QUASE trinta anos: é tempo mais que suficiente para formarmos um juízo sobre a integração europeia de Portugal, ou antes, sobre a nossa pertença por inteiro à União Europeia. Distingo deliberadamente uma e outra. Na verdade, a integração europeia de Portugal é fenómeno mais vasto e iniciou-se, para todos os efeitos (enquadramento, trocas, circulação e convergência), nos anos 1960. Formalmente, com a adesão à EFTA (European Free Trade Association), de que fomos fundadores em conjunto com a Áustria, a Dinamarca, a Grã-Bretanha, a Noruega, a Suécia e a Suíça. Um pouco mais tarde, em 1972, Portugal assina um acordo de associação com a Comunidade Económica Europeia. Em 1986, Portugal torna-se membro de Comunidade Europeia, ulteriormente designada União Europeia. Finalmente, em 2002, Portugal integra o grupo que adopta o euro como moeda comum e única. Economicamente, a integração processa-se com rapidez a partir dos anos sessenta, graças à EFTA, com o desenvolvimento do comércio dentro deste conjunto (e mesmo fora dele com outros países europeus), assim como o crescimento de investimento estrangeiro (especialmente industrial) no nosso país. Antes mesmo da descolonização e da fundação da Democracia, em 1974, já as trocas comerciais com a Europa mostravam um excepcional vigor, superando as relações tradicionais com os países africanos então colónias. Humana e socialmente, a integração data também dos anos sessenta: a emigração, em cerca de quinze a vinte anos, de quase um milhão e meio de Portugueses para os países europeus é facto que fica a marcar indelevelmente a história social portuguesa. Quase ao mesmo tempo, o crescimento rápido do turismo veio completar os quadros de contacto humano. Politicamente, enfim, o início da integração europeia pode colocar-se em 1986, data da adesão à CE (depois EU). Foi a partir de então que o entrosamento institucional, jurídico e político se foi realizando até chegarmos ao ponto de hoje.
Esta distinção é para mim importante. Na verdade, obriga-nos a estudar as economias e as sociedades durante cinco ou seis décadas e não apenas duas ou três. Por outro lado, permite-nos ver que estes fenómenos de integração internacional têm outras dimensões poderosas, como as migrações, o trabalho, as empresas, as trocas, a ciência e a cultura que muitas vezes se adiantam aos quadros políticos desenhados pelos governos. Finalmente, ajuda-nos a perceber que, em Portugal, neste meio século, a principal fonte de mudança é externa. Parece que o nosso país não encontra dentro de si próprio energias suficientes para provocar a mudança e a inovação.
Esta visão alargada não se destina a subestimar a integração na EU, mas apenas a sublinhar factos históricos indesmentíveis: a adesão à então Comunidade Europeia inscreve-se absolutamente no desenvolvimento histórico e nas tendências fortes de evolução da sociedade e da economia. Dito isto, o que se viveu desde 1986, como se poderá ver com minúcia no excepcional trabalho de Augusto Mateus e seus colaboradores, foi um poderoso processo de abertura, de mudança, de inovação e de transformação que sacudiu toda a sociedade, dos alicerces às superestruturas, das forças materiais aos comportamentos. Muito do que se passou recentemente não é necessariamente efeito da UE, antes o será da globalização, outra força de mudança em acto nas últimas décadas.
Como se poderá ver bem no trabalho de Augusto Mateus, estes 25 anos não foram iguais nem uniformes. Anos houve de crescimento e progresso, como também de estagnação ou de retrocesso. Nesta segunda década do século XXI, por exemplo, com as dificuldades económicas e financeiras, assim como com a crise social, pode mesmo pensar-se que a pertença à UE acrescenta obstáculos e pressões negativas, ao contrário da primeira década deste período em que tudo, também graças à União, parecia correr bem. Na verdade, a conclusão parece simples: com a adesão à União, Portugal continuou e aprofundou o seu trajecto de integração e passou a partilhar com os 27 parceiros o pior e o melhor do seu desenvolvimento e das suas crises. Com menos recursos, mais atrasado, com menos experiência e com mais deficiências estruturais, Portugal parece ter vantagens suplementares em períodos de crescimento e progresso, mas também inconvenientes acrescidos em tempos de estagnação e dificuldades.
Em poucas palavras, a União Europeia criou novas oportunidades, mas também destruiu tradição e segurança. Ampliar o progresso, mas também dilata os constrangimentos e os riscos. Com esta apreciação, aparentemente salomónica, sobra a pergunta: valeu a pena? Foram concretizadas as aspirações e as expectativas criadas, nos anos 1970, à volta da Europa? Se voltássemos atrás, deveríamos evitar a adesão ou faríamos o mesmo? Não tenho dúvidas: valeu a pena. A pertença à União foi certamente a força mais potente no estímulo ao desenvolvimento da civilização, da decência pública, da cultura e da liberdade. O que fazia dos Portugueses um povo à parte, nos anos sessenta, era o atraso, a fome, o analfabetismo, a opressão e a guerra que encobriam os êxitos económicos e o crescimento desses mesmos anos. Já não são esses os sinais distintivos do nosso país. Começámos a tentar ser um país como os outros. E a União Europeia passou a ser um dos principais factores de democracia.
«DN» de 30 Mai 13
1 comentário:
«Se voltássemos atrás, deveríamos evitar a adesão ou faríamos o mesmo?»
Esta é certamente a pergunta que milhares de portugueses colocam uns aos outros e a si mesmo.
Não me parece que a questão, nesta altura dos acontecimentos, se deva reduzir ao sim, ou ao não entrarmos em pleno para a UE e para o euro.
A questão, do meu ponto de vista, está na forma como todo o processo decorreu.
Portugal entrou numa posição envergonhada e auto-resignada.
Nas negociações das cuotas de mercado, fomos carrascos de nós próprios. Deixamos que a UE asfixiasse a nossa agricultura, pescas,e indústrias em que utilizávamos matérias-primas que não era necessário importar.
Depois, achámos que as remessas de dinheiro que nos chegavam, iriam transformar-nos do dia para a noite em multi-milionários sem necessidade de voltar a produzir um alfinete.
Todos estes ingredientes ligados por uma tendência natural para a vigarice e o aproveitamento, o bacoquismo e o novoriquismo, deram no pão amargo que hoje estamos obrigados a roer e que o actual governo continua a cozer, obrigando os portugueses a amassar uma farinha cada dia mais grossa e menos nutritiva.
Enviar um comentário