Por António Barreto
É provável que a saúde, em
Portugal, esteja à frente do progresso. A saúde e, em particular, o Serviço
Nacional de Saúde, vêm antes dos outros, educação, segurança social, justiça,
protecção civil e segurança, em eficácia e qualidade. A razão parece simples: é
o sector menos ideológico, menos submetido à polémica partidária, mais exposto
à opinião, influenciado pela ciência, aberto ao mundo e com superior
responsabilidade dos técnicos e cientistas.
O Serviço Nacional de Saúde é
justamente defendido por quase toda a gente. Há polémicas, desde o papel da
ADSE aos subsistemas, passando pela concorrência e pelo papel dos privados.
Isso é certo. Mas o papel essencial do SNS não é posto em causa. Partidos de
esquerda e de direita são convergentes, ninguém sugere a sua extinção. Mesmo se
o pensam, não o dizem. Ricos e pobres defendem o SNS. Utentes de unidades
públicas e das privadas defendem o SNS.
É verdade que há quem queira dominar
a medicina privada, limitando-a ou proibindo-a. Como há quem queira privatizar
a saúde pública. Mas não parece que estas opiniões tenham muitos seguidores,
nem sequer hipóteses de se concretizar, a não ser nas cabeças dos polemistas de
serviço nos partidos, nas ordens e nos sindicatos.
A actual agitação no universo da
saúde, especialmente pública, tem causas clássicas: carreiras profissionais,
vencimentos, horários, folgas… O habitual. Quando os profissionais falam em
qualidade dos cuidados, “para bem dos doentes”, estão evidentemente a usar eufemismos
para o que está em causa: as condições de trabalho. Mas existem também as
tentativas de intervenção dos partidos políticos, de esquerda e de direita, que
tentam perturbar o governo ou obter vantagens.
O problema novo é que parece que
a saúde está em crise. As dívidas estão descontroladas. Há talvez cinco ou dez
anos, a situação sanitária tem vindo a deteriorar-se. Menina de 15 anos, com
mais de 40 graus de febre, espera na urgência até seis horas para ser atendida.
Rapaz de quinze anos espera seis meses por cirurgia urgente. Senhora de setenta
fica deitada em maca, no corredor, durante três dias, para tratamento urgente. Medicamentos
em falta nas farmácias e nos hospitais. Os tempos de espera por consulta, exame,
análise e cirurgia aumentam. Estes casos não são literatura: são de pessoas
conhecidas que se dirigiram às urgências dos melhores hospitais públicos da sua
área de residência.
Que provoca a deterioração do
serviço? O número de profissionais parece não ser. Na verdade, o aumento de
médicos e de enfermeiros por habitante é constante há várias décadas: Portugal
era o último país da Europa em 1980 e é hoje um dos primeiros. Quebra de
qualidade e competência dos profissionais? Nada faz crer nisso. Situações
epidémicas graves? Não parece. Fuga dos bons profissionais públicos para as
entidades privadas? O argumento é puramente demagógico.
Sempre na esperança de que
estudos independentes possam dizer mais, tudo leva a crer que estejamos diante
de dois factores primordiais: baixa de financiamento e organização deficiente. Esta,
apesar dos enormes progressos registados nos últimos trinta anos, continua a
ser uma forte razão. Ineficiência que se traduz ou resulta da falta de
autonomia, do poder excessivo dos corpos profissionais, da confusão de funções,
da acumulação de vínculos em sectores privados e públicos e da falta de
recompensa para a gestão de mérito.
Mas a primeira razão parece mesmo
ser a da redução do financiamento. É verdade que a despesa com saúde, em
percentagem do PIB ou por habitante, tem descido. Parece estar agora em
recuperação, mas muito ligeira e lenta. Que será preciso para que se mantenha a
saúde no topo das prioridades? Com o máximo de controlo financeiro? Com o
mínimo de desperdício? Com um real esforço de eficácia social, isto é, uma
tentativa permanente de evitar que os menos afortunados e os mais pobres não
estejam a ser sistematicamente desprezados nas filas de espera e na qualidade
do atendimento?
A desigualdade social na saúde é
a mais cruel de todas.
DN, 18 de Março de
2018
1 comentário:
"A desigualdade social na saúde é a mais cruel de todas." Sublinho.
Que não voltemos ao tempo em que os pobres não tinham dinheiro para ir ao médico. O mesmo em que charlatões orbitavam as "casas do povo" e ouviam queixas de doenças graves que tomavam por constipações. Na saúde, a incúria suga mais vida a quem pode pouco.
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