TENHO um grande prazer e muita
honra em apresentar o livro de Vasco Graça Moura. É um grande pequeno livro, de
enorme oportunidade, de indiscutível interesse e de uma evidente erudição.
Sublinho este último aspecto: numa altura em que as frases feitas, os
lugares-comuns e os clichés têm cada vez mais saída, é reconfortante ver as
virtudes da erudição, sentir que uma cultura sólida nos pode ajudar a
compreender o mundo em que vivemos e que se nos apresenta, de modo crescente,
como um mundo confuso, complexo e incerto. Para já não dizer inseguro. É um
pequeno livro sobre um tema difícil e complexo, mas um livro claro, que nos
satisfaz um prazer em perigo de extinção: o prazer de saber, de conhecer, de
perceber.
O livro “A Identidade Cultural
Europeia” é publicado num tempo em que a ela muito se alude, sem que se defina
ou sem que se desenhem os seus contornos. Conforme as conveniências, a “Identidade
europeia” é a Democracia ou o Estado social, o Cristianismo ou os Direitos do
Homem, as Luzes ou o Romantismo. Ou tudo isso. Mas, quando se olha com cuidado,
percebe-se que é muito mais, que evolui com o tempo, que é contraditória, que
inclui valores universais estimados e reconhecidos, mas também realidades que
são o seu contrário. E será esse um dos méritos deste livro: mostrar que a
Identidade cultural europeia é um assunto inacabado, um fenómeno em formação e
um movimento sem fim.
Percebe-se também o que Vasco Graça
Moura nos quer dizer: é difícil ou talvez mesmo impossível definir e
estabelecer a Identidade cultural europeia, mas onde ela está, logo se
reconhece; quem a vê, dela se apercebe. Noutras palavras, ninguém a define, mas
todos a distinguem.
A este propósito, um dos últimos
capítulos intitulado “Identidade europeia, auto-reflexão e autoquestionamento”
é uma obra-prima, um condensado da evolução de mais de 2000 anos da história
europeia, sob o ponto de vista das ideias, dos valores e das artes! É um
excelente auxiliar nessa tentativa de distinguir a Identidade europeia, sem a
definir.
Em plena crise financeira europeia,
que é também económica e política, todos parecem atribuir funções e obrigações
à Europa, ou à União Europeia, mas poucos discutem os fundamentos dessas
obrigações. Alguns ainda referem a solidariedade, conceito fácil e atraente,
mas totalmente deslocado em assuntos internacionais e em relações entre
Estados. Estes, para o bem e o mal, têm interesses, não sentimentos. Pode ser
que ajudar o outro seja do interesse de um, mas a isso não se chama
solidariedade. Pode ser que cuidar da coesão do conjunto seja do interesse de
todos e de cada um, mas também a isso não se chama solidariedade. O que é
interessante, no entanto, é ver e sentir como, em tempo de crise, se atribuem
responsabilidades à Europa e à União. Quer isto dizer que há uma espécie de
consenso ou de denominador comum: a Europa tem uma existência, tem interesses e
tem responsabilidades. Mas também é interessante ver que essa “espécie de
consenso” termina aí, não se reflecte na enumeração de deveres nem na
atribuição de responsabilidades.
O ensaio de Vasco Graça Moura vai
ajudar-nos a perceber essa realidade. Construído como uma peça musical do
género das “variações sobre um tema”, o autor escreve quinze capítulos, como se
fossem andamentos, voltando sempre ao tema central, a essa misteriosa, atraente
e complexa “Identidade cultural europeia”. E sempre nos deixa a mesma
impressão: a Identidade cultural europeia é sólida, permanente, indelével, de
ambição universal e de aspiração perpétua, mas difícil de apreender e sobretudo
frágil como alicerce de construção política, económica, militar ou mesmo
científica.
Vou desobrigar-me de duas tarefas
tradicionais das apresentações de livros. Primeiro, não resumo o livro. Não se
resume um livro de 90 páginas! Segundo, não apresento o currículo do autor.
Todos percebem porquê. Mas não quero deixar de afirmar que o Vasco Graça Moura
é certamente um dos mais interessantes e importantes intelectuais da
actualidade. Com uma passagem pelo Governo e outra pelo Parlamento Europeu, com
a presença activa em grandes empreendimentos e instituições culturais, associou
a acção à criação e ao pensamento. É aqui que ele brilha como escritor, poeta,
ensaísta, romancista, colunista de opinião na imprensa e tradutor. Permitam-me
sublinhar esta última vocação, este último talento. O Vasco deve ser uma das
raras pessoas no mundo que traduziu, para a sua língua materna, obras,
sobretudo poesia, que é o mais difícil, de pelo menos cinco línguas de origem!
Traduzir para um português de grande qualidade, rigor e beleza, textos e poemas
de, entre outros, Shakespeare, Dante, Rilke, Lorca e Villon… É obra! Ainda por
cima no respeito pelas regras poéticas da métrica e da rima! Não está ao
alcance de qualquer! Não está praticamente ao alcance de ninguém! Os prémios
internacionais que recebeu por esse formidável trabalho são o sinal do modo
como foi reconhecido pela comunidade culta e académica europeia. Com uma
consequência interessante: Vasco Graça Moura é uma das mais sérias
demonstrações de um facto frequentemente esquecido: traduzir é uma arte e uma
técnica que alcançam os patamares da criação.
Repare-se ainda na coincidência,
certamente não fruto do acaso: o que o Vasco trouxe para Portugal, o que
traduziu e ajudou a difundir foi o património europeu! Shakespeare, Petrarca,
Ronsard e tantos outros! Ninguém fez melhor!
Temas de conversa
O mito e a realidade.
Um dos grandes paradoxos da Europa
reside na comparação da sua reputação de Europa de paz com a sua história de
Europa de guerra. Tu próprio, apesar da crença na Europa, não deixas de aludir
a esse paradoxo. Europa parece ser uma atalho ou um símbolo de paz, de
solidariedade, de direitos do homem e de cultura, mas é de certeza o continente
onde houve mais guerras, civis ou internacionais, mais revoluções, mais
massacres, mais guerras de religião, mais liquidação de civis em conflitos
militares, mais longas ditaduras, mais campos de concentração ou de trabalho…
As páginas do Google são
formidáveis! Escrevi simplesmente “lista de guerras e conflitos na Europa”. A
resposta veio em menos de um segundo: centenas e centenas de conflitos e
guerras alinhadas por século! Esta Europa de ideias e cultura, de liberdade e
de igualdade, passou a maior parte da sua história a fazer a guerra! Ainda no
século XX, os mortos foram dezenas de milhões, os presos políticos foram
milhões, os anos de ditadura foram dezenas, os civis massacrados foram milhões,
as cidades bombardeadas foram dezenas… E nem falo das guerras que fixaram nomes
horrendos: Guerra dos Trinta Anos, Guerra dos Cem anos… A que acrescento as
Grandes revoluções que fizeram milhares de mortos… E mesmo duas Grandes Guerras
que começaram europeias e acabaram mundiais!
A guerra parece ser uma identidade
europeia! A guerra é uma vocação europeia!
Curiosamente, não foram guerras
contra terceiros, como talvez em Lepanto, em Viena ou no Salado… Foram guerras
entre europeus, como em Sadova, Waterloo ou Verdun… É curioso ver como a guerra
é um dos factores de identidade da Europa! E ver como hoje os Europeus fogem à
responsabilidade militar, à despesa com a defesa e se entregam facilmente à
protecção americana!
As guerras entre Europeus foram
sempre mais mortíferas do que contra terceiros!
Até a religião deu, na Europa, guerra! O
Cristianismo é seguramente uma reputação europeia. É certo que o Cristianismo
não nasceu na Europa, mas foi aqui que ele vingou. Pois bem, na Europa, até a
religião deu guerra! Não para salvar o Cristianismo dos seus inimigos, mas para
ajustar contas entre Cristãos! Em guerras que foram das mais mortíferas da sua
história!
O paradoxo da cultura e do património.
Na Europa, o mais comum, o mais
perene e o mais conhecido é a cultura! Mas a União não se faz com cultura!
A União, aliás, dedica muito pouco
tempo, dinheiro e energia à cultura.
Como é possível a União repousar
sobretudo no que a separa, as culturas nacionais?
Há momentos, neste livro, em que se
pensa que a cultura, as artes, as ideias, a identidade e o património são
indeléveis e indestrutíveis.
Mas também é sugerido que os
Estados, as políticas, as religiões e sobretudo a economia podem tudo destruir…
Menos o património e o legado! Será assim?
Mas também há no teu livro sinais
de alerta em sentido contrário. Sugeres que a economia, as finanças, os
mercados podem destruir o património, deixá-lo decair e desaparecer…
Há alguns anos, um filme que ganhou
a Palma de Ouro em Cannes, chamava-se, em francês, “Entre les murs”; em
português, “A turma”: e em inglês, “Tha class”. Esse filme retratava a vida
quotidiana de uma turma, algures no 20º arrondissement de Paris. Os conflitos,
a indisciplina, as relações interculturais e interétnicas são alguns dos temas
principais. Mas o mais impressionante, o mais chocante deste excelente filme é
a sua tese central: já não é possível haver um cânone comum, um património
cultural, um legado familiar a todos. As crianças asiáticas, africanas,
europeias e árabes pouco tinham de comum: referências culturais, autores, arte…
Nada! A não ser futebol e música pop…
Que lição retirar desta fábula? Que
a Europa do futuro terá, como património, apenas as pedras? Saint Denis,
Alcobaça e santa Maria del Fiore… Nada mais?
O paradoxo dos contributos negativos.
Para a Europa, contribuem sobretudo
as realidades nacionais, contrárias ao espírito comum. Segundo o lugar-comum
politicamente correcto, a diversidade é a maior riqueza da Europa, da
identidade europeia! O paradoxo é evidente!
A Europa tem ou não realidades próprias
ou sobretudo realidades nacionais? A Europa é uma soma de diversidades
nacionais? Como é possível que tanta diversidade faça uma unidade?
Entre os valores reconhecidos, a
democracia parece ser parte integrante do ideal europeu! Mas a verdade é que, só
no século XX, um grande número de países europeus conhece quase tantos anos de
ditadura como de democracia!
A diversidade foi a maior fonte de
guerras e lutas, de conflitos e animosidade! Quer isto dizer que a identidade
europeia foi também feita pelos seus contrários! Fenómenos internacionais ou
transversais como o Cristianismo, o Renascimento ou as Luzes fizeram a Europa
tanto cromo as histórias individuais de cada país. E fenómenos que marcaram
negativamente a história, como certas formas de racismo, de perseguição
religiosa e de despotismo político acabaram por contribuir para a Identidade
europeia, por eles próprios mas também pelas lutas e reacções que
desencadearam. A Inquisição, o Colonialismo, a Escravatura, o Terror, o
Fascismo ou o Comunismo fazem parte da Identidade europeia. A Europa cresceu na
luta contra eles!
De tudo se faz uma identidade. Nós
temos certamente a tendência a privilegiar o lado bom, os aspectos positivos: o
Renascimento, as Luzes, os Direitos do Homem… Mas o menos bom e o negativo não
farão parte da identidade? O imperialismo, a escravatura, certas formas de
intolerância e a exploração não farão parte dessa identidade? Que pensarão
disso os Africanos, os Índios, os Árabes e os Asiáticos?
--
(*) - Ensaios da
Fundação Francisco Manuel dos Santos
Lisboa, Dezembro de 2013
5 comentários:
O que consolidará a unidade da europa será a solidariedade; convergência da evolução socio-política resultante sucessivos e múltiplos conflitos históricos e...uma ameaça externa comum consubstanciada atualmente pela China, India e, sobretudo...EUA.
solidariedade? convergência de evolução socio-política? bolas atão vamos todos ser da front nazionalle
ou escreve-se fronda
con substanciada...pois
non non a ameaça é dos parasitas internos sô doctore
e há tantos
basta ver a lista
O ex-reitor da Universidade de Lisboa António Sampaio da Nóvoa alertou para o “instrumento de dominação” em que se transformou a crise, usada para “legitimar ideias que, de outra forma, nenhum de nós, estaria disposto a aceitar”. “Serve para impor soluções ditas inevitáveis que corrompem a nossa capacidade de decisão e a nossa liberdade”, criticou Sampaio da Nóvoa, na cerimónia de abertura do ano académico 2013-2014 da Universidade de Lisboa.
Perante a assistência de dois ex-presidentes da República – Ramalho Eanes e Jorge Sampaio –, da procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, do presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, de figuras partidárias da política nacional, como Ferro Rodrigues e João Cravinho, e do ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, o ex-reitor Sampaio da Nóvoa referiu “a guerra” – “sim, a guerra”, sublinhou – contra as artes, humanidades e ciências sociais, que, disse, “não é de agora”.
“Volta e torna a voltar, sobretudo nos tempos de crise, nos tempos em que justamente mais precisamos das humanidades”, declarou, questionando-se se “nada interessa a não ser o que tem uma utilidade imediata”. “Utilidade imediata? Mas para quê? E para quem? Repita-se: a poesia é a única prova concreta da existência do homem. Ninguém decretou a existência da literatura, das artes e da criação. Ninguém decretará a sua extinção, o seu desaparecimento, a sua inutilidade. Temos um dever de resistência perante esta visão empobrecida do mundo, do conhecimento e da ciência. Não há culturas dispensáveis”, defendeu.
A propósito dos 40 anos do 25 de Abril, que se celebram dentro de 2 meses, Sampaio da Nóvoa recordou o jovem que era então, a viver essa “situação única, irrepetível”, que fazia crer que “o futuro de todos estava no mais pequeno gesto de cada um”. “Hoje parece que vivemos a sensação oposta. Sentimos que, façamos o que fizermos, nada muda. Que tudo se decide num lugar longe de nós, num lugar distante da nossa vontade. Precisamos de recuperar essa energia de Abril. Porque somos responsáveis pelo que fazemos, mas também somos responsáveis pelo que deixamos de fazer. Somos responsáveis pelas lutas que travamos, mas também por aquelas a que renunciamos”, reiterou.
O antigo reitor da Universidade de Lisboa afirmou ainda a necessidade de a universidade “se libertar das amarras”, de “estar presente em todos os debates da sociedade” e mais ligada à economia e às empresas, defendendo mais autonomia e uma “conceção radicalmente diferente da relação do Estado com a universidade”. “Assim como está é que não, definitivamente não”, disse.....e disse mesmo e ficou tudo como estava
a fundação da universidade de lisboa muda pouco...
é o estado mais corporativo da eurropa benzódeus
solidariedade para os gregos segundo churchile é dare-lhes-ses um roi qu'elles detestavam e um governo que lhes tirasse as armas e os direitos
a solidariedade eurropeia é assis desde que os celtas dizimaram os iberos e os iberos exterminaram os bárbaros que falavam euzkarra e outras merdas dessas
conflitos históricos duma europa que dividiu os povos do mundo a régua e esquadro?
pois ....e milagre da fatinha tem nã?
Este António Barreto não é o autor do blogue.
obrigada
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