O socialismo português é coisa
que não existe. E ainda bem. Se existisse, seria qualquer coisa má, como o
soviético, ou risível, como o venezuelano. Existem, isso sim, socialistas. E um
partido que faz anos, 45, dirige o actual governo e está em congresso. Já se
sabe que só vai discutir o futuro, não o que está para trás. Não se vai falar
de Sócrates, muito menos do seu governo, que nunca existiram. Não se vai
debater a corrupção, obra da direita ou de gente que não existiu. Vai falar-se
de grandes problemas, de questões de estratégia a longo prazo e do futuro,
entidades com as quais se reduz qualquer congresso à insignificância litúrgica.
As tentativas (e vai haver algumas) de debater problemas reais produzirão efeitos
às duas da manhã numa sala vazia. Mais uma vez se verá como a separação entre
eleição e debate foi, para a maior parte dos partidos, solução para esvaziar os
congressos e entronizar a demagogia.
No século passado, houve quem
julgasse que existia um socialismo português. Uns tantos militantes, alguns
militares e pouco mais. Foi-se aprendendo que o melhor socialismo era o
adjectivo, não o substantivo. Este é um despotismo, aquele é uma inspiração. Curiosamente,
com as crises na globalização, no euro e na União, o substantivo voltou a
estimular alguns espíritos. Isso também aconteceu no PS, por causa dos aliados de
esquerda que tão bem fizeram ao PS e que tão mal se preparam para lhe fazer. Só
que já se percebeu que o debate sobre o socialismo em Portugal é conversa para
entreter congressistas.
De qualquer modo, é verdade que o
PS está num momento excepcional da sua vida. O PS vai refazer a sua identidade
e definir o seu papel na sociedade. Na verdade, hoje, o PS existe por um acaso
estatístico e um golpe de sorte irrepetível. Não fora o período de austeridade,
talvez o PS não fosse hoje mais do que uma colecção de cromos. Aqueles quatro
anos criaram um descontentamento de que o PS teve a sorte de beneficiar.
O que será, então, o PS do
futuro? Para que servirá? Como resistente ao fascismo, trave mestra do
pensamento da esquerda, já fez o que pôde, mas nem sequer foi o principal. Já a
resistência ao comunismo fez a sua glória, em Portugal e na Europa, foram os
anos de ouro. É a sua principal identidade histórica, mas não haverá,
felizmente, segunda oportunidade. Fundador da democracia, com certeza, mas não
foi o único. Responsável pela integração europeia, sem qualquer dúvida, mas não
esteve sozinho. Foi co-autor do Serviço Nacional de Saúde, teve o talento de ter
feito a primeira lei, mas o desenvolvimento foi obra de vários. Na criação de
riqueza, a sua autoria é quase nula. Já no endividamento, a sua
responsabilidade é maior. Reformas da educação e da segurança social: para o
bem e o mal, andou por lá, sem originalidade, foram muitos os autores. Na
justiça, o seu envolvimento foi profundo, mas inútil, quem sabe se nefasto. No
combate à desigualdade, na descentralização, nas autonomias regionais, nas
privatizações, nas revisões da Constituição, no euro, nas auto-estradas e nas
parceiras público privadas, o PS esteve em todas, no melhor e no pior, no
activismo e na inutilidade, com outros, sem marcas especiais nem currículo
digno desse nome.
As promessas que o PS vai deixar
no fim deste congresso são conhecidas e pertencem à galeria dos lugares comuns
imortais. Igualdade social, de géneros, de etnias e de origens! Segurança!
Descentralização! A cultura! O mar! Estamos conversados. Onde o esclarecimento
falta é naquela que poderia ser a mais profunda marca do PS nas próximas
décadas: a luta contra a corrupção! Contra os negócios de Estado, os favores e o
nepotismo. Contra as cunhas e a promiscuidade. Contra a ocupação partidária do
Estado. Contra a dependência dos plutocratas e dos sindicatos.
Com o seu currículo recente, é
difícil imaginar um PS capaz de corrigir as causas da corrupção e de barrar os
caminhos que a ela conduzem. Mais uma razão para fazer desse desígnio o mais
importante do seu futuro próximo. Com liberdade e justiça, é aquilo de que
Portugal mais precisa.
DN, 27 de Maio de 2018
1 comentário:
Congresso que não trouxe nada de novo. O dia seguinte foi igual ao anterior. Esta gente faz congressos para se auto promover. Sem uma ideia. Sem a vontade, como diz, tão necessária ao combate da corrupção.
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