domingo, 21 de abril de 2019

Grande Angular - 'Check-list'

Este ano é rico em eleições. As duas principais, europeias e legislativas, oferecem-nos oportunidades de ouro para avaliar o estado da nação e verificar a evolução dos sentimentos. Há, na verdade, questões da maior importância que poderão ter uma resposta já este ano ou, sendo cépticos, um início de esclarecimento. Por isso vale a pena preparar uma lista de itens para utilizar ao longo do ano e aquando das eleições em causa. Ainda por cima, a poucos dias do 45º aniversário do 25 de Abril, esta espécie de avaliação tem valor acrescido.
Quase toda a gente pensava que o governo das esquerdas não duraria quatro anos. Ou antes, muito pouca gente pensava que poderia durar quatro anos e uma legislatura completa. Durou. É coisa feita. Foi um sucesso político. A avaliar pelo desemprego, pela desigualdade e pelos rendimentos, teve algum êxito social. Em termos internos e externos, foi um triunfo financeiro. Com a excepção das exportações, teve poucos bons resultados económicos. Fez o país perder perante a maior parte dos países do euro. Continuou a divergir da União, aumentou a distância relativamente aos mais desenvolvidos. Perdeu na competição da produtividade, das quotas de mercado, do crescimento do produto e dos rendimentos. Preparou mal o futuro, não conseguiu dinamizar o investimento privado, não soube estimular o investimento público e vendeu empresas sem criar novas. Desde Sócrates até às esquerdas unidas, passando pela aliança do PSD com o PP durante o ciclo da Troika, Portugal perdeu empresas, autonomia e progresso social. Ou antes, comparando com o resto da Europa, como deve ser: Portugal progrediu e ganhou muito, mas os outros cresceram e ganharam mais! Em poucas palavras, o grande êxito político desta legislatura só foi ultrapassado pelo grande fiasco económico do mesmo período.
As reacções do governo aos incêndios florestais revelaram incompetência e covardia. O roubo de Tancos exibiu irresponsabilidade política e fraqueza moral. A sucessão de desastres bancários pôs em evidência a fragilidade do Estado, que já vinha de governos anteriores e que este continuou. A incapacidade de apuramento da verdade e de castigo de tantos casos de corrupção sugere gritantes cumplicidades. O enredo tribal e familiar do governo e da alta Administração Pública deixou feridas de difícil cicatrização. A penúria dos serviços públicos acrescenta-se a este difícil rol. Finalmente, a crise dos combustíveis tornou patente a imprevidência e um inquietante embaraço. Serão os alegados êxitos políticos e sociais suficientes para encobrir estas tão evidentes deficiências?
Na gíria partidária, as próximas eleições são sempre decisivas. Claro. Mas às vezes umas são mesmo mais importantes do que outras. Visto de outra maneira, cada eleição tem a sua importância. O que está em causa em cada uma é sempre diferente. As próximas europeias e legislativas merecem atenção por várias razões. Mas tenhamos a certeza de que se vai votar Portugal e a política portuguesa. A crise europeia, o futuro da União e as questões teóricas da Europa vão evidentemente passar ao lado dos eleitores que se interessam e preocupam com o seu país. Por isso, na verdade, vamos ter uma longa eleição em duas fases, de Maio a Outubro.
A solução das esquerdas unidas é durável, pode desenvolver-se e crescer, é útil ao país? Poderão o PS e António Costa confirmar a ruptura com a social-democracia de Mário Soares? Está a desenhar-se uma alternativa do socialismo de esquerda à social-democracia? Confirma-se a perda do papel do PS como fiel da balança, charneira e ponto de equilíbrio da política portuguesa, substituído pela liderança de todas as esquerdas?
Confirma-se a existência de um PC obsoleto, velharia reconduzida agora no século XXI como o único vestígio do comunismo e imortal relíquia da revolução soviética? Ou afirma-se finalmente um PC renovado, aberto ao desenvolvimento e conquistado pela democracia?
Confirma-se que a burguesia radical do Bloco de Esquerda veio para durar? Haverá algum esclarecimento da questão, que anda nas cabeças de tanta gente, da eventual fusão, a prazo, do PS com o Bloco?
Fica estabelecida a incapacidade de afirmação de uma direita portuguesa, assim como o carácter híbrido do CDS e a androginia política do PSD? A direita portuguesa é absolutamente incompetente e incapaz?
Há ou não mais fragmentação partidária? Os partidos clássicos resistem e os populismos são mais uma vez derrotados?
Confirma-se a impossibilidade de termos em Portugal um partido ou uma força política liberal, de esquerda ou de direita?
A esquerda democrática portuguesa, apesar dos seus êxitos recentes, pretende continuar a navegar entre a economia dirigista, a promiscuidade privada e o negócio de última hora?
A convergência dos três partidos de esquerda tem vários destinos possíveis.
Os antidemocratas e os não democratas passam a cultivar a liberdade e a acreditar honestamente em valores democráticos: é o fim feliz desta história. Os antidemocratas e os não democratas mantém as suas crenças e os seus hábitos, mas perdem votos e importância eleitoral: é o fim feliz desta legislatura. Os democratas deixam gradualmente de acreditar nos valores essenciais da democracia liberal: é o fim infeliz da legislatura. Os três arrastam-se como estão, por mais uns anos, entre a habilidade e o arranjo efémero: é o habitual adiamento das decisões.
Os três partidos das esquerdas pensam que podem continuar a protelar os grandes problemas nacionais que zelosamente deixaram cá fora, à entrada do governo e do parlamento? Esperam pela contagem dos votos para saber o que realmente devem fazer? Será possível viver mais quatro anos na penumbra dos grandes dilemas? A defesa nacional, por exemplo, foi mais uma vez adiada e esquecida. A segurança colectiva mantida entre parêntesis. As Forças Armadas conservadas num limbo, salvas no entanto pela competência e pela dignidade com que têm desempenhado as suas missões internacionais. A política externa, tanto europeia, como atlântica ou africana, tem ficado congelada, deixada em exclusivo para o PS, dado que os seus parceiros não têm crédito nem inspiram confiança. Qualquer destes grandes temas é fatal para esta solução de governo. A benefício das primeiras impressões, podem ter ficado numa antecâmara de conveniência. Mas todos sabem que esse período de quarentena acaba com as próximas eleições.
Público, 21.4.2019

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