É possível pensar o pior dos tempos que vivemos. Há eleições a mais ou sem resultados que permitam viver melhor. Há hostilidade entre os partidos, mais do que seria normal em democracia. Assim como há dissensão dentro dos partidos, o que acaba sempre por ter maus resultados no país e na sociedade. Os adiamentos de grandes projectos e obras importantes, como a reserva de água, a florestação e a rede ferroviária, já custam muito caro e vão-se transformando em pesadelo. As grandes reformas, como as da Justiça e da Saúde, estão novamente adiadas, mais difíceis e mais caras.
Para algumas crises estruturais, parece não haver cuidado, saber e meios. São os casos do envelhecimento, da emigração de jovens qualificados, da quebra da natalidade e da imigração descontrolada. Alguns grandes problemas que partilhamos com os nossos amigos e aliados, como a defesa e a energia, esperam, em vão, pensamento, estudo e determinação. A seriedade e a gravidade das questões internacionais não deixam ninguém indiferente, com a certeza de que, sozinhos, nada podemos fazer, a não ser prepararmo-nos para as consequências. É difícil imaginar, com realismo, o que vai acontecer no Próximo Oriente, na Ucrânia, no comércio internacional, na coesão europeia, na NATO e nos confrontos entre os Estados Unidos e a China e entre o Ocidente e a Rússia. Tudo o que precede é já uma ameaça contra a paz e a democracia.
Temos vindo a perder meios e oportunidades. A incapacidade de fazer acordos, mesmo temporários, só tem tido más consequências, a começar pelo descrédito na democracia. Os principais partidos persistem em não perceber que os seus interesses deixaram de ser só seus. Não se prontificam a algum pensamento comum, a uma certa negociação que os leve a trabalhar em cooperação.
Ainda há meios disponíveis para acudir, como os financiamentos previstos e prometidos para Portugal. A economia portuguesa parece ter reagido melhor do que se receava, até agora. Ainda há um presidente pronto a colaborar. Há vários candidatos a Presidente com currículo e provas dadas. Apesar do chauvinismo existente dentro do PS e do PSD, há, nestes dois partidos, algumas pessoas com sensatez e uma visão realista. Não parece que as ameaças populistas, desordeiras e caóticas sejam já tão fortes e inevitáveis que nada as faça recuar ou desaparecer.
Há quem pense que a história foi e será escrita por outrem ou por outros. O futuro também. Que pouco ou nada depende dos homens e das mulheres, que depende das forças ocultas, das estruturas e dos sistemas. Ou dos determinismos. Tal não é verdade. Depende de nós e dos outros. Depende das nossas escolhas. Da nossa vontade ou da falta dela. Além disso, muito depende das escolhas e decisões feitas e tomadas por gente concreta, homens e mulheres que decidem, que representam outros e que exercem as suas funções e o seu poder. Essas pessoas, esses dirigentes e esses representantes influenciam e desenham o futuro, parte dele em todo o caso. Deles dependerá muito já este ano, no próximo ano e na próxima década.
Raramente, como agora, três eleições são feitas com tanta ligação entre elas, numa tão curta sequência. Uma assembleia legislativa, um governo, mais de trezentas câmaras e de três mil freguesias e um Presidente da República estarão eleitos em menos de um ano. É possível que as discussões nacionais estejam ligadas, que muitas pessoas sintam que estão a trabalhar para o mesmo país e para um futuro idêntico. É provável que as escolhas, nas várias eleições, sejam produtos das mesmas preocupações e das mesmas visões do futuro. Destas eleições podem sair representantes e autoridades com as mesmas noções de responsabilidade. É possível que destas eleições resultem meios e instrumentos de serviço, de reforma e de progresso. Se houver um número suficiente de eleitos com real sentido do dever e do momento histórico que vivemos, então sim, nessas circunstâncias há lugar para alguma confiança. Se o número de eleitos afectos à causa pública e à democracia for suficiente para que se chegue a acordos e a projectos comuns, a objectivos parecidos e a um programa de futuro imediato capaz de evitar o desastre, então sim, vale a pena confiar. Trabalhar por isso e para isso. O que não exclui diferença e debate. Não há nada melhor do que um debate livre em democracia. Não há nada pior do que o sectarismo fanático em democracia. Assim, será possível.
Ou não. Se todas estas eleições repetirem o que actualmente está nas cartas, a dissensão e a hostilidade, a fragmentação e a rivalidade marialva, então não, o progresso não será possível e os portugueses podem preparar-se para anos piores. Se os eleitos e os partidos tiverem como essencial preocupação a sua eleição, os seus poderes, a oposição aos rivais, a competição demagógica e a ganância em estado puro, não, estas eleições nada conseguirão compor, antes pelo contrário, tudo poderão estragar ainda mais. Se os autarcas, os deputados, os governantes e o presidente eleitos, dentro de um ano, acreditarem que todos são da mesma espécie de profissionais da voracidade e da avidez, o bem comum será uma vez mais empobrecido e as oportunidades desaproveitadas. Se a maior parte dos eleitos durante este ano de perigo e de incerteza continuar a acreditar que o seu interesse pessoal, de partido, de família e de empresa é o de ganhar para si e fazer perder o outro, nada ganharemos com estas eleições, a não ser mais desordem, mais desprezo pela democracia, mais corrupção e eventualmente mais pobreza.
Aos próximos eleitos, não vale a pena exigir machismo, palavreado vaidoso e ataques hostis, tudo isso fará ainda mais difícil e caótico o futuro imediato. Também não é com planos minuciosamente elaborados, mas sem humanidade, sem gente que os faça viver e sem capacidade de atracção e envolvimento que se fará qualquer coisa de útil para o país. Aos próximos eleitos vai exigir-se sobretudo capacidade de reconhecimento dos cidadãos, possibilidade de com estes se identificarem e aptidão para forjar os meios de aliança e coligação suficientes para os próximos anos. As próximas ameaças contra a nossa liberdade, no futuro imediato, não são os fascistas irrequietos, os populistas irresponsáveis, os esquerdistas sectários e os fanáticos de todas as espécies. As principais ameaças contra a nossa liberdade serão, no imediato, os gananciosos, os maníacos partidários e os intolerantes.
Não é o progresso, o crescimento e o bem público que trazem o bom governo, as boas instituições e os bons políticos. É exactamente o contrário. São os bons políticos que trazem a prosperidade, o bem comum e o desenvolvimento.
.
Público, 5.4.2025
1 comentário:
A política como reality show sustentador de uma alcateia de canais, comentadores, locutores, jornalistas, blogues e redes sociais, vem sendo acolhida como missão primeira de partidos que haveriam de pensar o país e qualificar quem nele interviesse utilmente.
Não há tema que persista, não assunto que seja abordado do diagnóstico à solução efectiva.
A Justiça contribui com temas logo promovidos a escândalos, para serem abandonados a que se dê um 'tempo da justiça' que, por indefinido, se diz requerer uma reforma que tida por necessária não se conhece que alguém dela se ocupe.
Dos políticos quer-se vasculhar a sua vida profissional e pessoal, ficando sempre indefinido se esta deve ou não existir para além de uma acção política que se requer seja precária e mal remunerada.
Tudo para acompanhar com limites e desinteresse bastantes à preservação da sanidade mental.
Enviar um comentário