sábado, 11 de março de 2023

Grande Angular - Imigrantes: As políticas (3)

 No Mediterrâneo, recomeçou a estação de tráfico, refúgio e acidente. A Europa no seu todo e cada país em particular não conseguem elaborar e pôr em prática uma política de controlo do acesso e menos ainda de decência no acolhimento. A desordem, o sofrimento e a morte têm mãos livres neste mar e nas suas praias. O que a Europa faz favorece a travessia clandestina, o refúgio ilegal e o sacrifício de crianças e idosos. Os “negreiros” e os traficantes vivem das políticas europeias e das hesitações dos seus dirigentes. A generosidade e a compaixão de muitos europeus são vilmente utilizadas como estímulos ao crescimento do tráfico.

 

Sucedem-se os sinais de crise iminente. Surgem novas barracas e alojamentos miseráveis na área metropolitana de Lisboa. Aparecem novos edifícios inóspitos na margem Sul. Publicam-se notícias sobre o alojamento degradado ocupado por imigrantes e minorias. Descobrem-se cubículos com dezenas de pessoas amontoadas em beliches. É crescente a acidez nas discussões sobre questões raciais e de imigração. Novas disposições legais estabelecem o visto automático para as pessoas dos países da CPLP. Em Angola, são longas as filas de espera de cidadãos que tentam obter os vistos de residência em Portugal, agora facilmente distribuídos. Começa a correr o processo de legalização expedita de milhares de residentes ilegais. Dizem os jornais que, segundo o SEF, se espera legalizar de imediato perto de 150.000 imigrantes. E receber outros tantos nos próximos dois anos. A verificarem-se estas previsões, serão os mais elevados contingentes de imigrantes jamais chegados a Portugal. Descobrem-se novas fileiras de imigração especialmente usadas por mulheres à beira de dar à luz e outras situações a configurar emergência médica. Não se conhecem progressos nas numerosas situações de imigrantes alojados em condições precárias e malsãs junto às culturas forçadas e às agriculturas hiper-intensivas. As questões raciais e os incidentes envolvendo problemas de imigração, de minorias e de estrangeiros ocupam cada vez mais a atenção e as preocupações. 

 

A imigração, em Portugal, faz-se sem política e sem escolhas. E sem respostas às questões difíceis. Há recursos humanos, de equipamento e de capital, para abrir as portas? Há cidades e habitação decente à altura? A economia necessita desta mão-de-obra? Haverá emprego suficiente para os residentes e para os novos imigrantes? Estão preparados os serviços sociais, as escolas, os hospitais, a habitação e os transportes para estes novos fluxos de população? Algumas vez estas políticas foram sufragadas pelo eleitorado e aprovadas pelo Parlamento?

 

A habitação é quase um problema à parte. Pela sua natureza, pela dimensão, pelo custo e pela durabilidade das decisões, os problemas de habitação são uma espécie de lugar geométrico de todas as questões sociais da imigração. Por vias da habitação, definem-se bairros, prédios e ruas, numa palavra, comunidades. Em grande número de países europeus a distribuição geográfica das comunidades imigrantes tem conduzido à fixação de áreas de especialidade nacional, de concentração étnica e de segregação. As cidades europeias, tanto os seus centros históricos como as suas periferias, transformam-se em territórios próprios e exclusivos de comunidades nacionais. As grandes cidades fragmentam-se de modo ameaçador para a paz social e o convívio entre povos. A segregação aumenta a separação, o confronto e o conflito, o que agrava as dificuldades de integração social. O descontrolo das migrações e a abstenção relativamente à organização das sociedades e dos espaços são convites à marginalidade. É uma infâmia o mercado ilegal de residências, vistos, autorizações de trabalho, certificados de casamento, títulos de adopção, contratos de trabalho falsos e outras habilidades destinadas a fomentar uma imigração oportunista.

 

As novas modas e doutrinas apoiam de modo crescente as opções multiculturais. O que quer dizer que se defende que cada comunidade, nacional ou imigrante, mantenha as suas tradições, a sua cultura, os seus costumes e até as suas regras “legais”. Ora, é superior a política que recorre e aceita imigrantes, mas que opta deliberadamente pelas políticas de integração cultural, social e económica, em detrimento das políticas do multiculturalismo, de preservação do mosaico de regras e costumes, geralmente propícios à instalação de sociedades paralelas, de comunidades marginais e de estranhas formas de apartheid.

 

A integração é, em democracia, um factor de agregação e não de fragmentação, como é o multiculturalismo. Este último, aliás, levanta problemas de enorme dificuldade. Que fazer, numa sociedade que privilegia o multiculturalismo, com a aprendizagem da língua, o respeito pelas leis sobre violência física e familiar, a poligamia, as regras de saúde e higiene pública, o respeito pela individualidade da pessoa humana e a crença na inviolabilidade da vida humana? 

 

É difícil formular políticas de integração, mesmo sabendo que são essas as que melhor defendem os direitos dos imigrantes, tanto quanto os dos já residentes. É difícil porque os inimigos da coesão social consideram essas políticas racistas ou autoritárias. Mas são princípios simples. Os imigrantes não devem ter direitos diferentes, em nenhum aspecto, aos dos residentes e nacionais. A imposição de regras pelos traficantes de mão de obra deve ser recusada. Ninguém ilegal, indocumentado ou clandestino deve ser aceite, a não ser em casos excepcionais de sofrimento e perigo. A aprendizagem da língua deve ser promovida. A mera utilização de serviços de saúde por estrangeiros que assim abusam das facilidades existentes deve ser proibida. A integração vem acima de tudo.

 

O multiculturalismo acrescenta-se à política de porta aberta e de acolhimento universal. São duas tendências perniciosas. Pela segunda, um país renuncia ao seu direito e ao seu dever de organizar, programar, legalizar e cuidar dos fluxos migratórios. Mesmo que nunca seja possível, a não ser em ditadura, controlar absolutamente estes movimentos populacionais, é sempre possível aumentar o controlo, o planeamento e a previsão, a fim de melhor organizar a sociedade e os serviços públicos. Pela primeira atitude, a que defende o multiculturalismo, abre-se a porta a verdadeiros apartheids culturais, com regras e direitos próprios, verdadeiros alfobres de conflitos sociais e raciais. Sob a aparência de respeito pelas culturas e pelas identidades, o multiculturalismo é um convite à ilegalidade e à fragmentação. Nestas questões, a complacência é tão perigosa quanto a opressão.

.

Público, 11.3.2023

Sem comentários: