O governo precisa do nosso apoio. Tem entre mãos uma das piores crises da história de Portugal. E não sabe muito bem lidar com ela. Habituado à preocupação com a imagem, treinado para a propaganda e obcecado com as relações públicas, tem revelado insegurança, alguma incompetência e excessiva flutuação de pontos de vista. Vai buscar dinheiro à Europa, mas sabe que não chega e que apenas poderá ajudar a resolver problemas passageiros. Precisa de investimento privado nacional e estrangeiro. Precisa de investimento público. Precisa de sensatez das oposições. Muitos governantes, dirigentes e técnicos quase deixaram de ter vida pessoal, estão exaustos e deram o seu melhor. Só que o melhor não chegou. Precisam de apoio da população. Era bom que o merecessem, mas que precisam de apoio, ninguém duvida.
O Presidente precisa do nosso apoio. O que poderia ser, entre todos, o mandato mais alegre, festivo e afectuoso, transforma-se num pesadelo de fogos florestais e pandemia. De acordo com a Constituição e as leis, é ele a autoridade máxima do estado de urgência. Mas está sozinho. Sem partido. Sem organização. Sem movimento. Sem poder real. Sem meios nem instrumentos. Mas com enorme responsabilidade. E se tem muita influência, necessita de apoio para a transformar em poder real e em soluções práticas. Mas também necessita de apoio para evitar uma alteração dos poderes constitucionais e não se deixar cair em tentações.
O Parlamento precisa do nosso apoio. Está perdido em discussões aparentemente úteis, mas sem efeitos reais no combate à crise. Tem-se distraído com manobras de diversão destinadas a dar prova de vida. Cometeu a obscenidade de aprovar uma lei da eutanásia em plena crise, com milhares de mortos e dezenas de milhares de doentes. O Parlamento precisa de apoio para que esta sua lei insensata seja considerada inconstitucional. Ou que, pelo menos, distinga entre eutanásia e suicídio assistido ou entre vontade própria e decisão exterior. Os deputados precisam de apoio para transformarem o seu papel em acção eficaz, em impulso dado à sociedade e em representação efectiva e humanizada dos povos que os elegeram. Os deputados precisam do nosso apoio para perceberem que, se o perigo vem de fora, a fragilidade da democracia vem de dentro.
Os partidos de esquerda precisam do nosso apoio. Parecem perdidos em conjecturas, lutas e rivalidades. Especialistas em combate, estão pouco calhados para a construção. Acham que precisam do fascismo para sobreviver, que precisam do nazismo para ter uma justificação e que precisam das ditaduras de extrema-direita para terem uma razão de ser. Não precisam de nada disso. Precisam do nosso apoio para se sentirem mais seguros, mais dedicados aos problemas e aos povos e menos preocupados consigo próprios.
Os partidos da direita precisam do nosso apoio. Para perceberem que a sua vulnerabilidade pode ser fatal. Que a sua incompetência é dramática. Que é também da sua incapacidade que pode vir mal à democracia.
Os médicos e os enfermeiros precisam do nosso apoio. Tanto no SNS como nos hospitais privados, estão a viver o ano de uma vida, a crise de um século. Correndo eles próprios todos os riscos, chegaram à exaustão e ao fim das suas energias. E mesmo assim continuam. Já não é só profissão. Já não é só dever. Mais do que gratidão, precisam do nosso reconhecimento. Precisam do nosso apoio para continuar, por mais um ano, a dar tudo o que têm e não têm.
Os cuidadores de velhos e os voluntários que distribuem comida quente precisam do nosso apoio. Sem eles, nos lares ou a domicílio, nas ruas e nos bairros mais pobres, muitos teriam morrido de doença, fome e solidão. Precisam do nosso apoio porque nada ou quase nada receberam, a não ser mais trabalho e mais dor.
Os polícias, os militares, os guardas, os bombeiros e os condutores de ambulâncias precisam do nosso apoio. Sem ajudas logísticas suficientes, sem organização à altura, sem meios de urgência, com equipamento desadequado, sem treinos para as emergências, sem reconhecimento colectivo e público, todos eles precisam do nosso apoio. Devemos-lhes a segurança das nossas vidas.
Os juízes e os funcionários judiciais precisam do nosso apoio. Sem meios, com a falta de audiências presenciais, sem poder recorrer a julgamentos públicos, vítimas da desconfiança gerada por estranhas nomeações e sob o anátema dos obscuros e tortuosos grandes processos políticos, financeiros e de corrupção política, precisam do nosso apoio para prosseguir a sua actividade cada vez mais silenciosa e invisível, mas absolutamente indispensável.
Professores, docentes e educadores precisam do nosso apoio. Com ou sem alunos, com e sem aulas presenciais, com e sem computadores e sistemas, estes profissionais viveram um ano inesquecível de sofrimento e exaustão, de riscos e incertezas. São eles a quem se entregam os maiores valores das nossas vidas, os filhos. São eles os primeiros de quem nos queixamos quando a falta de meios, a desordem legislativa, a paranóia regulamentar, a enxurrada de directivas, a obsessão dos despachos normativos e a turbulência mental de um ministério desnorteado perturbam a nossa vida colectiva.
Os empregados dos supermercados e das mercearias, as brigadas de limpeza urbana, os funcionários das empresas de entrega a domicílio de toda a espécie de bens e os carteiros precisam do nosso apoio. São os empregados e trabalhadores dos sectores mais úteis e indispensáveis à nossa vida, nestas circunstâncias de confinamento. Precisam do nosso apoio porque foram também eles que nos mantiveram vivos durante este ano. Porque vamos continuar a precisar deles no próximo.
Os trabalhadores de milhares de empresas em perigo precisam do nosso apoio. Não só os trabalhadores, como também os patrões e os empresários. É indispensável que a economia não saia desta crise apenas com despojos de guerra e restos exauridos de organizações condenadas. Quase não há capital, quase não há esperança e quase não há energia para recomeçar. Precisam do nosso apoio sob todas as formas, públicas e privadas, com e sem reembolso, pois sem eles é o futuro que perdemos.
Desempregados, despedidos, em lay off, suspensos, à procura de emprego e pobres, todos precisam do nosso apoio. Quanto mais não seja para sobreviver. Precisam de apoios directos em dinheiro. De ajudas de todas a espécie, para sobreviver, para educar os filhos e para relançar obras e trabalhos depois das vacinas. Não é só a economia que necessita de dinheiro e de circulação, é a sociedade que necessita de compaixão.
Público, 13.3.2021
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