As últimas histórias confirmam a sensação, por tantos partilhada, de que o PS de José Sócrates foi responsável pelo mais negro período de mau governo das últimas décadas. Antes dele, outros também fizeram das suas e não foram poucas. Mas não andaremos longe da ideia de aquele ter sido o zénite da corrupção em Portugal. Por isso, assistimos a uma tentativa desesperada deste governo do PS de se distanciar do outro governo do PS, mesmo sabendo que muitas pessoas pertenceram aos dois. Talvez até por isso mesmo foram enormes os esforços. Primeiro, a hipocrisia da visita de solidariedade, a acompanhar o expediente da separação entre justiça e política. Depois, o silêncio culpado. A seguir, a indiferença. Finalmente, a lavagem de mãos, a terminar na indignação encenada. Um melodrama em quatro actos.
Até 2015, durante as últimas quatro décadas, três partidos exerceram poderes de governo: o PS, o PSD e o CDS. Não são partidos corruptos. Dizer o contrário não faria sentido. E teria o efeito de prejudicar o apuramento de responsabilidades. “São todos corruptos” é a melhor maneira de esconder os verdadeiros. Mas, se o PS, o PSD e o CDS não são partidos corruptos, a verdade é que acolheram corruptos e deixaram que alguma corrupção (pelos vistos, muita…) se instalasse, a favor do partido e em benefício de alguns dirigentes.
Da energia às telecomunicações, das PPP aos créditos públicos para especulação privada, dos submarinos aos helicópteros, são conhecidos muitos exemplos que deram luvas, comissões, descontos, pagamentos directos, pensões absurdas e transferências de dinheiro vivo… A que se acrescentam estranhas operações em bolsa, licenças de construção, investimentos turísticos, negócios imobiliários, regimes fiscais privilegiados, adjudicações duvidosas, exportações mancomunadas e ajustes directos maquilhados.
Apesar do ruído gerado nos últimos dias, não parece que o PS tenha uma robusta tradição de luta contra a corrupção. Alguns dos seus dirigentes, por interesse pessoal ou partidário, aproveitaram-se do clima de corrupção e favores ou foram protagonistas criativos. Mas não se pode dizer que o único partido da esquerda democrática, o PS, tenha um comportamento diferente dos dois partidos da direita democrática, CDS e PSD, que também acolheram e conviveram com dirigentes intocáveis, interesses inconfessáveis e procedimentos menos lícitos.
O PS não é um partido corrupto, embora não haja dúvidas de que há lá gente corrupta. Mas, no PS, também há gente honesta. Tal como no PSD, no CDS e certamente nos partidos mais da esquerda, BE e PCP. Como também há deputados honestos na Assembleia da República. Ou entre os presidentes de câmara e vereadores. É injusto e errado afirmar que são todos corruptos. Mas já ninguém duvida de que há sinais indeléveis de actividades ilícitas na Administração Pública, na política partidária, nos governos e nas empresas privadas próximas do Estado.
Todavia, apesar de parcialmente verdadeira, esta ideia de que a República está corrompida corre o risco de dissolver cada caso e cada responsável. Todas as tentativas feitas no sentido de agregar processos, juntar responsáveis, conglomerar crimes, acumular ministros e governos num esforço de criar mega processos destinam-se sobretudo a uma coisa: fazer com que seja impossível terminar um processo, julgar um suspeito e condenar um arguido. Em poucas palavras, apurar responsabilidades. Quando se diz “Sócrates, sim, mas há os outros”, está-se a tentar diluir e desculpar. Sob a aparência de severidade, a estratégia da fusão dos casos e dos processos mais não é do que uma tentativa de impedir que se chegue ao fim de qualquer caso ou processo. E de dizer à população “olhem que são todos corruptos”, o que, dito por outras palavras, quer dizer “Não há corruptos”.
Já se sabe: quanto mais mega for o processo, menos hipótese haverá de chegar a um resultado. Quanto menos concreta for uma Comissão de Inquérito, maiores serão as probabilidades de não se chegar a sítio nenhum. Quem defender, em vez de vários, um só processo, está a tentar “afogar o peixe”.
Na corrupção, a democracia portuguesa encontrou a sua Némesis. Pode ser o seu Anjo Exterminador.
DN, 13 de Maio de 2018
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