Um grupo de pessoas de direita ou de extrema-direita entende levar a cabo uma manifestação. As intenções e o espírito são de ordem nacionalista, possivelmente xenófobas ou racistas. A manifestação está convocada para a zona do Martim Moniz e da Mouraria, isto é, bairros onde vivem comunidades de imigrantes, africanos, asiáticos e outros. Está também convocada, para a mesma hora e no mesmo local, uma contramanifestação. Entretanto, circula uma carta, assinada por uns milhares de pessoas, solicitando que a primeira manifestação seja proibida. Outras vozes, na imprensa, exigem também a proibição. O executivo da Câmara Municipal de Lisboa condenou, por unanimidade, a realização desta manifestação.
Uma manifestação não necessita de autorização, mas apenas de informação remetida às autoridades, a fim de, se tal for necessário, serem tomadas providências. Do ponto de vista da liberdade de expressão e do direito à manifestação, este dispositivo parece suficiente.
Proibir esta manifestação é um acto grave e de sérias consequências. É a melhor maneira de abrir uma temporada de violência na sociedade. Deixá-la correr sem qualquer intervenção é igualmente gesto condenável e de maus efeitos: haverá afrontamento e violência. Deixar correr as duas, manifestação e contramanifestação, é ainda pior, é quase garantir que haja confronto físico. Em poucas palavras, qualquer destas soluções é uma má resposta ao problema.
É verdade que a situação é delicada e perigosa, ainda por cima com eleições marcadas para breve. A “questão racial” está a ser fomentada há anos, racistas e anti-racistas procuram-se mutuamente. Por ausência de políticas de imigração e de integração, pelo aumento de imigração ilegal, pela exploração de trabalho clandestino e pelas condições de vida de milhares de imigrantes, por todas estas razões, é possível prever a iminência de afrontamentos. É possível que estejamos a viver um desses momentos que marcam uma viragem, para pior, da situação e dos acontecimentos. É alto o grau de nervosismo. É garantida a vontade de mostrar forças.
Grupos e partidos nacionalistas e de extrema-direita desejam um momento dramático para dizer que “isto aqui é Portugal”! Para isso, estão dispostos a tudo. Querem choques violentos para depois afirmarem que já não se pode ser português em Portugal. Do outro lado, esquerdistas, antifascistas e anti-racistas querem uma oportunidade dramática e se possível violenta para demonstrar que “Portugal é um país racista”! Ambos ficariam satisfeitos com o confronto. Ambos receberiam com delícia a proibição da manifestação.
A discussão pública sobre a imigração e o debate sobre as respectivas políticas estão por fazer. Estes temas são difíceis, por isso mesmo urgentes. São igualmente recheados de preconceitos, o que reforça a necessidade de esclarecimento e de elaboração de políticas. Assim é que importa que não se deixem abrir feridas nem azedar ânimos, o que só tornaria mais inútil o debate nacional. Parece, pois, essencial evitar o confronto que se desenha para a próxima semana. Este e outros a seguir. Mas, evitar esse afrontamento não pode ser feito à custa dos direitos do cidadão. Por isso não é imaginável que se proíba a liberdade e o direito de expressão e de manifestação.
A democracia é o regime de todos, incluindo de antidemocratas. Sejam eles de extrema direita nacionalista ou fascista, sejam revolucionários comunistas e aparentados. Todos estes querem ultrapassar a democracia e criar novo regime que a elimine. É o seu direito. São livres de assim pensar e tentar convencer a população, desde que não cometam actos ilegais, como sejam a violência contra pessoas, a segregação à força, a destruição de bens, o roubo, a agressão de qualquer espécie… Isto é, que cometam actos ilegais de qualquer espécie. Nesses casos, terão de ser detidos e julgados. Mas não podem ser atacados pelas suas opiniões.
A democracia é o regime de todos, incluindo de racistas e xenófobos. Brancos, negros ou de qualquer outra origem. Os racistas e os xenófobos são pessoas frequentemente detestáveis, não escondem a sua animosidade pela democracia e têm um orgulho infundado na superioridade da raça branca. Podem defender as suas ideias. Podem publicar as suas opiniões e até divulgá-las. Não podem é agir em consequência dessas opiniões, segregar outrem de serviços e empresas, ser violentos, expulsar de locais públicos e ofender as outras pessoas. Noutras palavras, não podem cometer crimes de ofensa, agressão ou segregação, proibidos na lei em todas as circunstâncias. Mas a liberdade de expressão é intocável.
A ideia de que se pode proibir alguém, racista, xenófobo ou antidemocrata, de pensar, ter opinião e divulgar os seus pontos de vista é um grave passo atrás na democracia, é uma perversão da tolerância, é um atentado contra alguns dos direitos e liberdades fundamentais da democracia.
O direito a manifestação de todos os cidadãos, protegido pela lei, sem qualquer autorização, é igualmente intocável. Evidentemente que se pode, por razões de segurança, condicionar esse direito de manifestação, não no essencial, mas na circunstância. Por exemplo, a hora e o local de manifestação. Este caso da manifestação nacionalista do Martim Moniz e da Mouraria parece um exemplo de escola. Evidentemente que o local traduz uma procura de afrontamento e de confronto social no que pode ser considerado uma provocação. Assim sendo, é legítimo que as autoridades nacionais e camarárias obriguem os manifestantes a alterar a circunstância (hora e local), sem renunciar ao essencial (a manifestação e a expressão de opinião). Como é igualmente legítimo que a contramanifestação seja deslocada na hora e no local. É um imperativo de ordem pública e de paz social que essas manifestações não coincidam no espaço e no tempo. Mas não se pode proibir uma nem outra.
O que está em causa na próxima semana é a liberdade de expressão e o direito de manifestação. É uma real prova de fogo da democracia portuguesa. Por razões de interesse público e em defesa da paz e da ordem pública, podem as manifestações (que não necessitam de autorização) ser deslocadas no espaço e no horário, como pode ser exigido que não se realizem no mesmo sítio ou à mesma hora. Mas não podem, definitivamente não podem ser proibidas!
Se a democracia portuguesa não consegue viver com antidemocratas e com racistas ou xenófobos é porque é fraca, frágil e medrosa. A democracia defende-se com métodos legítimos e com força democrática, sem recorrer a meios ilegítimos. Sem pisar o risco.
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Público, 27.1.2024
1 comentário:
O racismo, se ausente do regime jurídico ou de proclamação ideológica, é no foro individual que é ajustada a sua avaliação.
O coincidir serem as imigrações irregular e oportunísticas compostas em significativo número por gente de outras raças que não a a caucasiana, leva a canalha esquerdalha a ter a atitude racista de os defender invocando a sua raça, ignorando a condição irregular que cá os traz e logo os tomando por vítimas de um qualquer imperialismo ocidental.
O que motiva essa gentinha é a salvaguarda a sua agenda de imposição de atitudes e modos de expressão, sob todo e qualquer pretexto, privilegiando tipicamente aquelas que possam dar origem a acções ou instituições subsidiadas pelo Estado.
O ligar a direita ao racismo é essencial ao seu programa de demonização de quem não lhes subscreva a cartilha, e o facto de o Estado Novo ter por muitos anos definido a Nação Portuguesa como multirracial mais os assanha, visando identificar e estabelecer uma herança racista estruturante liderada por uma extrema-direita que sempre dizem ser a representante do Estado Novo.
Canalha sem vergonha e despudorada que tudo infesta de falsidades e dogmas com a complacência de cobardes que temem confrontá-los!
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