Os ânimos estão muito vivos. A polémica corre facilmente pelo espaço público. Tanto em Portugal, como noutros países ocidentais. Que fazer com a imigração e os imigrantes? Deixar correr, controlar ou travar?
As opiniões chocam-se e não parece que haja solução fácil. Nos países de acolhimento, há quem se exprima a favor de políticas permissivas, de portas abertas e quem esteja firme na atitude inversa, de fronteiras fechadas. Entre as duas opiniões, há os que pretendem controlar a imigração, como, por exemplo, os que desejam só permitir a entrada de quem se precisa. Também há os que defendem a rápida legalização de todos os imigrantes, com ou sem contrato, com ou sem residência. Ou então, os que propõem a imediata expulsão de quem não entra legalmente. Há ainda os que desejam uma política diferenciada, isto é, ajustada a cada nacionalidade. Por exemplo, quem admita a permissividade para os países de língua portuguesa e a severidade para outros africanos e asiáticos. Há os que entendem que se deve ter uma atitude para cristãos e equiparados e outra para muçulmanos e afins. Também há quem acredite que se deve ter uma política permissiva para ocidentais, europeus em particular, e outra restritiva para africanos, latino-americanos e asiáticos. Também não faltam os que desejam uma política para imigrantes ricos e outra para imigrantes pobres.
No domínio dos argumentos dos mais activistas, as diferenças são muitas e a ferocidade imensa. É frequente encontrar quem acuse uns de supremacistas, de pretender assegurar uma posição dominante de cristãos e europeus, de defender a “pureza” da raça e de tentar garantir o domínio dos brancos. Como também não é raro ver quem acuse os outros de se esforçarem pela dissolução da nação e da comunidade, pela destruição das tradições portuguesas e nacionais e pela mestiçagem racial, étnica e cultural.
Se olharmos para as políticas públicas, também aí se encontram diferenças abissais e irredutíveis. Há quem exija que as autoridades, os poderes, as autarquias, as empresas e a sociedade defendam e pratiquem a integração dos imigrantes, com a muito rápida assimilação de costumes, língua, cultura, tradições e hábitos. Mas também, do lado oposto, quem cultive as políticas multiculturalistas que privilegiam a manutenção das culturas diferentes, o uso das línguas próprias, a educação separada, a religião diferenciada e pública e até práticas de legalidade diferente (casamento, vínculo familiar, sucessão, iniciação, gastronomia e saúde).
Do mesmo modo, é fácil ver a defesa da habitação integrada, de populações misturadas, sem distinção de comunidades de acordo com as origens e as etnias. Ou ver os que favorecem a diferenciação de bairros e de habitação em geral. Em poucas palavras, o urbanismo integrado e miscigenado em oposição ao urbanismo multicultural e separado.
As que precedem são opções simples que encontramos todos os dias. Vêm muitas vezes recheadas de argumentos contundentes. Os que receiam a imigração insurgem-se contra os respectivos perigos alegados: mais criminalidade, mais violência, mais droga, mais fuga ao fisco e incumprimento das leis. Em contraste, há os que defendem a imigração, demonstram que as suas comunidades respeitam as leis, pagam impostos, dão lucros à Segurança Social, criam emprego, trabalham onde falta mão de obra, executam as tarefas que os residentes não querem levar a cabo e sobretudo garantem a renovação das gerações graças à natalidade superior.
Elevando um pouco o debate, é usual encontrar argumentos relativos à história, à civilização e à natureza da comunidade. Muitos reagem contra a imigração pelo que esta representa como adulteração dos valores nacionais, das crenças históricas, das tradições que fizeram um país, uma língua e uma pátria. Outros recusam pura e simplesmente este ponto de vista, garantindo que Portugal e o povo português são o resultado de permanente mistura, da contribuição de vários povos e diversas origens e da constante mistura de nacionalidades e tradições.
Por mais difíceis que sejam os termos destes debates, saúda-se que estes tenham lugar agora. Mesmo se ríspidos e belicosos, mesmo se recheados de preconceitos, saúda-se o facto de se estar a discutir algo de importante. A definição do que é Portugal, do que é um povo e do que é uma cultura é bem mais relevante do que se pode pensar. Até certo ponto, os termos que se debatem fazem parte dos fundamentos da liberdade. O conhecimento de si próprio, tão isento quanto possível de preconceitos, é condição para delinear a liberdade e a autonomia de si próprio.
Nenhum destes problemas é exclusivamente português. Com excepção das ditaduras, todo o mundo vive hoje sob o signo das migrações, resultado dos desequilíbrios e das desigualdades demográficas, sociais e económicas. Portugal pode revelar traços próprios, como, por exemplo, a simultaneidade da partida de dezenas de milhares de emigrantes e da chegada de dezenas de milhares de imigrantes, mas na verdade partilha com tantos outros países condições sociais e demográficas semelhantes. Além disso, Portugal faz parte de um conjunto político que se transforma todos os dias em tecido social, económico e cultural feito de interdependência. Em certo sentido, as migrações portuguesas já não são problemas portugueses, são a versão portuguesa de questões europeias e internacionais. Por outras palavras, não é razoável pensar que se pode tratar da questão das migrações exclusivamente numa perspectiva portuguesa. A não ser que o país deixe a União Europeia, feche as suas fronteiras e estabeleça uma ditadura.
Sendo assim, qual a solução mais razoável? Gerir o dia a dia e ir com a corrente, ou tentar fazer uma política própria, só nacional? A verdade estará algures a meio caminho, entre a afirmação de vontades nacionais e a partilha de destinos e políticas com os nossos parceiros. Por isso se saúda a actualidade do tema e da discussão, mesmo se o Governo e os partidos estejam mais preocupados com as percepções, as impressões e as consequências eleitorais. Uma coisa é certa: deixar correr e permitir avolumar-se o mal-estar das migrações é um erro catastrófico. Tal como é um engano monumental pretender tratar destes problemas apenas numa óptica nacional.
Mas mesmo isso tem de ser uma decisão informada e soberana. Ela própria uma decisão nacional e livre.
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Público, 16.8.2025
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