É sabido que a situação de Portugal é difícil. Já esteve pior. E já esteve mais fraca. Apesar de algumas boas notícias relativas aos últimos anos (sobretudo de carácter económico e financeiro), sabemos que as dificuldades são grandes. Agravadas por uma situação internacional e mundial ameaçadora, muito perigosa e que todos os dias causa ruína e morte. Dito isto, tudo indicava que as autoridades políticas vissem os problemas, percebessem que não há tempo a perder e se entendessem sobre uma linha de rumo. Não unânime, pois claro. Negociada, com certeza. Mas capaz de aguentar os próximos anos e de retirar o melhor possível do que temos. Assim é que se esperava, sinceramente quase toda a gente esperava um arranjo político, sério e honesto, que fosse capaz de garantir alguma estabilidade governativa, uma base de apoio com um módico de solidez e um denominador comum capaz de orientar o melhor o que está à nossa disposição. Por exemplo, finanças razoáveis. Uma economia internacional que ainda oferece algumas oportunidades. Meios nacionais e europeus pelo menos suficientes para suster um choque. E, apesar de alguma reserva de energia sindicalista e reivindicativa em certos sectores, uma disponibilidade segura da população para compreender um esforço colectivo. Desde que se percebam os objectivos, claro!
Em vez disso, temos de contar com expectativas estranhas e viciosas. A principal esperança do PSD e do Governo é que as coisas corram tão mal para as oposições, PS e partido do Chega, que tal seja um enriquecimento sem justa causa. A sua retórica é idiota: façam bem a oposição! Cumpram os seus deveres! É exactamente o contrário do que o Govenro espera.
A principal esperança do PS é que as coisas corram mal para o PSD e o Governo. E já agora também para o país. Se corressem bem, seria a sua tragédia. Seria a sua derrota. A retórica é simples: o Governo que cumpra o seu dever e governe bem. Exactamente o contrário do que pensa e espera.
A principal esperança do partido do Chega é que ninguém cumpra o seu dever, ninguém tenha qualquer espécie de bom resultado, que o Governo se mostre desastrado e que o PS se revele impotente. Deseja que haja mais corrupção e mais saneamentos. Que o governo não consiga aprovar leis e que o PS não aprove projectos.
Nos confins da Galáxia, a principal esperança das oposições de esquerda e extrema-esquerda é que a economia corra mal, assim como os serviços públicos e sociais, os que mais se fazem sentir. Com esperança que o governo fique à deriva e que o PS não perceba e não seja capaz de ter influência. Qualquer êxito do PSD, do PS e do Chega é uma derrota para as esquerdas.
De comum ao partido Chega e às esquerdas: que não haja aliança, nem coligação, nem entendimento entre o PSD e o PS. Claro?
O partido Chega espera que haja acidentes e incidentes com imigrantes. Confia no aumento do crime. Deseja ardentemente que as filas de espera nos hospitais não se resolvam, que os professores e os policias façam greve, que haja desordem na rua e que a corrupção cresça e se multiplique. Já percebeu que as suas únicas hipóteses são as que resultam de catástrofes nacionais.
O PS tem as suas melhores pessoas a fazer leis que distribuam dinheiro, pensões, reformas e subsídios. Para ganhar créditos e para obrigar o governo a dizer que não. Apesar das boas condições, o PS sabe que só o desastre do PSD e do Governo lhe voltam a dar votos.
Entretanto, no meio dos comuns mortais, exige-se rápida acção e urgente intervenção nas ruas das principais cidades do país, a começar por Lisboa e Porto, onde situações de miséria, sem abrigo, ilegalidade, indignidade humana e pobreza proliferam, sem controlo nem remédio. Volta a haver bairros da lata em Portugal. Lamenta-se a diminuta, inoperante, impotente ou nula atenção prestada às cidades portuguesas, ao absoluto declínio das ruas e das praças, ao esterco nas ruas, à habitação miserável, sobretudo a falta de habitação. Em vez de acção, temos direito a debates teóricos sobre a engenharia orçamental.
Esperava-se pronta intervenção no SNS donde chegam notícias alarmantes quanto a filas de espera, questões laborais e salariais e gestão das consultas e das cirurgias. Em vez disso, demite-se o seu director, sem motivos nem fundamentação.
Pensava-se que as guerras na Ucrânia e em Israel, a crescente ferocidade ameaçadora da Rússia, assim como as ameaças americanas de suspender a NATO já eram suficientes para que o debate da Defesa Nacional e das Forças Armadas estivesse no domínio público e preocupasse boa parte dos cidadãos, mas, em vez disso, tivemos, do Ministro da Defesa, a idiota proposta ou reflexão, se é que se pode chamar a isso uma reflexão, sobre as capacidades correctivas das forças armadas e sobre o seu papel na recuperação de delinquentes.
Esperava-se acção forte e destemida do Presidente da República relativamente às deficientes e agravadas condições de governação, sem maioria e com confusão de executivo e de legislativo. Em vez disso, tivemos o inútil, incompreensível e excêntrico apelo à reparação das malfeitorias portuguesas durante 500 anos.
Em vez de acudir ao que é urgente, empurram-se os partidos uns para cima dos outros. E tivemos direito a um dos maiores absurdos de história de Portugal, uma das maiores idiotias que só não é risível porque é indigna e dramática: a acusação de alta traição à Pátria feita ao Presidente da República pelo partido do Chega.
Na Administração Pública, começou mais uma série de movimentos telúricos dito enxurrada, fornada e saneamento. Na política portuguesa, tal ficou com um cognome: chama-se confiança política!
Para atacar as dificuldades, havia tudo, quase tudo. Meios, conhecimento, tempo e necessidade. Há uma situação económica e financeira melhor do que se pensava ou receava, há a possibilidade de, com coligação de esforços e de votos, reorientar para o investimento, melhorar a produção, aperfeiçoar o Estado social. Mas, em vez disso, temos uma querela de adolescentes malcriados para saber quem é culpado e quem é responsável pelas poupanças existentes, pelos subsídios distribuídos, pelos impostos aforrados…. Havia tudo. Há tudo. Só não há maioria parlamentar, nem esforço conjunto para governar.
É mentira, mas é conhecido: são os pobres que desperdiçam mais. Ou antes, é aos pobres que o desperdício faz mais falta!
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Público, 11.5.2024
2 comentários:
Chamam-lhe democracia, a este clamoroso hino à estupidez!
Sou outro José, o do costume.
O crime normalmente objecto de escuta ou envolve benefício financeiro ilícito ou acção política ilegítima, máxime terrorista.
Para o segundo caso, não vejo porque possa ser limitado o poder dos investigadores.
Para o primeiro há alternativas.
Recordo a reacção da esquerda quando o PPC obrigava vendedor e comprador a transacionar com NIF do comprador na factura!
Se o sistema a todos obrigasse a validar a despesa com rendimento líquido de imposto, teríamos a transparência máxima e a supervisão suprema.
Tudo se resume a equacionar os males toleráveis, entregues à discrição de gente de bem!
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