Chamam-lhes movimentos tribais. Reflexos
ou populismo de tribo. Também há quem diga fanatismo e respectivas hordas ou
mesmo fanatismo nacionalista. Os mais específicos falarão de supremacia branca,
de racismo e de xenofobia. Eis umas tantas designações correntes para estes fenómenos
actuais ou ódios contemporâneos. Estes termos parecem estranhamente empenhados
em denunciar comportamentos brancos, de preferência europeus e americanos.
Todos eles com inimigos declarados: negros, árabes, indianos e chineses e ainda
uns acrescentos de muçulmanos, ciganos, romenos e outros imigrantes.
Acontece que estes comportamentos
e estes valores, reais e detestáveis, não são únicos e são exactamente iguais a
outros, simétricos e também detestáveis, de negros, árabes e indianos, contra
os brancos e mesmo uns contra os outros. E todos se parecem com outros, não
menos tribais, não menos fanáticos e também totalmente detestáveis: os das
claques desportivas, das ideologias partidárias e dos ódios de classe…
Lamentavelmente, há sempre duas
medidas. Se o racismo for dos brancos, dos cristãos e dos europeus, não tem perdão.
Se for dos negros, dos muçulmanos e dos africanos, tem desculpas.
Se a xenofobia for prática
corrente de brancos, europeus e cristãos, trata-se de odiosa forma de estar no
mundo, de despotismo de exploradores e de intolerável egoísmo. Se for a rotina
de negros, índios, Indianos, chineses, árabes e ciganos, são as reacções
naturais de defesa e da dignidade.
Se o tribalismo for de partidos
políticos ou de classes sociais, é forma superior de consciência de classes e
de empenho cívico. Mas se for de nação ou região, é a deriva fascista e o
populismo soberanista opressor.
Verdade é que os ódios do tempo
presente têm estas formas de se exprimir. Umas são desculpadas pelas modas,
outras não, mas todas igualmente destruidoras da razão. No Parlamento, a ira, a
falta de cortesia e a agressividade são semelhantes às que se exprimem no
estádio de futebol. Está em vigor o princípio segundo o qual o radicalismo
adversário é fonte de orgulho e de razão. Quando é exactamente o contrário. A
agressividade e a hostilidade adversária são estéreis, destinadas a regimentar
e não a fundamentar. Diz-se que a ruptura entre esquerda e direita salva a democracia
e clarifica argumentos. Nada mais enganador. Em todos os momentos difíceis da
vida de um país, foi necessário fazer convergir esforços e razões. Na vida
política e social da democracia, a ruptura não é saudável. Quando acontece,
vencem a revolução, o caos, a ditadura e a corrupção.
São os reflexos condicionados que
fazem com que se julgue a corrupção com dois pesos. Se for da direita, da
banca, das grandes famílias, das empresas e dos patrões, é excelente ou
inexistente para a direita, mas péssima e condenável para a esquerda. Mas, se
for da esquerda, dos socialistas, dos comunistas e aparentados, ou não existe
ou tem perdão por ser popular, mas péssima e pecaminosa para a direita. Ambas,
esquerda e direita, consideram que a única corrupção com direito à existência é
a sua própria. Ambas só têm olhos para a corrupção da outra.
Diz-se hoje que a corrupção é de
classe e o terrorismo é político. Ora, cada vez mais se percebe que não têm cor
nem ideologia, que a esquerda é tão corrupta quanto a direita, que a esquerda
recorre tanto ao terrorismo quanto a direita. O terrorismo e a corrupção já não
têm ideologia, nem classe, nem política, nem filosofia, nem desculpa! São os
ódios do tempo presente. São os inimigos das liberdades e dos direitos dos
cidadãos.
Certos estilos de governo e
alguns géneros de liderança são também objectos destes dois pesos. Putin,
Trump, Fujimori, Chavez, Maduro, Lula, Berlusconi ou Sócrates: bons exemplos do
modo como gestos iguais, estilos semelhantes e métodos afins têm uma valoração
moral e uma classificação política muito diferentes. Na política, como na
guerra. Ou como na banca e nos estádios. O princípio é simples: os meus
favoritos podem mentir e roubar; podem enganar e trair; podem matar e destruir:
o que lhes peço é que sejam eficientes e destruam os adversários. E que o
árbitro não veja.
DN, 15 de Abril de
2018
2 comentários:
Voltaire escreveu que "Um fanático é pior do que um velhaco" - explicando que, ao invés do que sucede com aquele, com este ainda se pode conversar e até discutir...
.
O que sucede é que um fanático é tão cego que nem sequer percebe que o é.
Essas pessoas, dantes irritavam-me. Hoje, limito-me a afastar-me delas.
Haver dois pesos e duas medidas é de um egocentrismo que não nos deixa avançar. A nossa eterna mania de termos sempre razão.
Enviar um comentário