sábado, 26 de outubro de 2024

Grande Angular - Lisboa sempre, Lisboa nunca

 Lisboa é uma das mais belas cidades do mundo. Olhem para ela a partir da ponte do Tejo, da outra Banda, do Panteão, do Castelo de S. Jorge, de Santa Justa ou dos mais altos edifícios da cidade: o deslumbramento é incansável. Veja-se Lisboa a partir das ruas da Madragoa, de Belém, da beira rio e até da Baixa: o encanto é inconfundível. Esta Lisboa, que já foi e quase não é mais, está a desaparecer. Sem ordem nem ideia, sem plano nem cuidado. Lentamente, os lisboetas adaptam-se e habituam-se a tudo: ao lixo nas ruas, à erva dos passeios, à calçada levantada, aos buracos nas ruas, aos abrigos rodoviários desfeitos, aos edifícios em ruína deliberada, ao estacionamento em segunda fila, às filas de carros evitáveis e às filas inevitáveis de cidadãos diante dos serviços públicos. Os lisboetas habituaram-se aos monumentos em ruínas, às casas abandonadas, às fachadas históricas deformadas e à publicidade luminosa de parolo e pechisbeque. Os lisboetas habituaram-se ao desmazelo, à fealdade e à sujidade. Tal como se habituaram ao pobre, ao sem abrigo e ao pedinte. 

 

Pior do que tudo, os lisboetas habituaram-se à desigualdade, à miséria, à imigração explorada, aos trabalhadores estrangeiros ilegais, aos alojamentos imundos, aos bairros segregados e aos novos guetos étnicos. Lisboa tem hoje a mais, sem previsão nem ordem, turistas, imigrantes, ilegais, pobres, comerciantes e outras populações errantes. Lisboa e Portugal podiam ter tudo o que têm, e muito mais, se fosse melhor, se estivesse previsto, se houvesse políticas e regras.

 

De repente, por causa de um incidente desastrado e fatal, em que um agente da polícia matou um cidadão, os lisboetas acordaram para uma Lisboa difícil, segregada, desmazelada, ilegal, drogada, explorada e pronta para a violência.

 

Não. Ainda não. Lisboa não está a arder. Mas queima. O que há muito se receava, mas que era adiado, aconteceu. Desacatos, violência, vandalismo e repressão. Em meia dúzia de localidades de outros tantos concelhos. Todos na área metropolitana de Lisboa. Estragos, incêndios, feridos e um morto. Discute-se, como era de prever, a morte de cidadão com bala de polícia. Não se sabe ainda e não se saberá talvez nunca em que circunstâncias exactas. Legítima defesa? Violência desproporcionada? Repressão com violência desnecessária? Agressão de ódio? Provocação descarada?

 

Rapidamente, começou a ver-se em funcionamento a tenaz do irracional. De um lado, a culpa dos incidentes reside na polícia, no governo, nos brancos, no racismo, na direita, no capitalismo, no regime democrático, na desigualdade social, na pobreza, no desemprego e na extrema-direita. Do outro lado, a responsabilidade é dos bandidos, dos marginais, dos negros, dos imigrantes, dos drogados, dos ladrões, dos ilegais, das minorias, dos muçulmanos, da complacência das autoridades, da permissividade do regime e da covardia dos dirigentes políticos. E não faltaram uns políticos tolos a propor que se matem alguns…

 

E não se pense que se trata de notícias falsas e de boatos sem identidade. Não. Nos jornais e nas televisões, grande parte daqueles preconceitos são apresentados com palavreado académico e mais ou menos verniz, sempre com estatísticas de apoio.

 

Nesta tenaz de preconceito, as generalizações são quase a regra. Os portugueses são racistas. Os africanos são ladrões. Os muçulmanos são violentos. Os chineses são mesquinhos. Os indianos são manhosos. Os brasileiros são aldrabões. Os romenos são ciganos. E os ciganos são mentirosos. 

 

Estas visões do mundo são geralmente obstáculos à compreensão e ao diálogo. O que quer dizer que tornam difícil, às vezes impossível, qualquer tentativa de resolver problemas e pacificar situações de conflito. Não só porque o preconceito é ele próprio uma barreira ao diálogo e à negociação, mas também porque vem acompanhado de juízos de contexto que tornam incompreensível a realidade. E que desviam para abstracções políticas os esforços para tratar de casos reais. Mas sobretudo eliminam o sentido de responsabilidade pessoal e individual, um dos fundamentos da civilização. 

 

A irrupção de violência nos bairros periféricos de Lisboa tem, para uns, causas evidentes: são os imigrantes, os africanos e os muçulmanos, que vivem da segurança social e da droga, que se aproveitam da escola e da saúde pública, que recebem toda a espécie de subsídios e que se acham com todos os direitos. Para outros, as causas, também evidentes, são as políticas dos governos, o comportamento dos portugueses, o racismo dos brancos, as empresas capitalistas, os bairros sórdidos, o ambiente de opressão nas fábricas e as casas esquálidas.

 

Uns e outros dizem o mesmo: a culpa é do contexto. Do quadro geral. Da política. Da sociedade. Como é evidente, todas as circunstâncias, toda a herança cultural e todo o ambiente comunitário têm importância decisiva, ajudam os fenómenos sociais, influenciam os comportamentos. Mas não justificam as acções individuais, não explicam o crime, não desculpam o delito, não absolvem a infracção.

 

É verdade que o meio social, o ambiente, o quadro geral, a classe social, a comunidade, o bairro e a vizinhança ajudam a compreender fenómenos e acções. Nada pode ou deve ser feito pela política ou pela reforma social sem ter isso em conta. Mas nunca, de todo, nunca esse contexto pode desculpar o crime e justificar o ódio. Estes são acções do individuo e como tal devem ser avaliadas, julgadas, recompensadas ou castigadas. Nada substitui a responsabilidade individual. Quem mata. Quem pega fogo. Quem dispara. Quem rouba. Quem viola. Quem tortura. Quem mente. Sem responsabilidade individual, não há cidadania nem direitos humanos.

 

Se a responsabilidade individual é o imediato, o mais vasto, a prazo, é o tratamento das questões gerais que ficam para resolver. As políticas de imigração, por exemplo. Sem essa discussão e sem as regras a definir democraticamente, nada se resolverá nunca. Mas tenhamos consciência de que o debate está, actualmente, inquinado. Está mergulhado no irracional. Os seus protagonistas são quase sempre os fanáticos. Sejam os racistas residentes e os nacionalistas integristas. Sejam os racistas imigrantes ou os defensores das portas abertas e da destruição da comunidade. Entre defensores da integridade da nação pura e adeptos da dissolução da comunidade nacional, não há meio termo. A discussão e as soluções só serão possíveis fora do dilema dos fanáticos.

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Público, 26.10.2024

sábado, 12 de outubro de 2024

Grande Angular - Fascismo e Antifascismo

 O debate orçamental foi muito rico. Tem sido, até agora. Não pelo conteúdo económico ou social, mas por alguns aspectos políticos. Não no sentido nobre do termo, mas na sua acepção de coreografia e comportamento. Nada revelou sobre o pensamento político dos principais partidos, mas muito exibiu das suas paixões menores, das suas armadilhas e provocações. Conhecemos hoje melhor, muito melhor, o PSD de Montenegro, o PS de Santos e o Chega de Ventura. Tal como disseram os seus protagonistas, bastou uma frase para iluminar todo o processo: “dado que não foi possível chegar a acordo, vamos ler o orçamento”!

 

A margem financeira de diferença entre o que seriam os orçamentos dos três grandes partidos poderá ficar muito perto do 1%! As diferenças entre concepções estavam diluídas na querela estritamente política. O importante era derrubar ou não o governo; aliar-se com a extrema-direita ou não; coligar-se com a extrema-esquerda ou não; convocar novas eleições ou não. O PSD pretende ficar sozinho ao centro, empurrando o Chega para o fascismo e o PS para o antifascismo. O PS quer atirar o PSD para o fascismo e ficar a liderar a esquerda antifascista. Mau grado o seu insignificante eleitorado, as esquerdas do Bloco e do PC querem que o PS abandone a direita e se junte a elas. O Chega quer tudo: estar fora e dentro, ser democrático e não democrático, aproveitar tudo o que é irracional e populista e designar-se a si próprio como reserva do nacionalismo.

 

Em menos de um ano, o Governo impressionou pelo activismo e pelo lançamento de projectos que se atrasavam. Mas sobretudo ilustrou-se pela multiplicação dos pães e dos peixes. Aumentou tudo o que estava à mão, prepara-se para aumentar ainda mais todas as profissões. Distribuiu benefícios e subsídios como ninguém. Deu incentivos. Fez descontos. Isentou de taxas e impostos. Deu mais um poderoso contributo para uma figura em crescimento que é a do “orçamento de geometria variável”. Há orçamentos e regimes fiscais conforme o sexo e o género, a idade, os estudos, os locais de residência, a origem e a actividade. Já se ultrapassou a fronteira do aceitável, isto é, da fiscalidade conforme ao rendimento. Estamos a entrar num novo mundo que é o da diferença de direitos e deveres de acordo com os estatutos sociais e a condição humana. Não só é a base de uma profunda desigualdade, como é a chave para o mais clientelar dos Estados. Isto é, os benefícios e os direitos dos cidadãos dependem das preferências dos governantes e do grau de reverência dos cidadãos. “Quem se porta bem, tem direitos, quem se porta mal tem deveres”, será a divisa do futuro.

 

Há, todavia, questões que ficam em aberto e ultrapassam largamente o pormenor orçamental. É, como alguns pretendem, a divisão da sociedade e da política. A dicotomia. A alternativa. O frente-a-frente. A classe contra classe. É o fascismo e o antifascismo. Há muita gente nos partidos que pretende esse género de vida. Repete-se a lengalenga de que o “centrão” é o ninho da corrupção, o caldeirão de interesses e o lugar-geométrico de todas as indecisões. Muitos desses defeitos serão reais. Mas é necessário garantir que as outras vias são menos isso tudo, o que está longe de ser seguro. Por outro lado, a catilinária contra o centro, ou contra as políticas de centro, esconde o que realmente se pretende: a política radical de oposição pela exclusão. 

 

O fascismo é detestável. O antifascismo também. O paralelo com o racismo e o anti-racismo é aceitável: ambos são igualmente detestáveis. Já agora, comunismo e anticomunismo estão na mesma categoria. Sabemos as razões pelas quais fascismo, racismo e comunismo são condenáveis. A pergunta é: então o anti é bom? O problema é mesmo esse. É que não é. Quem faz profissão de fé anti qualquer coisa está a fazer a economia da inteligência. Quem trata os seus opositores de anti isto ou aquilo está a poupar no rigor. Durante décadas, os comunistas trataram os seus adversários de anticomunistas: os perseguidos têm sempre razão, era essa a ideia. Durante décadas, os salazaristas trataram os opositores de comunistas: era um atalho do pensamento, o caminho mais curto para a ditadura. Há décadas também que os que a si próprios se designam por anti-racistas tratam todos os outros de racistas. Vivemos actualmente momento revelador: o anti-racismo militante, razão última de activismo, é sectário e assume-se como virtuoso. É como tal reconhecido. Para mal dos nossos pecados.

 

Estes insultos e outros (como antipatriótico, antinacionalista, antidemocrático, além de fascista, comunista e racista) têm como funções alinhar inimigos, dispensar o pensamento, regimentar distraídos e polarizar em duelos diferenças que têm outras naturezas. Quem se orgulha de incluir no seu currículo termos como antifascista, anti-racista ou anticomunista, está a designar-se da maneira mais deficiente e simplória que se pode imaginar.

 

Entre nós, a luta entre fascista e antifascista tem, por razões obvias, especial ressonância. Foi uma espécie de gazua para a acção política. A tal ponto que ainda hoje faz efeitos. E atrai políticos, apesar dos nos faltarem boas definições do fascismo. Da sua espécie fundadora, a italiana de Mussolini, não será difícil encontrar uma designação certeira. O pior é a sua generalização. Em poucos anos, fascista passou a ser tudo o que é nacionalista, católico, capitalista, conservador e autoritário. Melhor: tudo o que não era comunista ou socialista.

 

O regime de Salazar não foi fascista. Os melhores pensadores quase todos concordam com isso. As características próprias do Estado Novo faziam dele um regime autoritário, reaccionário, conservador, nacionalista e imperialista. Mas fascista, não. Aliás, não será atrevido afirmar que, fascista, só mesmo o italiano.

 

O antifascismo é um mistério ainda maior. A levar a sério certas esquerdas, antifascista é o que é socialista, comunista, contra a ditadura, contra o capitalismo, contra a iniciativa privada, contra a democracia parlamentar e contra a burguesia. As esquerdas não se deixam impressionar com o facto de, entre os principais regimes de esquerda antifascista, desde há cem anos, se contarem ditaduras, regimes totalitários, nacionalistas e conservadores. Mesmo mais: em cem anos de história das esquerdas no poder, há muito mais ditaduras do que democracias. Em cem anos de poder comunista, há só ditaduras, nem uma hora de democracia.

 

Tentar, hoje, refazer um bloco fascista e um grande movimento antifascista, é mais do que um regresso ao passado. É um pesadelo.

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Público, 12.10.2024

sábado, 5 de outubro de 2024

Grande Angular - A metamorfose do Partido Socialista

 É provável que tenha vencido a incerteza. Todos receavam as eleições. O PR não calculava o que poderia acontecer. O PSD e o Governo não tinham qualquer certeza quanto ao resultado. O PS não tinha consciência do que se seguiria a uma crise motivada pela falta de orçamento. Nestas condições, o mais acertado é adiar. O Governo cedeu. O PS prepara-se para ceder. O Governo aproveita para governar “fora do orçamento” e distribuir benefícios como nunca se viu. O PS enviou o recado à população: a estabilidade política e o governo dependem de si.

 

Entretanto, todos avistaram de repente e perceberam um drama que se desenha no horizonte: o PRR, o famoso Plano de Recuperação e Resiliência, com mundos e fundos indispensáveis para a economia e a administração pública, está pelas ruas da amargura, com pouco uso e mau proveito, um dos piores registos da Europa. Com nova crise de governo e novas eleições, esta espécie de desastre seria uma calamidade. Presidente, governo e partidos perceberam que sobre eles se abateria um justo e furioso vendaval. E de nada serve passar culpas: todos serão condenados.

 

Ainda faltam alguns dias para termos a certeza de todos os acontecimentos e para conhecer as surpresas que o Governo e os partidos nos prepararam. Mas o essencial parece estar assegurado: adia-se a crise, espera-se por mais certezas. Ainda é possível que as coisas não corram bem, veremos. De qualquer maneira, é útil olhar para além da espuma e do orvalho. As negociações em curso e o orçamento são importantes. Tal como o que se segue. Mas há, em profundidade, outras tendências e outros factos que merecem atenção. As relações entre as direitas do PSD e do Chega são de enorme importância e vão conhecer novos capítulos. Assim como as relações entre os centros de esquerda e de direita, o PS e o PSD, que vão talvez iniciar uma nova vida. Mais importante ainda, pelas suas repercussões, é o futuro do PS que parece estar em jogo.

 

Este futuro é ainda incerto. Mas já há quem o desenhe. Ou antes, quem revele possíveis traços de um futuro diferente para este grande partido. A frase de Pedro Nuno Santos (“prefiro perder eleições a abdicar das convicções”) pode ser um infeliz deslize a meio caminho entre o machismo e a ingenuidade. Mas pode também ser, com mais probabilidade, o anúncio de novos tempos para o partido. De que se trata na verdade? O que são convicções, profundas ou não? O que são crenças inabaláveis? Estaremos a falar da democracia, da liberdade individual e da dignidade humana? Da recusa de violência, da solidariedade e da luta contra a pobreza? Ou falamos também de um escalão de impostos, de um subsídio de IRS e de uma ajudinha de IRC? Misturar umas e outras, dar-lhes a mesma dignidade significa perder de vista o essencial.

 

Mas tal não é gratuito. Pelo contrário, tem ar de ser uma declaração solene da natureza do novo PS. A gradual e inexorável transformação do Partido Socialista num Bloco de Esquerda “mais” é o que parece estar nas cartas. Pedro Nuno Santos, o secretário geral, afirmou-o convictamente, sem tremer nas palavras e calculando os efeitos. Ele quer construir fronteiras, elevar obstáculos e definir linhas dogmáticas. Preferir perder a esquecer convicções é uma frase inútil, sempre certa, para dar nas vistas. Toda a gente dirá isso, acredite ou não. É retórica barata, para uso de conjuntura. Ou então… Ou então estamos diante de manifestação real de intenções, anúncio de processos de liderança, desejo de transformação do partido e de sua doutrina. Tudo a que o secretário-geral tem direito, com certeza. Mas deve ser mais sincero no seu propósito.

 

O grande objectivo parece ser o de ocupar o lugar do Bloco, do PC e do Livre. Em termos plebeus, encostar o PSD à direita. Ajudar a construir um grande bloco de direita e extrema-direita e contribuir para o noivado PSD/CHEGA. Para assim receber os votos sociais democratas do PSD transformado em direita radical. Com a finalidade de melhor separar esquerdas e direitas. Isto é, repensar uma esquerda ideológica, refazer um programa sectário e chamar-lhe convicção e doutrina. 

 

A revogação do estatuto do Partido Socialista como partido mediador ou “partido charneira” (como lhe chamava Mário Soares) é o gesto mais feroz de que o partido pode sofrer. Pior do que isso, só a liderança de José Sócrates, cujos efeitos se fazem sentir por anos e décadas. Querer fazer do PS “o” partido da esquerda, radical, da alternativa, federador dos grupos de esquerda e o partido de classe, como se dizia antigamente, significa romper com o que de melhor havia naquele partido. O que não seria grave se fosse só o partido a sofrer as consequências. O problema é que é o país, a sociedade e a democracia portuguesa que vão sofrer. 

 

O Partido Socialista, nestes cinquenta anos que leva a democracia, teve inesquecíveis momentos de grandeza e criatividade, como também conheceu momentos de baixa moral e incompetência. Mas o balanço da sua vida é singularmente positivo. Talvez tenha sido o partido central da democracia. Sem ele, tudo seria diferente, talvez pior. Outros partidos deram o seu contributo, a começar pelo Partido Social Democrata. Mas, em termos globais, há uma hierarquia entre os dois.

 

Desde a coligação implícita e explicita com os militares moderados e democratas de 25 de Abril, até à resistência frontal contra os revolucionários e os comunistas, o PS brilhou. Depois, da defesa de algumas conquistas sociais (como o SNS) à manutenção de um clima de paz e de diálogo com os parceiros sociais, igualmente o PS se distinguiu. Também na integração europeia o seu contributo é imperecível. Finalmente, tem relevo o seu papel como defensor das regras democráticas e das fronteiras de liberdade. Assim como a sua função de equilíbrio do regime.

 

Evidentemente, a sua folha de serviços não é apenas de brilho e glória. Também tem as suas nódoas negras. A tenaz incompetência para gerir o sector público empresarial é grandiosa. A sua complacência perante a corrupção é imperdoável. A excessiva volúpia nas relações financeiras com os grandes interesses merece nota. A incapacidade para reformar o sistema de justiça é lendária. Todos estes defeitos, aliás partilhados com outros partidos, não chegam para apagar o serviço prestado. É o partido imperfeito da liberdade.

 

Trocar o papel que foi o do PS durante as últimas décadas pelas “suas convicções”, fazer destas o critério de definição da doutrina e da estratégia do partido, é um acto de enorme presunção, a rondar a autocracia.

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Público, 5.10.2024