Onde nasce a tirania? Antiga
pergunta a que muitos tentaram dar resposta. Umas vezes com cultura e isenção, outras
com fanatismo e crença. Mas há décadas ou séculos que a pergunta se repete e
que as respostas se sucedem. Há poucos meses, mais um ensaio sobre o tema foi
publicado por Timothy Snyder. Recomenda-se. É quase um manual de vida prática
sobre o que fazer para evitar a tirania. Em tempos difíceis, como os de hoje e
dos últimos anos, a interrogação volta sempre.
Onde nasce a tirania? A pergunta
é actual. Não porque, em Portugal, o governo ou a oposição nos ameacem. Nem
porque haja sinais evidentes de que a besta espreite. Mas simplesmente porque é
sempre actual e porque, no mundo, dos Estados Unidos à Rússia, passando pelo Islão
e pela Europa, há gente de sobra que a aprecie. A tirania é sempre do Estado ou
através do Estado. Difícil é saber onde começa.
Como se sabe e é verdade, a
tirania pode nascer da família, da terra, do capital e da espada. Mas também do
voto, da assembleia, do sindicato e do partido. Do poder dos fortes, dos deuses
e dos sacerdotes. Mas também do poder dos homens sobre as mulheres e dos
mestres sobre os alunos. Do poder dos brancos, dos pretos e dos amarelos sobre qualquer
uma das outras cores e do poder dos militares sobre os civis.
A tirania nasce de todos os
poderes excessivos, mesmo legítimos, mesmo legais e mesmo maioritários. Nasce
quando o poder é de um grupo ou uma entidade, um país, uma classe, uma igreja,
um sindicato, uma etnia, uma profissão ou um banco. Nasce quando, num país, se
recorre ao nacionalismo para afirmar a autonomia ou a independência. Nasce
quando o singular se sobrepõe ao plural e quando a uniformidade leva a melhor
sobre a diversidade. Nasce com o catecismo, o livro de citações, a cartilha, o
livro único e o manifesto. Nasce quando o grupo se sobrepõe e domina o
indivíduo ou quando este se submete e resigna.
A tirania nasce onde fraqueja a
razão, o recurso, a liberdade e a oposição. Surge onde faltam a liberdade do
artista, a palavra do escritor e a livre iniciativa. A tirania nasce na
desigualdade de condição e na igualdade imposta. Nasce da extrema pobreza e da
extrema riqueza. Mais ainda do que na desigualdade, a tirania nasce na
injustiça.
A tirania nasce no rancor e no ressentimento
dos derrotados a quem não é dada uma segunda oportunidade. E ainda no medo dos
que já tiveram qualquer coisa e correm o risco de perder tudo. Mas também nasce
na corrupção, na promiscuidade e na condescendência com a desonestidade. Como
nasce na impunidade dos mais fortes e dos mais ricos, dos que têm mais votos ou
mais sócios.
Nasce da fraqueza da sociedade
civil, isto é, na fraqueza dos empresários, dos sindicatos, das associações,
das igrejas e dos jornais. A tirania nasce no desenraizamento, na desordem
cívica e no caos institucional. Nasce onde não há instituições, associações,
igrejas e empresas ou onde todas estas dependem do Estado ou do partido. Onde o
produto é mais importante do que o produtor e o consumo domina o consumidor.
Nasce quando o argumento é
substituído pela proclamação. Quando o debate cede lugar ao insulto. Quando as
opiniões são recitadas. Quando a força do dinheiro, da arma ou do voto exige a
obediência.
Os inimigos da liberdade e as
fontes da tirania estão longe e no exterior, mas também perto e no interior,
dentro da democracia. A tirania nasce nas maiorias que não reconhecem as
minorias, mas também nas minorias esclarecidas que têm a certeza de ter ideias
para os outros e para todos. Nasce da multidão, tanto quanto da vanguarda.
A tirania nasce das ideias de
perfeição, de pureza, de igualdade, de virtude, de utopia, de salvação e do
homem novo. Nasce nas revoluções e alimenta-se do imprevisível.
A tirania nasce na ausência de
Justiça.
DN, 23 de Julho de
2017
3 comentários:
Dear TVB, your comment from last week was full of virus!! GOSH. The blog administrator run Dr Norton through it and it is clean now, free of bugs. The clean version it is a much truer version of yourself, i am sorry technology is at times a bit temperamental! Have a look at the clean version:
(after the virus scan) AB antecipa sempre questões interessantes para o país. Agora, e ao que me parece, a mim que não percebo um charuto disto, fá-lo muito bem e digo-o com todo o gosto e propriedade.
(Before the virus scan) Antes, AB antecipava questões com algum interesse para o país.
Agora, obedece à agenda da comunicação social da direita. Ao que parece, com gosto e propriedade.
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Não me parece que alguém esteja a salvo das investidas dos tiranos. Tanto a força como o poder, em excesso ou défice, geram tirania. Existe em cada homem essa tendência para o domínio. Que não se aniquila. Mas pode podar-se. E cresce de novo. Com mais força. Somos uma espécie com dificuldades no equilíbrio de forças.
Conhecendo o specimen, diria que continua a construir, com mais este título, o glossário anti-geringonça, para ser utilizado pela oposição, em todas as estações e apeadeiros.
De resto, não vem acrescentar nada de novo. Este discurso sobre a tirania é velho e requentado. Quem conhece a História saberá que, por exemplo, os aristocratas consideraram os burgueses uns tiranos, o mesmo aconteceu em relação aos conservadores/ liberais, monárquicos/republicanos, totalitários/ democratas, etc. Agora, é a oposição em relação ao atual governo. Assim se confirma AB na oposição.
Tão preocupado com a justiça e juízes em Portugal, porque não importar da Polónia a política do partido “Lei e Justiça” do Kaczynski? A FFMS era capaz de financiar o projecto…
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