sábado, 26 de abril de 2025

Grande Angular - O 25 de Abril cumpriu-se

 A pergunta é muito frequente: “O 25 de Abril cumpriu-se?”. A resposta é clara: sim! A frase é muito repetida: “O 25 de Abril não se cumpriu!”. O comentário é simples: Sim, cumpriu-se! Outra frase é parecida: “Falta cumprir o 25 de Abril!”. Não, não é verdade, não falta cumprir o 25 de Abril. Uma frase é também curiosa: “É preciso outro 25 de Abril!”. Não, não é preciso. Nem é possível. Está feito. Sem esquecer a frase mais dramática, diante de qualquer desastre, atraso, incompetência, injustiça ou pobreza: “Foi para isto que se fez o 25 de Abril?”. Não, não foi para “isso” que se fez o 25 de Abril, foi para permitir a liberdade dos portugueses.  E lembrando também a sua versão mais vaidosa, reservada a certas pessoas: “Não foi para isto que fizemos o 25 de Abril!”. Sim, foi para isso que fizeram o 25 de Abril, isto é, foi para o mal e o bem, a glória e a miséria, o erro e a bondade.

 

O 25 de Abril cumpriu-se porque, nessa data e graças ao que imediatamente se seguiu, os presos políticos foram libertados, as polícias políticas foram extintas, criaram-se partidos políticos, os sindicatos ficaram independentes do Estado, viveram-se as liberdades mesmo antes das respectivas leis, a Censura foi extinta, as guerras nas colónias cessaram, os deportados e refugiados no estrangeiro regressaram, passaram a editar-se jornais e livros sem censura, rádio e televisão fizeram-se sem exame prévio, convocaram-se eleições, elegeu-se uma Assembleia Constituinte e, pouco depois, elegeu-se o Presidente da República e o Parlamento livre. Cumprido este “caderno de encargos”, que não é pequeno nem fácil, o 25 de Abril terminou. Começou então o processo histórico político e social, com cidadãos a escolher e decidir, com eleitores a designar partidos e a dar-lhes poder para os representar.

 

Os militares fizeram o 25 de Abril, derrubaram um governo e um regime, terminaram com a guerra, exageraram na revolução política e social, correram riscos, dividiram-se, quase chegaram à guerra civil, uns deixaram-se tentar pela revolução social, outros reagiram, salvaram a democracia, garantiram a liberdade e retiraram-se da vida política (na verdade, foram despedidos pelos políticos de modo muito discutível…). Naquele tempo, os militares foram os principais responsáveis pelos acontecimentos mais marcantes.

 

Foram as eleições que deram os argumentos essenciais para a democracia que se seguiu. Foi graças a estas que os portugueses escolheram os seus representantes, as instituições e as políticas. O 25 de Abril permitiu as eleições, não as fez, quem as fez foram os portugueses, os partidos e os eleitores. Quem as permitiu foram os militares. Os civis colaboraram, influenciaram, participaram, acabaram por ganhar gradualmente poder de decisão e protagonismo, graças à retirada dos militares da cena política e das instituições. Já estava longe o 25 de Abril e lentamente os civis, com as decisões dos portugueses, escolheram a Constituição, organizaram o regime, elegeram os governantes e os representantes.

 

O notável esforço que se seguiu, nas obras, nas estradas, nas infra-estruturas colectivas, na protecção social, na educação, na saúde, na cultura, nas empresas e nas relações laborais foi obra de escolhas, de luta política, de combate ideológico, não foi obra do 25 de Abril, nem dos militares, muito menos dos grupos de civis que tentaram apoderar-se do Estado e do poder sob pretexto do 25 de Abril.

 

Os erros e disparates cometidos depois do 25 de Abril, a começar pela descolonização, pelas nacionalizações abrutalhadas e pelas ocupações de empresas, casas e herdades, não foram obra do 25 de Abril, foram, isso sim, feitos de homens e mulheres, de autoridades, de políticos, de eleitores e de nós todos que decidimos e escolhemos.

 

O 25 de Abril não tem herdeiros, nem legatários. Não tem testamenteiros nem proprietários. Não há fiscais do cumprimento do 25 de Abril. Não há sacerdotes da fidelidade aos princípios do 25 de Abril.

 

O 25 de Abril não pode servir como desculpa ou pretexto para todas as ideias políticas e sociais, para as injustiças e incompetências. O 25 de Abril não é culpado pelo mal que se fez, nem responsável pelo bem que se realizou.

 

O 25 de Abril não tem culpa do crescente desinteresse do Estado pelos serviços públicos. Isto é, não é por causa dele que os políticos e os partidos, sobretudo o PS e o PSD, deixaram a Justiça degradar-se e o SNS declinar.

 

O 25 de Abril não tem culpa na descolonização mal feita nem no tratamento infame infligido aos repatriados e retornados.

 

            O 25 de Abril não provocou a emigração de centenas de milhares de portugueses, nem a imigração de centenas de milhares de estrangeiros.

 

O 25 de Abril não é responsável pela permanente instabilidade das instituições políticas, pela sucessão de eleições antecipadas nem pelas repetidas dissoluções do Parlamento.

 

O 25 de Abril não é o autor nem o responsável pela persistência, na sociedade portuguesa, da corrupção, do favoritismo das cunhas e do nepotismo.

 

O 25 de Abril não tem responsabilidades no crescimento da mais forte corrente de demagogia que Portugal conheceu nos últimos vinte ou trinta anos e que é protagonizada pelo partido Chega…

 

Desde 1974, Portugal mudou muito. Bem e mal. Em muitos aspectos, progrediu e melhorou. Noutros, atrasou-se e marcou passo. O conforto e o bem-estar da população são incomparavelmente superiores. Mas a desigualdade e a pobreza persistem. Desapareceu o analfabetismo, mas a qualidade dos estudos, dos conhecimentos e da cultura deixam a desejar. Aumentaram muitíssimo a esperança de vida e o envelhecimento, mas nunca a natalidade esteve tão baixa e a má sorte dos idosos é chocante. Deixaram a agricultura centenas de milhares de portugueses e as cidades cresceram significativamente, mas a qualidade da vida urbana é medíocre e o cuidado pela lavoura e pelo campo desaparece. Houve enorme progresso tecnológico nas actividades produtivas e na vida quotidiana, mas as produções nacionais, tanto industriais como agrícolas, definham. As actividades culturais crescem por todo o pais, mas é enorme o escândalo da ruína do património cultural português. Há saúde para todos, mas quase dois milhões de pessoas não têm médico de família e as filas de espera por actos médicos são incomensuráveis.

 

De tudo o que precede, bem e mal, o 25 de Abril não é culpado nem responsável. Do que aqui consta e muito mais, os únicos responsáveis são os portugueses, as suas escolhas, as suas decisões. E é assim que deve ser.

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Público, 26.4.2025

sábado, 19 de abril de 2025

Grande Angular - Problemas complexos, soluções simples

 O fantasma do Bloco Central atemoriza a política. Aterroriza grande parte de eleitores. E faz tremer todos os partidos políticos. Os pequenos, em geral, porque assim seriam excluídos. Os pequenos de esquerda, em particular, porque seriam afastados da frente unida. Os pequenos de direita, do mesmo modo, porque não haveria aliança nacional. O PS e o PSD, pela simples razão de que aspiram a ser maioritários e ficar sozinhos.

 

Por outro lado, divulgada pelos partidos e pela comunicação social, há a má reputação do Bloco Central (e, acessoriamente, das coligações de governo). Isto é, o Bloco Central é alfobre de defeitos. Em primeiro lugar, o nepotismo e a corrupção. Coligados, os dois principais partidos dividem entre si lugares e distribuem-se alvarás e autorizações. Rateiam projectos entre os seus simpatizantes. Recompensam os financiadores dos respectivos partidos. E adjudicam, com generosa mão, os autores dos grandes projectos europeus. Segundo dizem os seus detractores, haverá, a dois, mais corrupção, do que com um partido sozinho. Juntos, serão cúmplices, dizem. Nenhum fica fora para denunciar. Ambos estão dentro para partilhar. Não se percebe muito bem esta hipótese de dois serem mais corruptos do que um. Na verdade, dois podem vigiar-se, enquanto um só não se sente sequer moderado nas suas tentações.

 

Por outro lado, o Bloco Central destruiria a capacidade democrática de afrontamento de ideias, de acordo com as doutrinas e as raízes sociais de cada partido. Com este apagamento da diferença, perde-se uma das mais importantes riquezas da democracia que é justamente a diversidade e a diferença. Isto seria verdade se uma coligação não fosse temporária e se não respeitasse o que cada partido pensa e pretende. Uma coligação é um compromisso, não é uma conversão.

 

Outro argumento, entre os mais importantes, é o do espaço deixado livre para o crescimento dos extremos, designadamente da extrema-direita. Um Bloco Central descaracteriza, em simultâneo, a esquerda e a direita moderadas, permitindo que as extremas cresçam. Na actualidade, este é, sem dúvida, o argumento mais frequente. Se o PS e o PSD voltassem a criar um Bloco Central, de imediato o Bloco de Esquerda, o Livre e o PCP ocupariam toda a esquerda. E, do outro lado, o Chega teria assim espaço e oportunidade para crescer e ameaçar a democracia moderada. Com o Bloco Central, dizem, o fascismo e os populismos estariam mais próximos.

 

Este argumento é o mais fantasmagórico de todos. Não resiste a qualquer demonstração. Se esse governo for bom, governar bem e incluir ministros competentes e sérios, não se vê por que diabo a extrema-direita iria crescer. Se tal governo não for corrupto, for ao mesmo tempo determinado e democrático e saiba ouvir as populações e sentir as suas necessidades, não há espaço para extremos, para partidos radicais nem para partidos populistas. Se, pelo contrário, for corrupto, não souber governar, não ouça a população, favoreça minorias, proteja os favorecidos e não seja justo, então sim, há razões para despedir esse governo de coligação ou de Bloco Central. Na verdade, o que precede aplica-se a qualquer governo de minoria ou maioria, com ou sem coligação.

 

Todo o sistema político português foi concebido em obediência a vários princípios, o que é natural, mas também a uma espécie de fobia da representatividade e de governos de maioria parlamentar, com ou sem coligação. Tudo parece ter sido feito, nos costumes, nas leis eleitorais e nas regras constitucionais, para promover os governos de minoria. Por exemplo, os governos e os respectivos programas não têm de ser obrigatoriamente aprovados pelo Parlamento. Os governos minoritários parecem protegidos e os maioritários temidos. Aprovar planos e orçamentos sem maioria efectiva, mas com faltas de deputados ou simplesmente abstenções, é outro dos truques inventados para facilitar a vida das minorias, para tornar desnecessárias as negociações a sério, para arredar a necessidade de governos de maioria e programa. Votar moções de censura e de confiança por reflexo condicionado, aprovar programas de governo por determinação partidária e nada ter a dizer sobre importantes nomeações e designações de altos funcionários são características do nosso Parlamento. A história das últimas moções de censura e de confiança, assim como da abortada criação de uma comissão de inquérito, é bem o testemunho das deficiências da nossa prática parlamentar. Diz-se que o nosso sistema foi inventado para defender a estabilidade e a governabilidade. Possível. A verdade é que faz exactamente o contrário: promove a instabilidade.

 

Mais do que um Bloco Central, o que, muitas vezes, parece útil e necessário é uma maioria parlamentar e um governo de coligação. Isto é, um governo de maioria e com voto positivo favorável. O resto são “arranjinhos” sem significado e que denotam logo oportunismo e segundas intenções. São de desconfiar todos os arranjos para evitar os acordos, as regras transparentes e as intenções claras.

 

As coligações são, por definição, temporárias. São de curta duração, uma legislatura, por exemplo. Durante períodos de necessidade, uma coligação, ou um Bloco Central, com programa e acordo, encontra compromissos para as questões de oposição e conflito, promovendo pelo contrário os temas de entendimento. As coligações são geralmente soluções de necessidade e de duração limitada, dependem dos problemas, dos protagonistas e da conjuntura.

 

As coligações têm ainda, podem ter, uma consequência importante, inestimável mesmo, para Portugal. Consiste na importância acrescida do Parlamento, da actividade parlamentar, da negociação e do debate. O que, em Portugal, não é de desprezar. Na verdade, há anos e décadas que o Parlamento perde importância, qualidade e competências. E não é só ou não é sobretudo por causa dos vencimentos dos deputados. É muito mais. Os deputados sentem e sabem que não têm poderes próprios. Não têm funções autónomas. Não são verdadeiramente eleitos pelos cidadãos, são designados pelos chefes do partido. Deles, pouco ou nada depende. Estão conscientes de que dependem do Governo e o Governo não depende deles.

 

Há regras tão simples que tanto podem ajudar a democracia! Aprovar positivamente um governo com a maioria dos deputados eleitos. Aprovar orçamentos da mesma maneira, sem os artifícios das abstenções. As próximas eleições vão provavelmente pôr à prova os partidos. É possível que a questão da coligação e do Bloco Central seja crucial. Esperemos.

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Público, 19.4.2025

sábado, 12 de abril de 2025

Grande Angular - O mal-amado

 Tem alcunha que ficou mal na história: o “Bloco Central”. Só houve um, com este nome, liderado por Mário Soares e Mota Pinto. PS e o PSD juntos! Numa situação política e financeiramente muito difícil, com taxas de inflação perto dos 30%, iniciou funções em Junho de 1983, terminou em Novembro de 1985. Era Presidente da República o General Ramalho Eanes. Durante o mandato deste governo foi assinado o tratado de adesão de Portugal à União Europeia (então Comunidade Económica Europeia, CEE) e que foi recuperado o equilíbrio das contas públicas, graças a uma das mais severas disciplinas de austeridade que Portugal conheceu. O fim do Bloco foi ditado e acelerado por Cavaco Silva que, tendo vencido as eleições do PSD, quis tomar conta do seu partido e redesenhar nova estratégia. Em particular, preparar as eleições presidenciais de 1986, que viriam a ter como principais protagonistas Mário Soares, Freitas do Amaral, Salgado Zenha e Maria de Lurdes Pintasilgo. As novas eleições legislativas, de Outubro de 1985, dão a vitória ao PSD, com 29% dos votos, formando-se assim um dos mais famosos governos minoritários, que durou até Julho de 1987, tendo depois o PSD de Cavaco Silva obtido a maioria absoluta. A esquerda detestou o Bloco, pois confirmava a exclusão dos comunistas do governo. A direita odiou o Bloco: mostrava os seus limites e a necessidade do PS. O PS abominou o Bloco: assim, tinha de partilhar os despojos. O PSD excomungou o Bloco: era um instrumento de submissão ao PS e um travão às suas ambições hegemónicas.

 

O governo do Bloco Central teve excelente e péssima actuação. Com notáveis resultados nas finanças, na economia, nos negócios estrangeiros e na Europa. Também teve má “prestação” em vários sectores, com relevo para a divisão de empregos entre os dois partidos. A partilha era prática generalizada. Foi um dos momentos em que mais se afirmou a ideia de que uma vitória eleitoral confere direitos de propriedade de instituições, de autorizações e de licenciamentos. No conjunto do seu mandato, este Bloco foi mais útil do que prejudicial ao país.

 

O problema é que a tradição marialva dos partidos e os seus apetites não têm limites: cada um prefere sempre tudo só para si. É verdade que a partilha entre dois é péssima, mas é certo que a alternativa é a do monopólio de um só partido. O que não é uma maneira particularmente brilhante e honesta de lutar contra o favoritismo e a corrupção. A luta contra estas depende muito mais das instituições, da liberdade de imprensa independente e da Justiça do que dos partidos.

 

Parece indiscutível que a maioria de um só partido ou de uma coligação pré-eleitoral é a solução ideal. Tem coesão e solidez doutrinária. Pode ganhar tempo e eficácia na execução das suas políticas. Escapa a “arranjos” de ocasião e à chantagem. O eleitorado vê mais claro em quem vota, a quem pede responsabilidades e quem merece recompensa ou castigo. O problema, todavia, é que esses tempos parecem estar cada vez mais distantes. Para um só partido, chegar, nos tempos que correm, aos mais de 40% ou até 50%, é feito quase impossível. E a sorte dos governos minoritários tem sido medíocre para o país, provavelmente também para o partido.

 

Em tempos de instabilidade, de incerteza e de alta probabilidade de crise e conflito, recomenda-se a criação de governos maioritários. Com apoio parlamentar seguro. Com base eleitoral indiscutível. Hoje, vivemos um dos momentos de maior risco que conhecemos no nosso país e na Europa. A política fragmentou-se. A guerra instalou-se na Europa e no Próximo-Oriente. A guerra comercial desenvolve-se. Milhões de imigrantes vagueiam pelo mundo. As alianças internacionais estão quase todas desfeitas ou em substituição. Os Estados Unidos, a China e a Rússia são muito bem capazes de conduzir o mundo à beira da guerra ou de enorme crise económica e social. A conjuntura internacional é a mais ameaçadora que se possa imaginar.

 

Do ponto de vista nacional, os sinais de optimismo são quase inexistentes. Pelo contrário, os riscos são enormes. Portugal não tem dimensão para influenciar o mundo, nem sequer os seus aliados, mas tem o dever de proteger o melhor que pode os seus cidadãos. As autoridades nacionais têm a obrigação de tudo fazer para cuidar do seu povo. Ora, muitas das tarefas necessárias a alcançar esses fins exigem força política, estabilidade e apoio alargado dos políticos, da sociedade e do eleitorado. A indispensável reformulação da política de defesa nacional e de organização das Forças Armadas não se faz com governos minoritários. O estudo e a preparação de reformas constitucionais ou de organização do Estado, incluindo a descentralização e a Justiça, só podem ser realizados com a participação alargada da sociedade. A profunda reorganização do Serviço Nacional de Saúde requer vasto apoio. A definição e a prática de novas políticas de população e migrações só podem ser levadas a cabo com um enorme envolvimento das forças políticas e sociais. Se desejamos que o que precede seja feito em democracia e no respeito pelas liberdades e pelos direitos humanos, só governos maioritários, com alargado apoio, poderão dar conta do recado.

            

            Ora, um dos maiores inimigos dos governos maioritários (cada vez mais raros e difíceis com um só partido) são as impossibilidades criadas pelos próprios partidos para se aliarem, se coligarem ou se entenderem antes ou depois das eleições. Faltam poucas semanas para irmos a votos. Seria agora a boa altura de exigir dos partidos que digam ao que vêm. Só governam sozinhos? Estão dispostos a coligações ou alianças? Aceitam fazer governos de associação entre dois ou mais partidos? Aceitam governar sem apoio parlamentar? Estão disponíveis para coligações e alianças quer sejam o mais votado ou não? Com quem encaram faze governo, caso queiram fazer uma maioria? Aliança de esquerda? Bloco Central? Aliança de direita?

 

            A tradição é os partidos nada dizerem, porque assim, pensam, admitiriam a hipótese de perder. Mais ainda, alguns insistem em dizer que nunca governarão com A ou com B, ou com quem quer que seja. Bom, vitorioso e sectário é dizer previamente que só governa sozinho, que não governa com outros, que nunca governarão em submissão a outros, com mais ou menos votos. Noutras palavras, o que é bom é queimar hipóteses, negar associações e recusar sacrifícios. Mesmo que seja para bem dos portugueses e da liberdade.

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Público, 12.4.2025

terça-feira, 8 de abril de 2025

sábado, 5 de abril de 2025

Grande Angular - Dias difíceis, Tempos férteis

 É possível pensar o pior dos tempos que vivemos. Há eleições a mais ou sem resultados que permitam viver melhor. Há hostilidade entre os partidos, mais do que seria normal em democracia. Assim como há dissensão dentro dos partidos, o que acaba sempre por ter maus resultados no país e na sociedade. Os adiamentos de grandes projectos e obras importantes, como a reserva de água, a florestação e a rede ferroviária, já custam muito caro e vão-se transformando em pesadelo. As grandes reformas, como as da Justiça e da Saúde, estão novamente adiadas, mais difíceis e mais caras.

 

Para algumas crises estruturais, parece não haver cuidado, saber e meios. São os casos do envelhecimento, da emigração de jovens qualificados, da quebra da natalidade e da imigração descontrolada. Alguns grandes problemas que partilhamos com os nossos amigos e aliados, como a defesa e a energia, esperam, em vão, pensamento, estudo e determinação. A seriedade e a gravidade das questões internacionais não deixam ninguém indiferente, com a certeza de que, sozinhos, nada podemos fazer, a não ser prepararmo-nos para as consequências. É difícil imaginar, com realismo, o que vai acontecer no Próximo Oriente, na Ucrânia, no comércio internacional, na coesão europeia, na NATO e nos confrontos entre os Estados Unidos e a China e entre o Ocidente e a Rússia. Tudo o que precede é já uma ameaça contra a paz e a democracia.

 

Temos vindo a perder meios e oportunidades. A incapacidade de fazer acordos, mesmo temporários, só tem tido más consequências, a começar pelo descrédito na democracia. Os principais partidos persistem em não perceber que os seus interesses deixaram de ser só seus. Não se prontificam a algum pensamento comum, a uma certa negociação que os leve a trabalhar em cooperação. 

 

Ainda há meios disponíveis para acudir, como os financiamentos previstos e prometidos para Portugal. A economia portuguesa parece ter reagido melhor do que se receava, até agora. Ainda há um presidente pronto a colaborar. Há vários candidatos a Presidente com currículo e provas dadas. Apesar do chauvinismo existente dentro do PS e do PSD, há, nestes dois partidos, algumas pessoas com sensatez e uma visão realista. Não parece que as ameaças populistas, desordeiras e caóticas sejam já tão fortes e inevitáveis que nada as faça recuar ou desaparecer.

 

Há quem pense que a história foi e será escrita por outrem ou por outros. O futuro também. Que pouco ou nada depende dos homens e das mulheres, que depende das forças ocultas, das estruturas e dos sistemas. Ou dos determinismos. Tal não é verdade. Depende de nós e dos outros. Depende das nossas escolhas. Da nossa vontade ou da falta dela. Além disso, muito depende das escolhas e decisões feitas e tomadas por gente concreta, homens e mulheres que decidem, que representam outros e que exercem as suas funções e o seu poder. Essas pessoas, esses dirigentes e esses representantes influenciam e desenham o futuro, parte dele em todo o caso. Deles dependerá muito já este ano, no próximo ano e na próxima década.

 

Raramente, como agora, três eleições são feitas com tanta ligação entre elas, numa tão curta sequência. Uma assembleia legislativa, um governo, mais de trezentas câmaras e de três mil freguesias e um Presidente da República estarão eleitos em menos de um ano. É possível que as discussões nacionais estejam ligadas, que muitas pessoas sintam que estão a trabalhar para o mesmo país e para um futuro idêntico. É provável que as escolhas, nas várias eleições, sejam produtos das mesmas preocupações e das mesmas visões do futuro. Destas eleições podem sair representantes e autoridades com as mesmas noções de responsabilidade. É possível que destas eleições resultem meios e instrumentos de serviço, de reforma e de progresso. Se houver um número suficiente de eleitos com real sentido do dever e do momento histórico que vivemos, então sim, nessas circunstâncias há lugar para alguma confiança. Se o número de eleitos afectos à causa pública e à democracia for suficiente para que se chegue a acordos e a projectos comuns, a objectivos parecidos e a um programa de futuro imediato capaz de evitar o desastre, então sim, vale a pena confiar. Trabalhar por isso e para isso. O que não exclui diferença e debate. Não há nada melhor do que um debate livre em democracia. Não há nada pior do que o sectarismo fanático em democracia. Assim, será possível. 

 

Ou não. Se todas estas eleições repetirem o que actualmente está nas cartas, a dissensão e a hostilidade, a fragmentação e a rivalidade marialva, então não, o progresso não será possível e os portugueses podem preparar-se para anos piores. Se os eleitos e os partidos tiverem como essencial preocupação a sua eleição, os seus poderes, a oposição aos rivais, a competição demagógica e a ganância em estado puro, não, estas eleições nada conseguirão compor, antes pelo contrário, tudo poderão estragar ainda mais. Se os autarcas, os deputados, os governantes e o presidente eleitos, dentro de um ano, acreditarem que todos são da mesma espécie de profissionais da voracidade e da avidez, o bem comum será uma vez mais empobrecido e as oportunidades desaproveitadas. Se a maior parte dos eleitos durante este ano de perigo e de incerteza continuar a acreditar que o seu interesse pessoal, de partido, de família e de empresa é o de ganhar para si e fazer perder o outro, nada ganharemos com estas eleições, a não ser mais desordem, mais desprezo pela democracia, mais corrupção e eventualmente mais pobreza. 

 

Aos próximos eleitos, não vale a pena exigir machismo, palavreado vaidoso e ataques hostis, tudo isso fará ainda mais difícil e caótico o futuro imediato. Também não é com planos minuciosamente elaborados, mas sem humanidade, sem gente que os faça viver e sem capacidade de atracção e envolvimento que se fará qualquer coisa de útil para o país. Aos próximos eleitos vai exigir-se sobretudo capacidade de reconhecimento dos cidadãos, possibilidade de com estes se identificarem e aptidão para forjar os meios de aliança e coligação suficientes para os próximos anos. As próximas ameaças contra a nossa liberdade, no futuro imediato, não são os fascistas irrequietos, os populistas irresponsáveis, os esquerdistas sectários e os fanáticos de todas as espécies. As principais ameaças contra a nossa liberdade serão, no imediato, os gananciosos, os maníacos partidários e os intolerantes.

 

Não é o progresso, o crescimento e o bem público que trazem o bom governo, as boas instituições e os bons políticos. É exactamente o contrário. São os bons políticos que trazem a prosperidade, o bem comum e o desenvolvimento.

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Público, 5.4.2025