domingo, 10 de maio de 2020

Grande Angular - Nós e eles

A pressão ilegal de emigrantes e refugiados tem deixado a Europa em transe. Há Europeus apavorados. Outros em fúria e com ganas de esfolar. Outros ainda com vontade de fechar fronteiras. E outros paralisados.
A pressão, muitas vezes racista, de grupos anti-racistas, sobretudo brancos e africanos, tem contribuído para provocar reacções xenófobas.
O comportamento irresponsável de certas esquerdas, na tentativa de exacerbar a luta entre etnias, faz o que pode para abrir uma questão racial.
Para completar o quadro, a pandemia despertou todos os imagináveis sentimentos xenófobos, na convicção de que as fronteiras fechadas são os melhores antídotos contra a proliferação do vírus.
Por enquanto, em Portugal, o clima não é ameaçador. Alguns grupos de esquerda, em luta contra o sistema democrático, fazem-se mal ouvir. Umas tantas associações anti-racistas esforçam-se, por enquanto sem grande êxito, por azedar o espaço público. Outros grupos, à direita, provocam as minorias numa tentativa, por enquanto frustre, de glorificar o nacionalismo.
É verdade que há vozes que incomodam, mas não parece haver perigo iminente. Por isso são de admirar as reacções às opiniões do deputado André Ventura. A importância destas é inversamente proporcional ao alarido que provocam. O senhor disse umas tolices sobre Ciganos e o mundo político caiu-lhe em cima. Que vem aí o fascismo. Que é necessário reagir e mobilizar (antigamente dizia-se “avisar a malta”), antes que sejam milhões a dizer o mesmo.
É tão estranho! A democracia portuguesa está assim tão frágil que não permite que haja uns tantos tolos racistas e umas dúzias de xenófobos? É outra vez a história de um prurido provocar a maré-cheia? Estará assim Portugal tão fraco que uma palpitação irracional ameaça as liberdades e a decência? É que… se assim for, estamos mesmo mal!
Necessitamos de políticas sobre as migrações, os refugiados, os negreiros da hotelaria, o narcotráfico e a violência contra as mulheres… Mas não necessitamos de políticas dirigidas aos Ciganos, aos Muçulmanos, aos Africanos ou aos Chineses… Uma das manifestações mais odiosas do racismo é a que identifica defeitos com grupos étnicos. É nesse momento que, em vez de lutar contra o crime, se passa a lutar contra um grupo. É tão criminoso lutar, em Portugal, contra o “banditismo cigano” como contra o “racismo branco”. Contra a “corrupção angolana” como contra o “nepotismo português”. Contra o “terrorismo árabe” como contra a “máfia ucraniana”. Mas contra qualquer daqueles crimes, sem designação de etnia, sim, com certeza.
Há ciganos que recusam a integração, não pagam impostos e roubam? Há. Como brancos europeus. E árabes também. Todos merecem o mesmo tratamento. Há brasileiros que vivem do proxenetismo e do lenocínio? Negros também. Ciganos, brancos, espanhóis e portugueses também. Todos merecem o mesmo tratamento. O racismo russo ou indiano não é melhor nem pior do que o americano ou francês. E o de direita não é mais perigoso do que o de esquerda.
Como é evidente, existem problemas, não com todos, mas com alguns Ciganos, por causa de comportamentos peculiares. Como existem com alguns Muçulmanos, Indianos, Chineses, Brasileiros, Cabo-verdianos e muitos Portugueses (até porque há mais…). Existem problemas quando grupos cultivam crenças e têm costumes contrários aos que as leis permitem, como por exemplo bater nas mulheres, nos velhos e nas crianças, praticar a excisão e a fibulação, vender crianças para casamento e outras variedades conhecidas. Existem ainda problemas com alguns Portugueses, mas também com Angolanos, Russos, Chineses, Paquistaneses e Espanhóis envolvidos em negócios menos claros, em actos de favoritismo, corrupção, desvios de dinheiros e fuga ao fisco. Todos estes comportamentos exigem acção das polícias, da Justiça e de outras entidades defensoras dos direitos humanos, mas não exigem tratamento étnico especializado, que é o traço do racismo e do preconceito. Que é o que o deputado André Ventura gosta de fazer, no Parlamento e na televisão, com a notável experiência que adquiriu num das áreas humanas mais favoráveis ao preconceito, à corrupção e à violência: o futebol!
O preconceito, a xenofobia e o racismo: eis alguns dos defeitos mais baixos da humanidade. As suas manifestações voltam com enorme facilidade. São da autoria de muita gente. São reacções de pessoas fracas de espírito. É gente que usa um dispositivo odioso, o da generalização. Culpa sempre os outros por qualquer coisa. Atribui aos outros as responsabilidades por tudo quanto corre mal. Considera que eliminar, proibir, calar e expulsar os outros são soluções para os seus problemas.
O Diabo está nas generalizações. De género conhecido: os Portugueses são racistas. Os Judeus são usurários, os Negros preguiçosos, os Árabes ladrões, os Muçulmanos terroristas, os Ingleses piratas, os Holandeses maricas, os Ciganos vendedores de droga e os Alemães nazis. E poderia continuar até ao infinito: os Indianos desconfiados, os Romenos vigaristas, os Chineses canibais, os Americanos atrasados mentais. Quanto aos Espanhóis… estamos conversados…
Muito curiosa é a reacção de gente oportunista de alto calibre. Já há quem faça apelos contra o fascismo, quem estabeleça paralelos com a pior escumalha deste mundo. Mas sempre com um fito: aproveitar politicamente. Lutar contra a direita, que culpam de fascista e de nazi. Lutar contra os brancos, os europeus, os cristãos, os democratas… Como se o racismo e a xenofobia fossem necessariamente de direita. Recordo o que dizia Jorge Almeida Fernandes há mais de vinte anos: “Um anti-semita não é necessariamente um nazi”! É exactamente o que se pode dizer hoje de qualquer forma de racismo, de preconceito religioso e de xenofobia: há disso nas direitas e nas esquerdas, entre ricos e pobres, no meio dos brancos e dos negros e em círculos cristãos ou muçulmanos.
É verdade que há hoje factores de sobra que convidam ao irracional. A democracia está em crise. A Europa também. A política não tem muito boa reputação. A corrupção vinga. As crises das migrações e dos falsos refugiados ameaçam a estabilidade europeia. Os Europeus e os democratas têm dificuldade em assumir uma posição simultaneamente liberal e de firmeza, isto é, que aceite o princípio da legalidade e do controlo das migrações. A pandemia em curso veio agravar tudo: para muitos, fechar as fronteiras foi a solução. O preconceito não é a melhor resposta. Não é sequer uma resposta.
Público, 10.5.2020

1 comentário:

George Sand disse...

O tempo deste projecto europeu em divórcio com os povos esgota-se rapidamente. A resposta à pandemia, à pobreza e ao medo não chega ás famílias.
A insegurança das pessoas face a uma máquina europeia incapaz de prover ás necessidades básicas dos cidadãos porque a opção foi a venda absurda dos recursos dos povos para o enriquecimento corporativo pode dar lugar á revolta.
No Norte de Itália grupos de cidadãos munidos de pincel e tinta apagam com afinco as estrelas das matrículas dos carros. O abandono a que foram votados deixou marcas.
Como deixaram marcas os discursos absurdos dos deputados europeus instalados nos seus egos.
Basta passar os olhos pelas páginas do parlamento Europeu abertas a comentários para se perceber E, se a Europa não acordar, serão os nacionalismo que a matarão.
Cumprimentos