Perante um governo de esquerda ou
de direita, é frequente a complacência e elevado o grau de impunidade à
esquerda ou à direita. Câmara ou governo de esquerda: a esquerda perdoa-lhes
tudo. Câmara ou governo de direita: a direita perdoa.
No entanto, parece que a
impunidade da esquerda é maior. Parece e é. Na verdade, a esquerda tem mais o
hábito de protestar do que a direita. A direita acha que o poder, o nome e a
fortuna tudo resolvem, enquanto a esquerda acha que é o protesto, a
manifestação e a greve que decidem. Por isso se sente mais o silêncio da
esquerda do que o da direita. Também ajuda o ambiente na comunicação social que
é predominantemente de esquerda, o que confirma o aparente grau de impunidade
de que esta goza.
A taxa de protecção civil
decretada pela Câmara de Lisboa é um belo exemplo. Poucos protestaram quando
foi criada. À esquerda, quase ninguém. A Câmara era de esquerda. Era um
imposto. Aumentam as receitas do Estado (da Câmara). Ainda por cima, tem uma
aparente utilidade social.
A taxa, aprovada pela Câmara em
2015, foi cobrada durante três anos. Rendeu milhões de euros. O acórdão do
Tribunal Constitucional (848-2017 de 13 de Dezembro de 2017) considerou-a inconstitucional.
A pequena história desta taxa e deste acórdão merece atenção e é uma boa
história moral.
A Câmara recebeu dezenas de
milhões de euros. Algumas pessoas exprimiram dúvidas sobre a legalidade da
taxa. Poucas deram importância ao facto. Cerca de 200.000 famílias residentes
em Lisboa pagaram perto de 60 milhões de euros! Ao fim de três anos, após
queixa do Provedor de Justiça (repare-se bem: nenhum partido ou deputado
apresentou queixa!), o Tribunal Constitucional declarou a taxa
inconstitucional. A Câmara viu-se obrigada a devolver o indevidamente cobrado.
Praticamente, ninguém lhe caiu em cima, por ter feito mais uma taxa, nem por
ter tomado uma medida ilegal, ainda menos por ter mostrado incompetência
jurídica.
As coisas são assim e são o que
são. A ilegalidade da Câmara é considerada benigna. A Câmara vai incomodar mais
uma vez os cidadãos, obrigá-los a ir aos Correios e ao banco, a ir levantar o
cheque ou a carta registada, a ir depositar o mesmo. Uma ou várias vezes. Não
vai pagar juros por três anos do empréstimo forçado. Já prometeu que vai
inventar qualquer coisa que não pareça um imposto, mas que dê receitas, quem
sabe se ainda mais do que com a taxa ilegal. O presidente da Câmara já acusa o
Parlamento de não ter legislado como deve ser. Na assembleia municipal, o PSD e
o CDS propõem agora que a Câmara pague juros.
Só falta contar a história da
família CB, residente em Lisboa. Não pagou a taxa em 2015 porque não reparou.
Mas pagou 2016 e 2017. Em 23 de Dezembro de 2017, recebeu uma ameaçadora
admoestação da Câmara e dos serviços de contencioso: têm um mês para pagar os
58,00 euros de taxa relativos a 2015, assim como uma taxa de justiça, encargos
e juros de mora, sim, juros de mora, num total de 28,00 euros a acrescentar aos
58. Por ironia do destino, a família CB recebeu o aviso de pagamento e a ameaça
judicial 15 dias depois de a taxa ter sido considerada ilegal e
inconstitucional.
A família CB foi aos competentes
serviços da Câmara esclarecer o caso. Foi-lhe dito que tinha de pagar. O facto
de ser ilegal não tinha qualquer espécie de importância. Tinha de pagar já e
depois logo se via. Perguntou também se a Câmara ia devolver as taxas cobradas
e quando. Foi dito que sim, mas não sabiam quando, nem em quantas prestações.
Perguntou ainda se iriam receber o que agora eram obrigados a pagar. Foi-lhes
dito que em principio sim, receberiam de volta, só que não sabiam quando.
Perguntou finalmente se a Câmara iria pagar juros, tal como, aliás, a família
CB se preparava para pagar relativamente ao atraso de 2015. Foi-lhes dito que
não, a Câmara não pagava juros. O que aliás, no telejornal dessa noite, o
Presidente da Câmara confirmou: Não, não se pagam juros!
DN, 11 de
Fevereiro de 2018
2 comentários:
Perante este exemplo salutar, inclino-me para a opinião de muitos que afirmam "as autarquias são um dos cancros do país".
o mesmo sucede com a taxa turística cobrada nos alojamentos; a CM Lisboa não preste nenhum serviço, logo, não pode cobrar uma taxa associada ao alojamento (que até pode ser a trabalho); mas como é "pouco" ninguém reclama e a CM Lisboa goza de boa imprensa; mas como diz o povo, "migalhas é pão ..."
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