Talvez nunca tenha havido, como agora, tantos bons candidatos à Presidência da República. Entre prováveis, possíveis, hesitantes e presumíveis, há pelo menos uma dúzia que podem ser facilmente enumerados. Sem falar em surpresas e candidatos de última hora. Reconheço que a qualidade dos hipotéticos candidatos é extraordinária. Inteligentes e experientes: quase todos! Cultos e interessados: a maior parte. Com currículo e obra feita: todos! A maior parte com provas prestadas na política, na comunicação social, na televisão e noutras instituições. Alguns com experiência internacional indiscutível. Não sabemos, na verdade, se todos seriam bons presidentes, mas temos a certeza de que a regra não será a da ambição deslocada. Eis uma certeza: teremos, em 2026, uma campanha interessante e uma eleição entusiasmante.
É sintomático o facto de o papel do Presidente se ter enriquecido e valorizado. Os seus titulares fizeram o possível, de tal modo que a sua presença e as suas funções, mesmo sem alterar as regras formais do semipresidencialismo, têm ficado mais importantes e até mais necessárias. O Presidente já tem agora um papel decisivo no processo legislativo, mesmo quanto ao seu conteúdo, não apenas na forma e no processo. Cada vez mais eleitores olham para o Presidente como uma fonte de poder e um recurso de esperança. Internacionalmente, o Presidente da República é cada vez menos figura de cera.
Numa altura em que o sistema partidário e o panorama político estão a mudar, a figura singular do Presidente assume um peso especial. Novos partidos surgem, velhos desaparecem e outros transformam-se. As bases políticas, as crenças e os programas dos partidos estão em evolução. Em Portugal, como também em toda a Europa, as realidades partidárias e as políticas propostas são hoje muito diferentes do que eram há dez ou vinte anos. Portugal foi atingido por esta onda inovadora, talvez menos do que a maioria dos europeus, mas para lá caminha. Nesta realidade, o papel do Presidente da República, mesmo em semipresidencialismo, é fonte e centro de interesse. O facto de ser eleito directamente pelos cidadãos e não ser hereditário, nem eleito pelo Parlamento, aumenta o seu peso e avoluma a sua presença.
Tudo o que precede pode ser motivo de satisfação e esperança, mas também de instabilidade e desastre. A participação do Presidente no processo legislativo, por exemplo, pode melhorar consideravelmente a qualidade das leis aprovadas, assim como as suas amarras sociais. Mas também pode ser fonte de quezília institucional e de conflitos inúteis entre os órgãos de soberania. Já conhecemos, em Portugal, as duas situações, sabemos bem aquilo de que se trata. De qualquer maneira, a eleição directa do Presidente não pode ser desvalorizada. Não há entendimento para, nesse capítulo, rever a Constituição. É legítimo pensar que a maioria dos eleitores prefere claramente a eleição directa. É possível que a população tenha mais esperança na acção dos Presidentes do que na evolução dos partidos. Quer isto dizer que a eleição presidencial directa é um facto irreversível com o qual temos de viver.
Os próximos anos serão, em Portugal, tal como na maior parte das democracias europeias, particularmente difíceis. Os efeitos da guerra na Ucrânia far-se-ão sentir durante muito tempo. A transformação da balança de forças internacionais será longa e difícil. A democracia, como sistema de governo e regime político, está em recuo na maior parte do planeta. O futuro imediato de grandes nações como a América, a China, o Brasil, a Índia ou a Rússia é pelo menos inquietante e de qualquer modo imprevisível. O descontrolo e o desespero dos movimentos migratórios põem em causa a paz de regiões e continentes, assim como a sobrevivência de multidões. As consequências da pandemia não estão afastadas. Lidar com as alterações climáticas será, no futuro, combate de Sísifo e trabalho Hercúleo. O equilíbrio entre a liberdade individual e o Estado de protecção social é cada vez mais necessário. O Presidente da República portuguesa não é seguramente capaz de resolver qualquer uma destas questões universais. Mas é bom que esteja ao corrente, que saiba do que se trata, que esteja atento, que tenha experiência dos problemas e das suas causas. António Guterres é essa pessoa capaz, informada e experiente.
Cá dentro, em Portugal, nenhum destes grandes problemas internacionais tem uma dimensão aterradora. No entanto, há sinais crescentes de incómodo. Por exemplo, a persistente crise de Justiça, talvez a mais grave fragilidade do nosso país. Ou a permanente desigualdade social, uma evidente vulnerabilidade da nossa sociedade. Sem falar nas enormes dificuldades que todos os sistemas de serviços públicos conhecem actualmente e para as quais as autoridades não encontram remédios. Mas há mais. O recurso à emigração de muitas dezenas de milhares de portugueses é sinal inequívoco do mal-estar da nossa comunidade. A pertinaz prática de exploração e de tráfico de trabalhadores estrangeiros ilegais não é uma boa notícia para os portugueses nem para o futuro da sociedade. A flagrante dificuldade, por parte das autoridades e dos agentes económicos, em encontrar vias de desenvolvimento e de progresso mais robustas, é sinal de debilidade política e revela a necessidade de nova energia e sobretudo de novo cuidado. Para todos estes problemas, a ideologia tradicional e o espírito de permanente luta das classes têm-se revelado inúteis e contraproducentes. O chamado neoliberalismo mostra ser tão impotente quanto o socialismo. Um novo pragmatismo é cada vez mais necessário. Um novo compromisso entre a liberdade e o Estado social é indispensável. Há poucos políticos conhecidos capazes de contribuir para um futuro imediato com mais progresso. António Guterres é, para mim, um desses políticos.
Conhecemo-nos há muitos anos. Já estivemos próximos e distantes. Já trabalhámos em conjunto e ficámos afastados. Já dele pensei bem e mal, já esperei e já desesperei. É a história. É a vida, dirá ele. Penso agora, sem dúvida, que António Guterres seria um muito bom candidato e um melhor Presidente da República. Sei que há dificuldades. Pela sua vida, pelo mandato das Nações Unidas, pelos seus amigos políticos e pelo seu partido. Até pelo calendário. Mas creio que se trata de questões com resolução. Pelo nosso país. Convido, proponho e solicito a candidatura de António Guterres à Presidência da República.
.
Público, 2.9.2023
2 comentários:
Deem-me alguém que não rodeie os assuntos, que não tema o significado das palavras, que em vez de dizer - «O equilíbrio entre a liberdade individual e o Estado de protecção social é cada vez mais necessário.» - diga: O equilíbrio entre a responsabilidade individual e o Estado de protecção social é cada vez mais necessário.
Com um ano de diferença, andei com António Guterres e Mariano Gago no Camões e no IST.
Tirámos o mesmo curso mas, quanto a Guterres, não o conheci muito bem.
Independentemente disso, não estou a ver como alguém, aos 78 anos, se pode candidatar para um cargo que é tipicamente para 10 anos.
.
Mas há 3 coisas que nunca lhe perdoarei:
1 - Ter abandonado o governo por ter perdido… as autárquicas (!).
2 - Ter metido o país no absurdo dos 3 submarinos (800 milhões), um processo que eu acompanhei bem de perto, pois trabalhei nas “contrapartidas”, integrado num ACE.
3 - Ter cancelado Foz-Côa quando a barragem estava praticamente feita, tendo em conta a situação actual do país, pois se tratava de criar uma reserva estratégica de água.
Enviar um comentário