se ou adoptar os novos procedimentos legais. A pressão vinha de trás,
a União Europeia ocupava-se do assunto há muito, mas as aldrabices do Facebook
e as intrusões russas e americanas aceleraram tudo. Ficámos com receio legítimo
dessas poderosas máquinas, das multinacionais maléficas e do capitalismo
internacional. Assim como de todos os serviços de espionagem e similares,
americanos, pois claro, ingleses, os mais inteligentes, israelitas, os mais
eficientes, russos, os mais selvagens, chineses, os mais não se sabe bem o quê.
Verdade é que a desconfiança aumenta. Com a ideia de que estamos a proteger os
dados, corre-se o risco de passar ao lado do essencial. Na verdade, aquilo de
que deveria tratar-se era de proteger os cidadãos. Evidentemente, uma coisa
leva à outra e vice-versa. Mas é mais interessante colocar a tónica no cidadão.
É por ele que se devem proteger os dados. Não o contrário.
As dívidas dos ricos à banca,
designadamente à Caixa Geral de Depósitos, estão também no centro dos debates.
As razões são especiais, mas estamos novamente no domínio da protecção de dados
e de cidadãos. Como se trata de ricos, ninguém parece incomodar-se muito. Mas
estamos a entrar em zonas perigosas. É difícil perceber por que razão é
moralmente aceitável publicitar as dívidas dos ricos e não as de toda a gente.
Ou por que será razoável divulgar qualquer dívida que seja. Como, além de
ricos, estão em causa alguns aldrabões, não só ninguém se importa, como é
crescente o número dos que aplaudem. Mas o certo é que os aldrabões também são
cidadãos. O tema é mesmo muito sério.
Outro assunto que diz respeito ao
cidadão e aos dados e vem mesmo a propósito é o das facilidades que o
Multibanco e os terminais do comércio de retalho oferecem à devassa. E quem
sabe se ao roubo e à chantagem. Esta semana, num restaurante, um indivíduo
entregou o seu cartão para pagamento da factura que lhe foi apresentada. O
mesmo aconteceu a uma senhora, sem relações com o anterior, que ia pagar o que
comprou numa loja do centro comercial. Em ambos os casos, as pessoas em questão
não sabiam se tinham dinheiro que chegasse. Para evitar vergonhas, disseram qualquer
coisa como “Não sei se há saldo disponível. Se não houver, diga-me para eu
mudar de cartão. Ou pagar em notas”. Solícitos, os empregados disseram mais ou
menos o mesmo: “Mas olhe que eu posso ver o saldo”. Os clientes ficaram
surpreendidos e acederam. Depois de digitar o PIN, como se fosse para pagar
normalmente, os empregados mostram, a um, o saldo que tem no banco (não apenas dos
movimentos do Multibanco, mas sim em toda a conta bancária); à outra, oferecem-lhe
uma longa tira de papel impressa na qual estão enumerados, com nomes e
montantes, todas as receitas e despesas na sua conta, incluindo renda de casa,
serviços domésticos, débitos directos, levantamentos, vencimento, prestações,
aforros, etc. Não é possível imaginar maior devassa!
Dá para pensar no que acontece ou
pode acontecer cada vez que num comércio o funcionário diz, com ar desolado,
“Pode por favor digitar outra vez o seu PIN? É que houve uma anomalia…”. Com
que direito, com que autorização, um serviço fornece os dados pessoais de uma
conta bancária? Compreender-se-ia, provavelmente, que esses serviços dissessem
ao comerciante que aquele cliente, naquele momento, tinha saldo para cobrir
aquela quantia. Mas desvendar os movimentos, os saldos, as entidades que
pagaram ou receberam, com datas e montantes, tanto do serviço de Multibanco
como da conta bancária… Não lembra ao diabo!
Os bancos sabem o que se passa?
Como se defendem? As autoridades reguladoras e outras conhecem estes
mecanismos? E permitem? A Comissão Nacional de Protecção de Dados está ao
corrente desta situação? Fez alguma coisa? A União Europeia e o BCE sabem e
permitem? Nos outros países europeus também é assim? Os nossos governantes e os
deputados sabem disto? E aceitam? E não se importam?
DN, 3 de Junho de 2018
1 comentário:
Eu não sabia disso. Acredito que muita gente não saiba. Julgo que deveria fazer-se alguma coisa a nível global para evitar a situação. Mas também começo a achar um exagero tanta protecção de dados, porque, provavelmente, são protecções parecidas com as anteriores, não protegem de quem sabe como devassar as contas que lhe interessam.
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